Não haveria o terceiro mandato de Lula se o hacker de Araraquara não tivesse acessado — e divulgado — as mensagens que revelaram o conluio da Lava Jato
O hacker Walter Delgatti voltou a ser preso pelos crimes que lhe imputou o Ministério Público Federal, depois que foram reveladas ao mundo as mensagens trocadas entre procuradores da Lava Jato e destes com o então juiz Sergio Moro.
Delgatti não foi condenado, mas deixou de cumprir as medidas cautelares impostas pela 10a. Vara Federal de Brasília quando ele deixou a prisão, depois de cerca de um ano na carceragem da Polícia Federal e na Papuda.
Qualquer jurista ou observador atento sabe que as mensagens acessadas por Delgatti e divulgadas pelo Intercept, num primeiro momento, foram decisivas para mudar o cenário político e também nos tribunais, o que tornou permanência de Lula na cadeia insustentável.
A Vaza Jato deixou claro que o sistema de justiça em Curitiba era um conluio com objetivos políticos e de acumulação patrimonial.
“O Brasil deveria erguer uma estátua para o Delgatti, por revelar aquilo que nós sabíamos, mas não conseguíamos provar”, diz o criminalista Anderson Lopes, advogado que defendeu acusados pela Lava Jato desde o primeiro dia.
Entre os políticos e os militantes de esquerda, no entanto, Delgatti não tem o reconhecimento devido. Frise-se: Não haveria terceiro mandato de Lula se Delgatti não tivesse acessado as mensagens dos procuradores, que estavam arquivadas, em grande parte, nos arquivos digitais de Deltan Dallagnol no Telegram.
Malandro, criminoso, oportunista, interesseiro e por aí vai. Esses são alguns dos comentários que já li ou ouvi sobre Delgatti.
Os policiais federais que o investigaram me garantiram que o hacker não recebeu um único centavo para acessar os arquivos da Lava Jato nas nuvens.
E por que ele fez o que fez?
“Talvez por querer protagonismo. Os hackers têm essa disputa entre eles: buscar o reconhecimento na comunidade”, disse um policial.
Mas, até ser preso pela Polícia Federal, na operação Spoofing, Delgatti continuava desconhecido. Poucos amigos sabiam que ele tinha acessado, baixado e entregue as mensagens para o jornalista Glenn Greenwald.
“O Walter sempre foi assim: ele queria jogar no ventilador, ver a correria das pessoas”, disse Danilo Marques, amigo de infância, que também foi preso na Spoofing, embora não tenha cometido nenhum crime.
A prisão do hoje advogado Danilo, assim como de outras quatro pessoas, parece atender a uma estratégia de tratar o caso como o de associação criminosa. No mesmo sentido, até uma transferência bancária de baixo valor, entre Delgatti e Danilo, foi usada no inquérito para enquadrá-los por lavagem de dinheiro.
Difícil não desconfiar que, por trás dessa estratégia, estivesse Sergio Moro, então ministro da Justiça, em cujo guarda-chuva está a PF, e que foi desmascarado pelas mensagens.
Delgatti voltou à prisão por conta do que fez em 2019. Desde então, muita coisa mudou. Mas, para Delgatti, não. Prestou serviços aos bolsonaristas, que o admiram, mas nada que fizesse dele um jovem rico.
Bolsonaro, quando o recebeu durante mais de duas horas no Palácio do Alvorada, lhe teria agradecido por revelar quem era o “traíra” Moro.
Uma prova de que a vida de Delgatti não mudou muito é que o advogado que está, neste momento, tentando tirá-lo outra vez da prisão é o mesmo que o defende há mais de dez anos, quando foi acusado de tráfico, por supostamente vender remédios de tarja preta.
O advogado Ariovaldo Moreira conseguiu sua absolvição naquele processo. Desentenderam-se algumas vezes, mas Delgatti nunca deixou de vê-lo como amigo. Tanto que mantém uma foto dos dois juntos num mural em casa.
Ariovaldo sabe que o processo contra Delgatti tem uma série de vícios, a começar pela jurisdição. Por que Brasília, se Delgatti é de Araraquara e acessou os celulares de pessoas em Curitiba quando morava em Ribeirão Preto?
A resposta é simples: porque Moro, na época poderoso, quis.
O ministro Gilmar Mendes foi citado como possível patrocinador do trabalho de Delgatti numa delação sem pé nem cabeça, mas que integra o processo.
A referência a Gilmar Mendes foi excluída do processo num primeiro momento, num vídeo editado, o que é ilegal, mas, já que existe, o caso deveria ser levado para o Supremo Tribunal Federal. Por que não foi?
A 10a. Vara Federal de Brasília toca o caso há quatro anos, com uma espada sobre a cabeça de Delgatti.
Quando ele prestava serviços aos bolsonaristas, o processo não andou, nem ele foi preso, apesar de todos saberem que o hacker de Araraquara usava internet, mesmo proibido pela medida cautelar.
Usou a internet até no Ministério da Defesa, quando dava expediente lá, tentando encontrar argumentos para desacreditar a urna eletrônica, como queria Bolsonaro.
Agora, de volta à realidade de Araraquara, Delgatti foi preso. No futuro, quando os historiadores tentarem entender este nosso tempo, perguntarão por que Lula deu uma espetacular volta por cima.
Porque era inocente, claro. Mas como se provou a inocência dele? A virada começou quando as mensagens da Vaza Jato mostraram que criminosos eram os procuradores e o juiz.
E como o mundo tomou conhecimento dessas mensagens? Porque um hacker acessou seus arquivos nas nuvens?
E o que aconteceu com o hacker? Foi preso.
E quem o defendeu? Só seu amigo de sempre, o advogado Ariovaldo Moreira.
E o que a esquerda dizia sobre Delgatti?
“Malandro, criminoso, oportunista, interesseiro”.
Esse episódio do hacker diz muito sobre a esquerda brasileira e sobre nossos heróis.
Pode-se gostar ou não de Delgatti, mas ele é o Assange brasileiro. Torto, mas, como Assange, o hacker que foi decisivo para que pudéssemos contar a história como ela se deu.
JOAQUIM DE CARVALHO ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)