Em minha vivência de meio século acompanhando a cobertura do mercado financeiro me espanta que algumas correntes de economistas – sobretudo os monetaristas mais ortodoxos – deem mais peso às teorias que aos fatos para justificar certas mudanças de pensamento. A mudança nas projeções sobre a inflação, causada, sobretudo, pelo forte impacto baixista da supersafra de grãos sobre os preços dos alimentos e pela nova política de reajuste de preços da Petrobras) mudou o cenário de curto prazo.
Em 30 de dezembro de 2022, a última Pesquisa Focus do Banco Central apontou expectativa de um IPCA de 5,31% em 2023 (5,45% nas projeções dos últimos cinco dias úteis). O principal fator de alta viria dos preços administrados (combustíveis, energia elétrica e comunicações), que teriam, em princípio, em 1º de janeiro, a reoneração dos impostos cortados no governo Bolsonaro em junho. O mercado previa alta de 6,77% nos preços administrados (7,45% nos últimos 5 dias).
Para 2024 o IPCA previsto era de 3,65%, com alta de 4,00% nos preços administrados. Para 2025, o IPCA esperado era de 3,25%, com variação de 3,50% nos preços administrados (a meta de inflação dos dois anos era de 3,00% + tolerância de 1,50% = 4,50%). Mas o governo Lula, temendo impactos negativos de uma explosão de preços (e o 8 de janeiro mostrou que o governo fez bem em ser cauteloso, pois uma alta geral poderia ser mais combustível para os manifestantes que atentaram contra a democracia), adiou a reoneração para abril e por etapas (a 2ª fase se completou em julho).
Mercado revê suas projeções
Na última previsão da Focus em 24 de fevereiro, já com indicações de queda na alimentação, o mercado passou a prever IPCA de 5,90% em 2023 (5,93% nos últimos 5 dias úteis) e alta de 9,04% (9,20% nos últimos 5 dias) para os preços administrados. Para 2024 o IPCA esperado era de 4,02% (4,04% em 5 dias úteis) e os preços administrados subiriam 4,43% (4,54% nos 5 dias úteis).
A Petrobras no governo Lula iniciou sua nova política de aproveitar ao máximo os baixos custos de extração do petróleo do pré-sal e o uso mais intensivo de suas refinarias para se descolar do PPI (paridade de preços internacionais), que atrelava os preços domésticos às cotações internacionais dos combustíveis mais a variação do dólar, que visava a privatização da Petrobras, já iniciada com a venda de ativos e a abertura de 50% do parque de refino ao setor privado). O governo Lula arquivou os planos e usou as vantagens comparativas da Petrobras para suavizar o impacto da inflação, que passou a subir menos a curto prazo. Isso mudou radicalmente as projeções.
Em 30 de junho, a Focus indicou que mercado já previa queda do IPCA para 4,98% em dezembro de 2023 (4,92% nos últimos 5 dias úteis), com a queda dos preços administrados (previstas quatro semanas antes em 9,41%) para 8,97% (sendo de 8,83% as apostas dos últimos 5 dias). Para 2024, o IPCA se reduziu de 3,98% para 3,92%, sendo de 3,90% as apostas dos últimos 5 dias). Quatro semanas antes, a previsão era de 4,12%. As projeções dos preços administrados variaram muito: 4,53% na 4ªsemana anteriores, para 4,44% na semana de 23 de junho, alta novamente para 4,46% em 30 de junho (e 4,51% nos últimos 5 dias úteis).
Banco Central erra junto
E o Banco Central, que tem modelo próprio de projeções, apurando e depurando as projeções semanais da Focus, errou junto nas previsões de inflação, como reconhece no próprio Relatório Trimestral de Inflação, de 29 de junho.
Mostrei semana passada na coluna que os erros foram elevados em 2022 (pelos cortes dos impostos de Paulo Guedes, para tentar derrubar a inflação e reeleger Bolsonaro) e em 2023 (porque previu que haveria reoneração automática dos impostos, acelerando a inflação – deu-se o inverso – e porque calculou mal o impacto desinflacionário da supersafra de grãos. Assim, a Selic foi calibrada para cima, travando a economia além do necessário.
Uma Genial explicação
Entretanto, vejam essa explicação da Genial Investimentos para a mudança de cenário: “Apesar das fortes críticas do presidente Lula à meta para a inflação e às decisões do Banco Central desde o início do governo, o Conselho Monetário Nacional (CMN) decidiu na última 5ª feira manter a meta para a inflação em 3,0% ao ano até 2026 e mudar o regime de meta no ano calendário para meta contínua a partir de 2025. Sem dúvida, uma vitória importante da autonomia do Banco Central”.
“A manutenção da meta para a inflação em 3,0%, ao contrário do que pretendia o presidente da República, teve forte efeito sobre as expectativas para a inflação em horizontes mais longos na pesquisa Focus desta 2ª feira. As expectativas para 2025 passaram de 3,80% para 3,60% e para 2026 saíram de 3,72% para 3,50%, ainda acima da meta de 3,0% ao ano, mas com tendência mais consistente em direção à meta”.
“Como a convergência destas expectativas em direção à meta de 3,0% é uma das pré-condições apontadas pelo Banco Central para iniciar o processo de queda da Selic, este movimento das expectativas, em conjunto com a Ata da reunião do Copom, levou grande parte dos investidores a antecipar o início da queda da Selic para o mês de agosto. O resultado foi aumento dos preços das ações e queda das taxas de juros longas. Apesar da melhora no sentimento, o real mostrou leve variação negativa frente ao dólar, devolvendo parte dos ganhos de 6ª feira”.
Na minha opinião, uma explicação simplista (e dentro da cartilha) que ignora as projeções mais calmas para os preços internacionais do petróleo, combustíveis e alimentos, com apostas de mudança de cenário no conflito Rússia x Ucrânia, após a rebelião do grupo Wagner enfraquecer Putin e valoriza demais a questão da ancoragem. Na verdade, o Banco Central se desancorou da realidade, mas algumas instituições seguem ancoradas no BC.
BC erra também na balança comercial
Outro erro monumental, reafirmado no RTI de Inflação divulgado pela Diretoria de Política Econômica de 29 de junho, diz respeito às projeções do Banco Central para a balança comercial. Depois de errar grosseiramente os dados de 2022 (o ano fechou com saldo de US$ 44 bilhões, bem menos que os US$ 52 bilhões previstos em dezembro de 2021, o BC elevou a projeção para US$ 83 bilhões). O erro foi de apenas 47% para menos!
Pois o saldo deste ano foi estimado inicialmente, em US$ 62 bilhões. Depois, foi reduzido, em 29 de junho, para apenas US$ 54 bilhões. Pois só no 1º semestre deste ano, o saldo atingiu US$ 45,5 bilhões.
O Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco está prevendo saldo de US$ 75 bilhões, 39% superior à projeção do BC. O Itaú espera US$ 70 bilhões, US$ 16 bilhões acima da “bola de cristal” do BC.
A indústria reage
Depois de fortes derrapagens até abril (queda de 0,6% no mês, com queda acumulada de 1% nos primeiros quatro meses) a indústria reagiu em maio com crescimento de 0,3% frente a abril, na série com ajuste sazonal. No acumulado dos primeiros cinco meses do ano, houve redução de 0,4% e, em 12 meses, variação nula (0,0%). A média móvel trimestral foi de 0,3%. O setor industrial se encontra 1,5% abaixo do patamar pré-pandemia (fevereiro de 2020) e 18,1% abaixo do nível recorde alcançado em maio de 2011.
A decomposição do comportamento mostrou que os setores imunes às taxas de juros do BC (e às vendas a crédito) puxaram o trem da indústria.
Segundo o IBGE, as principais influências positivas vieram de indústrias extrativas (+12,0% – pelo aumento na produção dos itens óleos brutos de petróleo e minérios de ferro, de manganês e de cobre, voltados à exportação.
A nova política de preços da Petrobras, com uso mais intenso das refinarias, gerou avanço de 7,1% na indústria de coque e produtos derivados do petróleo e biocombustíveis. Álcool etílico, óleo diesel, gasolina automotiva, gás liquefeito de petróleo (GLP) e óleos combustíveis tiveram aumento de produção.
Por fim a movimentação da supersafra na agroindústria gerou aumento de 5,8% em produtos alimentícios, liderados pelo açúcar VHP e cristal, processamento de carnes de suínos e de bovinos frescas ou refrigeradas, sucos concentrados de laranja, leite condensado, filés e outras carnes de peixes frescos, refrigerados ou congelados, carnes e miudezas de aves congeladas, rações e café torrado e moído. Boa parte para exportação.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)