A largada do feriadão de “Corpus Christi” foi marcada no Brasil por duas realidades bem distintas. Em São Paulo, o evento “Marcha para Jesus”, uma iniciativa de igrejas protestantes de Londres, em 1987, e apropriada no Brasil, em 1990, pela igreja evangélica do “apóstolo” Esteves Hernandez, que comanda com a mulher, a “bispa” Sônia. Trata-se de uma das mais ricas denominações religiosas do Brasil, com ramificações em Miami e outros países. Mas, como quase todas as outras, tenta fugir de pagamentos de impostos e contribuições sobre seus negócios não religiosos, rompeu o preceito constitucional de que “o Estado brasileiro é laico”, embora tenha maioria de profissão católica, para fazer proselitismo político.
No centro da capital paulista, maior cidade do Brasil, a festa serviu para o lançamento, prematuro, da candidatura do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) a presidente da República. Nem o presidente Lula nem o ex-presidente Jair Bolsonaro compareceram ao evento – no que fizeram muito bem: política não deve se misturar com religião. Mas o governador, que professa a fé católica, já percebeu que cativar o eleitorado evangélico, que é fiel à orientação dos pastores, bispos e “apóstolos”, garante a benção ao segundo turno de qualquer eleição.
Foi assim que o ex-ministro da Infraestrutura do governo Bolsonaro se cacifou para ganhar a eleição no maior colégio eleitoral do Brasil, se filiando ao Republicanos, que vem a ser o partido da Igreja Universal do Reino de Deus, do “bispo” Edir Macedo. Agora, num movimento prematuro, para cativar o eleitorado evangélico, o governador fez uma chicana à Constituição Federal e declarou a ”Marcha para Jesus” “bem imaterial do Estado de São Paulo”. O governador criou fama de ser um técnico bom administrador, mas demonstra o mais deslavado oportunismo político: Jesus é a maior figura da Humanidade. Só quem não reconhece a figura de Jesus na dimensão da Igreja Católica Apostólica Romana são os judeus e os discípulos de Maomé, o profeta de Alá.
Usar o nome de Jesus para atrair incautos para determinadas seitas religiosas é um problema de consciência de cada um. Dos líderes religiosos. E das ovelhas. Agora, tirar partido político e fazer demagogia política da figura de Jesus Cristo no dia de uma das mais emblemáticas festas de Igreja Católica é um absurdo. Jesus Cristo se insurgiu contra os mercadores do Templo e despertou a ira dos sacerdotes judeus. Pilatos lavou as mãos e o Jesus foi crucificado.
O calvário dos cariocas
É engraçado como a fama de administradores cola em alguns políticos. E faz escola, sobretudo em São Paulo. Adhemar de Barros criou tanta fama de administrador, realizador de obras. Tinha que realizar algo para desviar alguns. Acabou incorporando galhofeiramente o “slogan” – “rouba, mas faz”. É que alguns, caras de pau, apenas desviavam os recursos e não entregavam as obras prometidas. Paulo Salim Maluf, que, mal iniciava a vida empresarial, saltou para a vida pública e enriqueceu muito mais do que na Eucatex, também não se incomodava em ser comparado a Adhemar de Barros.
Pois Tarcisio de Freitas, um engenheiro militar, graduado no IME, fez fama de bom gestor ao atuar como interventor nomeado pela presidente Dilma Roussef para fazer uma “faxina” no DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes). Um dos principais órgãos do Ministério da Infraestrutura, o DNIT abarcou as atividades do velho e corrupto DNER (Departamento Nacional de Estradas e Rodagem), incluindo as ferrovias, o transporte aeroviário e o aquaviário, sob seu guarda-chuva. Há muito os engenheiros do DNER perderam a função de projetar alguma coisa. Estavam bem nas mãos das empreiteiras, com quadros bem mais ativos e atilados. Tarcísio de Freitas fez a “faxina” e se credenciou a ser ministro de Bolsonaro, considerado um dos mais operativos. Também, pudera: a função maior do ministério (dividido em dois no governo Lula, que criou a pasta dos Portos e Aeroportos, entregue ao ex—governador Márcio França) era fazer licitações. Algumas nada mais eram do que novas licitações de projetos entregues à iniciativa privada quando foi fazer a faxina no DNIT. As obras “fáceis” saíram logo; as complexas, que exigem muitas obras de arte (rodovias federais com túneis e viadutos) entraram na terceira rodada sem sucesso. Caso da BR que cortaria Minas para Vitória (ES).
No Rio de Janeiro, os cariocas viveram na quinta-feira mais um calvário na subida da Serra de Petrópolis. A duplicação da BR-40, que foi concedida à Concer no governo Fernando Henrique Cardoso, previa a duplicação. Mas os prazos foram sendo protelados. Há cerca de dez anos, enfim, o sonho de pista dupla sairia do papel. Mas a obra parou numa briga judicial em 2016. Imagina-se que o operoso ministro Tarcísio de Freitas, cujo ministério distribuía mensalmente “releases” para anunciar uma licitação que ocorreria em seis meses (e na reta final tinha um ou dois disputantes) tivesse operado para destravar o “imbróglio”, mediante efeito suspensivo com a entrega a outra empreiteira que concluísse uma obra tão aguardada por todos os que sobem a serra (a BR-40 teve nova licitação estendendo os domínios da concessão até Brasília). Mas não. Há anos o que já foi feito se deteriora.
E tanto a estrutura modorrenta do DNIT como a inoperante Concer não foram capazes de oferecer solução ao impasse criado pelo tombamento de um caminhão tanque de combustível na antiga subida da serra, que causou a morte do motorista e a destruição de vários carros, incendiados. Uma providência simples seria a adoção de mão dupla na pista de descida até a altura do Bingen. Mas ninguém pensou no usuário, naquele que paga um alto pedágio. Uma providência elementar, que seria a instalação de painéis com avisos na rodovia Washington Luiz, em Duque de Caxias, avisando a interrupção do tráfego, com a devida previsão do tempo para a reabertura do tráfego, também, há muito é ignorada. Houvesse esse aviso, o usuário poderia usar o caminho alternativo da BR-116, via Teresópolis-Além Paraíba (RJ). Mas isso seria obrigação do DNIT. A Concer não indicaria o uso da estrada concorrente no pedágio… Só depois de sete horas do acidente, a estrada foi reaberta (em meia pista), o que poderia ser feita seis horas antes na pista de descida, se houvesse algum respeito com o consumidor.
Os sites não tinham informação precisa. Eu ia com minha mulher, Márcia, e um casal amigo para a Fazenda Inglesa, na serra. Em vez de ir até Teresópolis, atravessar a cidade em dia movimentado e atravessar a serra para Itaipava, igualmente movimentada, optei pelo uso da velha estrada imperial de Petrópolis, cortando a Raiz da Serra, pitoresco recanto onde surgiu Mané Garrincha, que lá fazia vários adversários de “João” em pequenos campos à beira da estrada precária. Mas o suplício não parou aí. Uma obra extemporânea do Estado do Rio de Janeiro, executada por uma empreiteira, não foi interrompida no feriado, mesmo diante do fluxo inusitado na subida com calçamento de paralelepípedos. Nenhuma autoridade do estado governado por Cláudio Castro estava a postos para se inteirar da emergência e suspender os serviços. Uma retroescavadeira operava fechando a pista de descida e o fluxo ia, como diriia Gilberto Gil, em “Procissão” se “arrastando, feito cobra pelo chão”, numa demora muito além da conta, até desaguar no alto da Rua Teresa.
Falei em Gil e não é que o suplício da “Procissão” nos aguardava na Cidade Imperial… Alheio ao que se passava na subida da serra, a arquidiocese realizava a tradicional ”Procissão de Corpus Christi”, com interdição de várias ruas do centro para a passagem do Cortejo, a partir da imponente Catedral. Ao fim e ao cabo de cinco horas, chegamos ao destino, o que duraria pouco mais de uma hora se tudo estivesse nos conformes.
Racismo religioso
Na “Marcha de Jesus” ocorrida na última quinta-feira, seu organizador, o “apóstolo” Estevam Hernandez indagou à multidão se todos preferiam um Brasil ‘macumbeiro’ ou evangélico, numa inequívoca demonstração de preconceito religioso.
Foi um ato de racismo religioso, razão pela qual o deputado estadual (RJ) Átila Nunes Filho entrou com uma Representação no Ministério Público de SP, denunciando Hernandez por intolerância religiosa.
Adeus à Rosa Cass
Numa ida a Itaipava, sábado pela manhã, ao passar em frente à ruína da antiga fábrica do Café Solúvel Alpha/Dominium, falei com um amigo que se aposentou do BNDES do absurdo do impasse de mais um empreendimento de José Luiz Moreira de Souza. Meu amigo lembrou das fábricas dele que visitou no Nordeste, com financiamento do então BNDE. E eu falei dos almoços da Adecif, presidida por Zé Luiz, nos quais, semanalmente, o empresário chamava um ministro, um presidente ou diretor do Banco Central para forçar seus pleitos, perante a imprensa presente. Juro que pensei na hora em Rosa Cass e Randolpho de Souza, decanos do jornalismo econômico, que frequentavam a Adecif, junto com George Vidor, de O Globo. Eu, foca no JB, aprendi com a querida Rosa a não ficar intimidado diante de nenhuma autoridade.
Pois devia ser uma mensagem astral que me fez pensar na querida Rosinha. Ao chegar na casa do casal que nos hospeda, fui ligar o celular e me deparei com o aviso de Sônia Araripe de que a “menina Rosa” tinha partido aos 97 anos. Rosinha, seu querido Giba deve muito a você. Aprendi a ser irreverente contigo. E passei a admirar sua obra social, na qual você atuou até 97 anos. Descanse em paz, querida guerreira Rosinha.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)