GALÍPOLO E OS CAVALEIROS DO APOCALIPSE

CHARGE DE MIGUEL PAIVA

A aprovação dos nomes de Gabriel Galípolo para a diretoria de Política Monetária do Banco Central e de Aílton dos Santos para a de Fiscalização, ambos com mandatos de quatro anos, abre uma nova perspectiva nos debates no Comitê de Política Monetária (Copom). A nova reunião do Copom, dias 1 e 2 de agosto, por uma feliz coincidência, deve marcar a 1ª redução na taxa Selic, após permanecer um ano em 13,75% ao ano. As apostas básicas do mercado são de uma baixa inicial de 0,25 ponto percentual, seguida de três baixas de 0,50 p.p. nas reuniões de 20 de setembro, 1º de novembro e 13 de dezembro, quando a Selic fecharia o ano em 12% ao ano.

Para a LCA Consultores, considerando o processo desinflacionário em curso, os avanços no campo fiscal e o cenário de juro neutro de 4,5% ao ano, definido do Relatório Trimestral de Inflação de 29 de junho, bem como as projeções (da LCA) para a inflação dos próximos meses, o grau de restrição da política monetária (a diferença entre a Selic nominal e a estimativa para a taxa de juros neutra da economia brasileira), terá redução em ritmo parcimonioso em 2024, a consultoria avalia que a Selic poderá ser reduzida para algo abaixo de 10% ao final de 2024 e que chegará a nível neutro, que ela estima em torno de 8,5% ao ano, até meados de 2025.

Uma mudança de linguagem

A presença de dois novos nomes no colegiado do Copom, composto por oito diretores mais o presidente Roberto Campos Neto, por si só há de renovar a pauta das discussões (hoje muito unificadas em torno de posições ortodoxas em matéria de política monetária, com a agravante de que a importante diretoria de Política Monetária terá mudança radical de postura com Galípolo.

Numa figura de linguagem, Galípolo será a posição destoante (com Aílton) contra os “Cavaleiros do Apocalipse”, que apostaram no pior da inflação em 2022 e 2023 e, por isso, mantiveram excessivamente puxado o juro da Selic.

Desde a saída do ortodoxo Bruno Serra, (o mandato expirou em 298 de fevereiro e ele se desligou do BC em 24 de março, quando concluiu o Relatório Trimestral de Inflação do 1º trimestre), o cargo estava acumulado pelo diretor de Política Econômica Diogo Guillen.

Assim, nas reuniões de 2 e 3 de maio e 20 e 21 de junho, Guillen teve um voto de qualidade a mais. O que, talvez, explique a contradição entre o comunicado após a reunião (que omitiu a convergência para uma redução de juros já em agosto) e a ata, divulgada dia 27, com essa importante informação.

Por sinal, na sabatina na Comissão Econômica do Senado, antes da aprovação de seus nomes pelo Plenário, Aílton Santos e Galípolo atacaram a falta de clareza e o raciocínio confuso dos comunicados, da Ata e do RTI. Galípolo chegou a dizer que após cada reunião do Copom, os operadores da Faria Lima (centro financeiro do país) fazem um campeonato mundial para ver quem interpreta melhor a linguagem quase cifrada da comunicação do Banco Central.

Uma comparação com o que expõe o Federal Reserve Bank e o Federal Open Market Committee (FOMC), que serviu de inspiração ao Copom, indica que precisamos avançar muito mais na clareza das informações não só na comunicação com o mercado financeiro, mas com a própria sociedade. Investidores e empresários, por vezes, adotam decisões erradas porque seguiram ao pé da letra o que (não) dizia o comunicado. Só quem pôs o comunicado de 3 de maio ao lado do de 21 de junho percebeu trocas de vírgulas e termos que poderiam indicar a mudança de viés do Copom. Isso, efetivamente, não pode ficar tão hermético.

A questão da indexação

Mas Gabriel Galípolo abordou na CAE um ponto superimportante, que foi deixado de lado no governo Bolsonaro e segue abandonado pelo Banco Central. O alto grau inercial da inflação brasileira causado pela indexação, que se manifesta no câmbio e reverbera em preços importantes da economia (salário-mínimo, aluguéis, mensalidades escolares e reajustes anuais de preços e tarifas).

No alentado livro “A Arte da Política Econômica: Depoimentos à Casa das Garças”, organizado pelo coordenador do “think-thank” do Leblon, José Augusto Coelho Fernandes, muito ligado aos economistas da PUC-Rio, que tiveram atuação decisiva nos planos econômicos que começaram com o Cruzado e desaguaram no Plano Real”, percebe-se a nítida preocupação dos primeiros testemunhos, com a influência inercial da inflação, a ser superada num processo desinflacionário. Uma situação que se apresenta agora e que precisa estar na agenda do Banco Central. No exercício de sua independência, a autoridade monetária não pode ficar alheia às demais ações do governo.

Vale situar a ordem cronológica dos testemunhos entre os quais se destacam os ex-ministros da Fazenda Maílson da Nóbrega, que historia a reorganização das finanças públicas. Pouca gente sabe ou se recorda de que o Orçamento Fiscal era uma ficção no Brasil até meados dos anos 80 – o Orçamento Fiscal propriamente dito era muito menor que o das estatais e menos da metade do Orçamento Monetário.

A ida do Brasil ao FMI exigiu a reorganização, com a separação definitiva das contas do Banco do Brasil com o Tesouro Nacional (Conta-Movimento) e o Banco Central. Um dos autores do parto foi o então secretário-ajunto do Tesouro Nacional, Pedro Parente (o Secretário era Andrea Calabi). Os ex-ministros Marcílio Marques Moreira e Bresser Pereira abordam igualmente a questão da inércia inflacionária.

Este era um grande desafio que instigou Pérsio Arida e André Lara Resende, quando faziam pós graduação em Economia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA), no final dos anos 70, começo dos anos 80 (o Brasil foi renegociar a dívida externa com ajuda do Fundo Monetário Internacional no final de 1982, situação que se estendeu até 1995, atravessando os governos Figueiredo, Sarney, Collor/Itamar e Fernando Henrique Cardoso) a criarem o Plano Larida, o 1º ensaio de desindexação, que gerou o Plano Cruzado. O plano foi atropelado pelo excesso de demanda gerado pelo abono salarial de 8% que não estava no arcabouço inicial dos formuladores (exigência de Sarney). O ex-ministro Pedro Malan, com elegância habitual, chama a atenção para a importância do equilíbrio fiscal, como basilar para a política monetária.

Edmar Bacha e Gustavo Franco discorrem sobre a ideia da URV, que precedeu o Plano Real (1994), justamente para evitar a falsa sensação de perda com a inflação que levou o governo Sarney a ‘matar’ o Cruzado na maternidade.

Em abril de 1986, 45 dias depois de lançado o plano, em 28 de fevereiro de 1986, em declarações feitas a mim, para o “Relatório Reservado”, André Lara Resende, que era diretor de Política Monetária do Banco Central, reconhecia que a economia estava muita aquecida pelo excesso de consumo gerado pelo abono (os salários aumentaram enquanto os preços ficaram congelados, incluindo os rendimentos das aplicações financeiras – caderneta de poupança, sobretudo), o que tornava o plano inviável, sem aumento dos juros.

Dois meses depois, o ministro da Fazenda, Dilson Funaro, em conversa comigo para o mesmo “RR”, reconheceu que a situação estava ingovernável: Veio o Cruzado II, que foi a morte política do Plano.

O que faz o Copom?

Me espanta que nenhuma destas questões sejam discutidas no Copom e muito menos nas edições do RTI. Na gestão de Ilan Goldfajn (2016-18) o tema de desindexação foi abordado em alguns dos boxes. A intervenção cirúrgica de Paulo Guedes nos preços críticos em junho de 2022 (cortando impostos federais e estaduais da gasolina, item de maio peso no IPCA, combustíveis, energia elétrica e comunicações) indica que nem sempre a Política Monetária prosuz a desinflação. Antes pode matar o doente com a alta dose do remédio.

A nova política de preços da Petrobras entra como atalho na desindexação. Ao substituir a indexação automática do câmbio às cotações internacionais dos combustíveis (via PPI) e usar os fatores brasileiros (extração de petróleo do pré-sal a preços 60% inferiores à cotação do Brent e uso máximo da capacidade instalada das refinarias), além de obter combustíveis a preços menores, a política reforça a arrecadação, que é uma das pedras de toque da nova política fiscal, como sublinhou Gabriel Galípolo.

Quanto mais crescerem a economia e a arrecadação, mais palatável serão os indicadores da dívida pública em relação ao PIB. E os custos serão aliviados para o Tesouro (com a Selic menor), enquanto a baixa dos juros pode estimular famílias a retomarem o consumo e as empresas a apostarem no crescimento, com ampliação dos investimentos. Ou seja, o círculo virtuoso do crescimento.

GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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