No Relatório Trimestral de Inflação, apresentado em 30 de março pelo diretor de Política Econômica, Diogo Guilllen, que desde então acumula a diretoria de Política Monetária, vaga desde a saída de Bruno Serra, em 24 de março, após seu mandato expirar em 28 de fevereiro, o Banco Central estaca prevendo que em dezembro a inflação acumulada em 12 meses estaria em 5,80%. Ontem, em apresentação para líderes do varejo, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, admitiu que a inflação pode fechar o ano em 4,50%.
Trata-se de um respeitável erro de 22,4%! Quanto custou isso ao país? Às famílias e às empresas que pagaram juros muito acima do necessário?
Antes de Campos Neto venha alegar que as expectativas da inflação estão cedendo devido ao rigor da política monetária (o Copom manteve a taxa Selic em 13,75% ao ano desde 3 de agosto do ano passado), vale lembrar que o ex-ministro da Economia, o ultra ortodoxo Paulo Guedes também não confiava na eficácia da política monetária para derrubar a inflação, que tinha atingido 12,13% no acumulado de 12 meses em abril do ano passado.
Vendo as chances de reeleição de Jair Bolsonaro se esvaírem, junto com a desaceleração da economia que a receita da ortodoxia monetária ia causar (com perda de tração no mercado de trabalho), Guedes rasgou a cartilha monetarista da Escola de Chicago, onde foi aluno de Milton Friedman, e decidiu intervir nos preços críticos da inflação, cortando temporariamente (até 31 de dezembro de 2022) impostos federais e estaduais (o ICMS) sobre combustíveis, em especial a gasolina, energia elétrica e comunicações.
Fez isso porque, com a alta dos preços destes bens, a forte arrecadação numa economia turbinada com antecipação do 13% do INSS ao 1º semestre, além do saque de até R$ 1 mil do FGTS, já tinha garantido superávit fiscal recorde. Tanto que usou a sobra de caixa para “comprar” eleitores com aumento do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e a instituição de mesadas de R$ 1 mil para caminhoneiros e taxistas. Mas, não adiantou: deu Lula.
A inflação que apontava para uma taxa de dois dígitos quando o BC resolveu agir, caiu para 5,79% em dezembro (e pelo 2º ano seguido o Banco Central não cumpriu com o teto da meta de inflação, que era de 5%). Para 2023, a meta é de 3,25% e o teto, chega a 4,75% com a tolerância de 1,50 ponto percentual para acima ou para baixo. Se der 4,50%, o BC não estoura a meta.
Copom precisa de novos ares
O mérito, porém, não será da política monetária que foi balizada em cima de premissas erradas. Ou dentro da lógica de um colegiado que era completamente regido pela ótica bolsonarista. Os membros do Copom consideraram que, como o corte dos impostos era temporário e iria até dezembro, o governo Lula faria a reoneração a partir de 1º de janeiro. Não o fez. Deixou para março e de forma escalonada, sem retorno às alíquotas anteriores. Isso evitou o tão temido repique da inflação, sempre em baixa no ano, graças ao impacto da colheita recorde de grãos nos preços dos alimentos. Pelo visto, só os membros do Copom não sabiam da supersafra.
De outra parte, aceitaram como eterna a política do PPI (paridade de preços internacionais) para a Petrobras reajustar combustíveis seguindo as cotações internacionais, atualizadas pelo câmbio. A Petrobras cumpriu a promessa de campanha do presidente Lula de “abrasileirar” os preços, com mais uso do petróleo nacional (extraído a menos de US$ 30 por barril, já considerando os encargos) e uso intenso da carga de suas refinarias (95% em maio).
Bola de cristal do BC falhou
Vejam as observações do RTI de 30 de março, primeiro justificando previsões furadas no 1º trimestre; depois com projeções furadas no 2º trimestre:
“A principal contribuição para a surpresa baixista foi o adiamento da reoneração de combustíveis (a projeção anterior considerava reoneração completa da gasolina e etanol em jan/23). Em sentido contrário, houve forte surpresa em emplacamento e licenças e não ocorreu queda do preço de eletricidade em decorrência da retirada de encargos de transmissão e distribuição da base de cálculo do ICMS; Os preços de alimentos “in natura” avançaram menos que o usual para o período; Serviços e bens industriais evoluíram relativamente em linha com a projeção para o trimestre.
Projeção – O cenário considera: i) que é mantida a majoração da base de cálculo do ICMS da energia elétrica; ii) que a gasolina tem alíquota de ICMS consistente com a classificação do produto como bem essencial; iii) e queda no preço da gasolina ao produtor, em linha com o recuo recente do preço internacional do petróleo; Além da sazonalidade favorável, cenário contempla gradual arrefecimento da inflação de bens industriais e serviços, mas a média dos núcleos ainda deve permanecer acima do patamar compatível com o limite superior do intervalo em torno da meta de inflação; A inflação acumulada em 12 meses deve voltar a subir no 3º trimestre, quando será retirada do cálculo a variação negativa do IPCA em igual período de 2022, decorrente das medidas de desoneração tributária”. [As projeções da Focus indicam que não ultrapassarão os 5,50% em setembro]. Campos Neto agora muda o discurso.
Ainda bem que a partir do mês que vem, com a provável aprovação dos nomes do atual secretário executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, para a diretoria de Política Monetária e de Aílton Santos, para a diretoria de Fiscalização, o Comitê de Política Monetária vai deixar de ter um pensamento único. A ortodoxia do antigo colegiado, formado no governo Bolsonaro, sob inspiração de Paulo Guedes, explica o tremendo erro das previsões do BC.
Copom não pode ignorar governo
O presidente Lula pode ter exagerado na retórica e em algumas palavras, mas estava politicamente correta sua crítica não à independência institucional do Banco Central ao Executivo, obtida pela Lei 179, em fevereiro de 2021, mas ao fato de que o presidente do Banco Central não podia se posicionar como um corpo estranho ao novo governo eleito.
Ao não se apresentar, institucionalmente, ao presidente da República e nem procurar um rápido entendimento para demarcação de áreas com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que toca a política fiscal e preside o Conselho Monetário Nacional, órgão máximo da política econômica, do qual fazem parte o BC e o Ministério do Planejamento, a cargo de Simone Tebet, Campos Neto passou ao governo eleito a impressão de que fosse um “bastião bolsonarista”.
É inadmissível que o órgão responsável pela política monetária não procure dialogar com o governo para entender, entre outros fatores, qual a política de reoneração para preços públicos críticos, que teria impacto na inflação de 2023, como tiveram (para baixo) na inflação de 2023.
Mais ainda, no alto de sua autossuficiência, o Banco Central errou redondamente sobre as próprias projeções do câmbio. O BC considerava em 30 de março o dólar a R$ 5,25. Isso levava em conta alta maior que os 5,25% dos “fed funds”, o piso dos juros nos Estados Unidos. Na defensiva, o BC manteve a Selic em 13,75%. Além de provocar alta de juro real, enquanto a inflação desaba, está valorizando o real com ingresso excessivo de aplicações especulativas no país, sobretudo de “off-shores” de brasileiros no exterior.
Isso prejudica o produtor que poderia ter maior renda na exportação da colheita recorde (o que geraria mais riqueza no país). O dólar foi cotado hoje a R$ 4,85, a menor cotação desde os R$ 4,78 de 3 de junho de 2022. O impacto disso é menos inflação. Pena que Galípolo e Aílton não serão sabatinados a tempo de participar da próxima reunião do Copom (20 e 21 de junho). Espera-se que o Copom faça um “mea-culpa” e já anuncie uma próxima baixa em agosto.
Planos de Saúde aliviam IPCA
O limite de reajuste em 9,63% para os planos de saúde em 9,63%, dixado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para os planos de saúde individuais e familiares regulamentados (contratados a partir de janeiro de 1999 ou adaptados à Lei nº 9.656/98), impactará, para baixo o IPCA entre junho de 2023 e abril de 2024. É mais um fator surpresa que fugiu às previsões do Banco Central e do mercado.
No ano passado, o reajuste autorizado a partir de maio, foi de 15,50%. Diluído em 12 meses gerava alta de 1,20% ao mês nos planos de saúde no item Saúde e Cuidados Pessoais, captado mensalmente pelo IBGE para medir as variações do Indice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, que capta as despesas das famílias com renda até 40 salários-mínimos – R$ 52.800).
Insuflados pelo “lobby” das operadoras, que destacavam o prejuízo operacional de 2022 (o reajuste de 15,59% só pegou 65% das mensalidades), mas omitiam o lucro final obtido dos altos rendimentos das aplicações financeiras, as expectativas do mercado financeiro estavam acima de 10% (a Genial Investimentos previa 10% a 11% e a LCA Consultores, em torno de 14%). Com números menores, todas as projeções de IPCA vão ser revistas para baixo.
Itaú prevê PIB de 2,3% e IPCA de 5,3%
Antes de avaliar o impacto do reajuste dos planos de saúde, o Departamento de Estudos Macroeconômicos do Itaú divulgou nesta 3ª feira, 13 de junho, sua revisão do cenário econômico de junho.
A inflação do IPCA foi revisada de 5,8% para 5,3%, para 2024, de 4,5% a 4,4%. O crescimento do PIB deste ano avançou de 1,4% para 2,3%, para 2024, de 1,0% para 1,5%. O dólar para dezembro, foi revisto para R$ 5,00, com R$ 5,15 em 2024.
O Itaú espera que “a redução das pressões inflacionárias e uma decisão prudente sobre o regime de metas para a inflação permitirão que o Copom antecipe o ciclo de flexibilização, com corte de 0,25 p.p., em setembro, dois cortes de 0,50 p.p., nas reuniões de novembro e dezembro, o que levaria a taxa Selic a 12,50% ao final de 2023. Para 2024, mantemos Selic de 10%, diante de uma desinflação lenta dos preços de serviços”.
Decisão de PIS e COFINS
Disputas judiciais sobre tributos mexem tanto com as finanças públicas, como nos balanços das companhias. O caso do Santander é exemplar.
A decisão do STF, que adotou como correta a incidência de PIS e COFINs sobre receita financeira, no período de 1998 a 2014 com base na lei 9.718/98, tendo o faturamento como fato gerador, pegou o Santander no contrapé. A filial brasileira do banco espanhol deveria pagar R$ 4,5 bilhões.
Aconselhado por advogados, o banco entendeu que a lei 12.973/2014 que modificou a lei de 1998, teria aberto a probabilidade de a incidência ser alterada para “possível” (não exigindo provisionamento). Como estava às voltas com perdas da Americanas (foi o único dos grandes credores a não fazer provisões em dezembro), o Santander realizou reversão de provisões de riscos fiscais no total de R$ 4,2 bilhões e usou o montante com provisões de crédito de liquidação duvidosa para reforço de balanço no montante da reversão.
Com a decisão do STF, terá que constituir novamente as provisões fiscais. Segundo a Febraban, seis dos 15 maiores bancos aderiram ao Programa de Recuperação Fiscal (sem discussão na Justiça), por isso não possuem os valores contingenciados: BB, Banrisul, CEF, Citibank, Safra e Votorantim.
Uma outra decisão, do Superior Tribunal de Justiça, deixou dúvidas sobre o valor a ser arrecadado com a tributação de IRPJ e CSLL sobre os benefícios fiscais do ICMS, que podem impactar os juros mais longos. O governo espera arrecadar algo em torno de R$ 90 bilhões, o que seria relevante para o cumprimento da meta de resultado primário em 2024.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)