Nossa série de reportagens mudou o Brasil. Novos desdobramentos mostram como Sergio Moro e Deltan Dallagnol seguem enroscados na Vaza Jato
“URGENTE: O SITE ESTÁ SOB ATAQUE. Estamos tentando descobrir como resolver isso.” O diretor de tecnologia do Intercept me enviou essa mensagem no final da tarde de um domingo. Há exatos quatro anos. Era uma suposição razoável, já que o site estava recebendo o volume de tráfego de uma semana a cada hora e aumentando rápido. Mas não era um hacker — pelo menos, não da maneira que ele pensava. Foi o lançamento da #VazaJato, nossa nova investigação. No turbilhão de atividades em preparação para a publicação das reportagens que mudariam o rumo da política no país, esquecemos de avisá-lo para se preparar para um tsunami de acessos.
A série caiu como uma bomba na República de Curitiba, que tão meticulosamente construiu sua lenda nos cinco anos anteriores — com muita ajuda de boa parte da mídia. Tudo sobre a Operação Lava Jato mudou a partir daquele fim de tarde de domingo. A investigação “anticorrupção” que envolveu seus tentáculos em torno de Brasília, o Judiciário e as principais indústrias pesadas do Brasil foi empurrada agora para o banco dos réus.
Após meses de sigilo, planejamento e pesquisa complexa, a equipe do Intercept estava eufórica. Mas a ansiedade não diminuiu com o início das publicações, pois sabíamos que um contra-ataque já estava sendo preparado e seria rasteiro e intenso. Nossa equipe foi ameaçada, caluniada, criminalizada, difamada e vilanizada em uma campanha coordenada e multifacetada de desinformação que incluiu membros da imprensa cuja reputação estava ligada à Lava Jato e teorias da conspiração fabricadas às pressas por anônimos para bagunçar, desacreditar e tirar o foco das revelações — em vão.
Bolsonaro chegou a fazer ameaças de prisão e, a certa altura mais tensa, nossas fontes em Brasília nos disseram que uma batida policial federal estava sendo preparada. Nos avisaram que devíamos nos preparar para o pior. Felizmente, a ordem nunca foi dada. Apesar de seus esforços, as evidências eram muito vastas e esmagadoras para serem descartadas pelo público.
A Vaza Jato ainda está viva, a Lava Jato está morta
A Vaza Jato ainda repercute no judiciário e na política nacional, mais viva do que nunca, quatro anos depois. Em uma das várias felizes coincidências dessa história, Deltan Dallagnol, procurador que coordenava a operação, teve seu mandato cassado na Câmara dos Deputados esta semana, poucos dias antes do aniversário da exposição de suas ilegalidades. Foram quatro anos difíceis para Deltan. Seu poder encolheu e sua reputação está em frangalhos.
Ele foi forçado a deixar seu cargo no Ministério Público Federal porque estava claro que pelo menos um dos processos disciplinares que pairavam acima de sua cabeça iria de fato alcançá-lo. Melhor sair antes que um veredicto pudesse ser emitido, tornando-o oficialmente ficha suja sob a Lei da Ficha Limpa, que durante anos foi base de seu palanque como um texto santificado da sua cruzada anticorrupção. Como deixou transparecer nos últimos anos, parece que Deltan não leu as letras miúdas da lei e hoje ele é um político ficha suja inelegível por oito anos. É parte de uma série de decisões judiciais importantes contra ele recentemente e provavelmente não é o fim de seus problemas legais.
Antes da Vaza Jato, Sergio Moro, o juiz que fez dobradinha com Deltan e sua equipe, conspirando ilegalmente, era considerado favorito à presidência em 2022. Após revelações contundentes, uma decisão do STF de que ele era um juiz parcial, uma passagem vergonhosa no governo Bolsonaro e uma campanha presidencial ainda mais embaraçosa, Moro agora é senador que é visto com desconfiança pelos colegas e regularmente esculachado no plenário. Mas ele tem dois casos pairando sobre sua cabeça que podem levá-lo a se juntar a Deltan na cassação. Seu crédito é tão baixo que seus colegas do judiciário paranaense chegaram a se pronunciar contra ele, afirmando que não era difamatório chamá-lo de “juiz corrupto”.
Novos detalhes de sua conduta rasteira continuam a surgir. Apesar de Moro se esforçar para evitar que sua fama seja ainda mais enlameada, o STF concedeu esta semana um salvo-conduto a Tacla Duran, o advogado que há tempos acusa Moro de estar no centro de um esquema de extorsão milionária, para que ele possa voar a Brasília pela primeira vez em anos, sem risco de prisão, para apresentar suas provas à Câmara.
A reviravolta mais dramática desencadeada pelas revelações da Vaza Jato é, sem dúvida, a anulação da condenação criminal do atual presidente, Lula, proferida por Moro. Veio junto a soltura e a disputa pela presidência. Lula, o político mais conhecido e popular do Brasil, só conseguiu derrotar Bolsonaro em uma eleição marcada por fraude e coerção de Bolsonaro e aliados por um fio de cabelo. É difícil imaginar outro candidato com força para vencer e evitar que o país mergulhasse ainda mais profundamente no autoritarismo militarizado.
O poder do jornalismo independente
A Lava Jato é indiscutivelmente um exemplo do poder do jornalismo para enganar e prejudicar a sociedade. Sem o apoio irrestrito dos principais meios de comunicação, os danos à sociedade teriam sido contidos, pois as evidências de má conduta eram evidentes desde o início para aqueles que prestavam muita atenção.
Já a Vaza Jato, ao contrário e em igual medida, é a prova da capacidade do jornalismo de instigar mudanças positivas na sociedade, informar o público e proteger a democracia. Imagine por um momento como seria o Brasil agora se a Vaza Jato não tivesse acontecido. Estaríamos em uma situação melhor ou pior?
Criamos o Intercept Brasil em agosto de 2016 justamente para nos juntarmos à luta por uma sociedade democrática melhor em um momento em que as instituições e a economia do Brasil eram tomadas por um tornado com Deltan e Moro no centro e o governo dos Estados Unidos, a mídia corporativa e políticos de direita (tanto de terno, quanto de toga) orbitando para protegê-los de qualquer detrito voador. Colocamos um capacete e pulamos de cabeça.
Além da Vaza Jato, o Intercept produziu dezenas de investigações ao longo de quase sete anos de existência que mudaram leis, desencadearam investigações, levaram a condenações, provocaram protestos, impediram abusos e informaram o público sobre violações de direitos flagrantes. Fazemos isso sem apoio corporativo ou publicidade para garantir que seremos sempre independentes e sem rabo preso. Nossa missão é criar impacto por meio do jornalismo e produzir investigações e análises originais que você não encontrará em nenhum outro lugar.
Nosso trabalho é financiado em grande parte por nossa comunidade de membros, composta por cidadãos comuns, que reconhecem o poder do jornalismo e a necessidade de cada um fazer sua parte. Cada um deles optou por contribuir voluntariamente, em média, com R$ 34,28 por mês para manter nossa redação forte e nossos repórteres na pista. Não temos donos nem investidores, então cada centavo vai para a nossa missão: um jornalismo destemido, de primeira classe.
Se você é um de nossos membros, muito obrigado! Se você ainda não é e quer garantir que o Intercept continue correndo atrás da próxima Vaza Jato e esteja preparado para enfrentá-la, a melhor forma de ajudar é se tornando um apoiador mensal. É seguro e fácil de se inscrever. Sua ajuda faz uma enorme diferença.
Relembre a Vaza Jato:
Leia a série de reportagens que sacudiu o Brasil
Ou
Conversa com o Oráculo da Vaza Jato, o bot de bate-papo de inteligência artificial que memorizou cada palavra da série.
ANDREY FISHMAN ” THE INTERCEPT” ( BRASIL)