O consumidor brasileiro depende basicamente de dois fatores para aumentar sua disposição de compra: o aumento da renda e/ou as facilidades do crédito, que é determinante nas compras de maior valor que precisam ser pagas a prestação. Por isso, com os juros nas alturas, não chega a ser surpresa a queda de 1% no volume das vendas do comércio varejista em maio frente a abril. Os segmentos dependentes do crédito seguem enfraquecidos. Já os produtos com baixa de preços, como combustíveis e alimentos, lideraram as vendas.
Apesar da queda no Mês das Mães, que costuma ser a 2ª melhor temporada do ano (maio de 2023 ficou negativo em 1% frente a maio de 2022, na 1ª baixa da métrica do mês deste ano contra igual mês do ano anterior), o volume de vendas acumula avanço de 1,3% no ano e de 0,8% nos últimos 12 meses.
O panorama mostrou que a inflação acumulada em 12 meses cedeu de 11,73% em maio de 2022 para 3,94% em maio de 2023, com os cortes nos impostos de preços críticos na tentativa de reeleger Bolsonaro em 2022, e este ano, pela queda dos preços dos alimentos, devido à supersafra agrícola e a nova política de preços da Petrobras, que atenuou o impacto da reoneração dos impostos (de modo mais brando e escalonado).
Entretanto, apesar do aumento de 7,9% na variação da massa de rendimentos (+0,9% de pessoas ocupadas), os juros elevados do crediário (a taxa Selic que serve de piso das operações do mercado financeiro, estava em 13% ao ano em maio de 2022 e ficou estável em 13,75% desde agosto de 2022), com taxas para os consumidores acima de 6% ao mês, o crédito à pessoa física (ou seja, às famílias) avançou apenas 4,59% em maio-2023 frente a maio-2022.
Preço atrai consumo
A abertura dos segmentos de consumo feitas pela PMC do IBGE mostra uma clara relação de queda de preços com aumento de consumo. Em maio, o custo da alimentação no domicílio caiu de uma taxa acumulada de 16,36% nos 12 meses de maio de 2022 para 4,66% este ano (quando a baixa dos preços no atacado começou a se refletir no varejo, com aumento de 3,3% no volume de vendas frente a abril. Em junho os preços da alimentação caíram 0,66%. Isso abre espaço na renda para outros consumos.
O produto mais vendido no país é o óleo diesel. Com as movimentações das safras agrícolas, com pico entre março e maio, liderou o avanço das vendas do comércio de combustíveis e lubrificantes, com aumento de 1,4% sobre abril. Mas a comparação com maio de 2022 mostra uma enorme diferença. Rm maio de 2022 a alta dos combustíveis em 12 meses atingiu 29,12% (devido aos impactos da invasão da Ucrânia pela Rússia, grande produtor de petróleo e combustíveis que sofreu sanções da OTAN). Já nos 12 meses até maio de 2023 houve queda de 25,86% (devido aos cortes dos impostos no 2º semestre de 2022). O resultado é que o volume de vendas cresceu 10,48% sobre maio de 2022, de 15,5% no 1º semestre e 21% em 12 meses.
Crédito caro assusta
Em compensação, os bens de consumo que exigem financiamento de prazos longos, como móveis e eletrodomésticos, material de construção e automóveis e motos, até as roupas, estão com as vendas afetadas pelas altas taxas de juros. De janeiro a maio, o volume de vendas de vestuário (cujos preços seguem bem acima da inflação) encolheram 10,3%. As vendas de móveis e eletroeletrônicos domésticos encolheram 3,3%. Já as vendas de veículos e motos recuaram 1,4% e as de material de construção, caíram 7,8%.
O mês de junho tende a mostrar reação nas vendas de automóveis e caminhões, com os estímulos do governo, mas o varejo aguarda ansioso a trajetória de redução dos juros a ser iniciada pelo Banco Central em 2 de agosto. O Banco Central é só o piso do mercado. Pesados são os juros do crédito pessoal, do cartão de crédito e do cheque especial.
O socorro do Desenrola
Até que os juros caiam na ponta do consumidor, o alento vem da operacionalização do Programa Desenrola, que vai dar anistia às dívidas até R$ 100, o que livrará milhões de pessoas do cadastro negativo do SPC e do Serasa.
O Programa Desenrola terá duas faixas de renegociação. Nas dívidas de até R$ 5 mil para as famílias com renda até dois salários mínimos (R$ 2.640), haverá elevada redução de juros e multas, além do aval do Tesouro Nacional, que reduz os riscos dos bancos e financeiras. Nas dívidas até R$ 20 mil, haverá igualmente redução de juros e multas, mas a renegociação, a juros bem mais baixo, terá de ser liquidada em 12 meses.
Tirar o nome sujo do SPC/Serasa é um alívio moral para mais de 60 milhões de brasileiros. Entretanto, como advertiu a ministra do Planejamento, Simone Tebet, se os juros não baixarem no Brasil a níveis civilizados, o governo terá de fazer um Programa Desenrola a cada ano.
Após Covid, remédios são obrigatórios
Outro dado impressionante na PMC do IBGE é que após a Covid-19 (declarada pandemia em março de 2020), os gastos com remédios e produtos médicos ganharam a 4ª posição nas despesas familiares (depois dos alimentos e bebidas, das despesas com automóveis, que incluem os juros dos financiamentos, IPVA e manutenção) e dos combustíveis.
Tomando por base o mês de fevereiro de 2020 (antes da Covid), as vendas de produtos farmacêuticos e artigos médicos lideraram o crescimento do volume de vendas com avanço de 27,1%. O 2º conjunto que mais avançou em volume de vendas foi Combustíveis e lubrificantes, com 10%. As vendas de hiper e supermercados (basicamente alimentos, bebidas e produtos de higiene e limpeza) cresceram 3,9%.
A reclusão no período mais severo da pandemia, com a concentração dos trabalhos em casa para muitas atividades e uso intenso da internet, acabou por afetar alguns hábitos de consumo. As vendas de vestuário, calçados e acessórios, com altas de preços que assustaram os consumidores, encolheram 22,3% em relação a fevereiro de 2020. Móveis e eletromésticos tiveram queda de 14,1% no período (consequência da escalada dos juros). Mas o maior tombo veio na compra de livros, jornais, revistas e artigos de papelaria: 38,3%. Em parte pela leitura direta na internet. A reação deste ano, ainda está longe de recuperar o terreno
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GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO B RASIL” ( BRASIL)