Bolsonaro foi o incitador. Mas o chefe, o verdadeiro líder, o cara “com objetivos”, como disse Heleno na CPI, deveria ser um militar. Ele sabe que deveria
O golpe que derrubaria Lula teve manezinhos, manezões, terroristas, patriotas e até oficiais. Mas não teve a presença ostensiva de um general. E não existem golpes sem um general.
No depoimento à CPI do Golpe da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o general Augusto Heleno disse como funciona um golpe e admitiu que aquele do 8 de janeiro não tinha como funcionar.
Faltou o líder, o chefe, a voz de comando, disse Heleno. E o general acrescentou às categorias listadas lá no início desse texto a figura do pica-fumo, numa alusão aos soldados e outros subalternos sem relevância no quartel que picavam o fumo para o cigarro dos superiores.
O pica-fumo é o soldadinho sem condições de aspirar nada além de cumprir ordens e bajular os oficiais.
Pois o pica-fumo de Heleno equivale ao cabo e ao soldado, com ou sem jipe, do golpe imaginado por Eduardo Bolsonaro contra o Supremo.
O pica-fumo surge na CPI quando alguém perguntou como ele via as articulações sobre o golpe nas conversas vazadas entre o coronel Mauro Cid e o ex-major Ailton Barros.
Heleno disse:
“Isso é conversa de pica-fumo, típico de pica-fumo. O cara vai ali, fala um troço, não sei o que e morre ali”.
Não morreu ali porque Ailton Barros, que está preso por suspeita de envolvimento na fraude da vacina de Bolsonaro, acreditou que participaria de um golpe, e depois da posse de Lula.
Ele acreditou, o ministro do TCU Augusto Nardes acreditou. Também acreditaram que haveria um golpe Anderson Torres, mais o autor até agora misterioso da minuta do golpe e o coronel Elcio Franco.
Os mais de 1.400 que invadiram Brasília acreditavam no golpe, assim como os acampados em outros quartéis e os que bloquearam estradas. A Polícia Rodoviária Federal acreditou no golpe.
Heleno disse, logo depois de ouvir na CPI a reprodução de um telefonema de Nardes a um amigo, em que o ministro alerta sobre “um movimento muito forte nas casernas”, que aquela fala fazia parte de “narrativas fantasiosas”.
Eram exageros diante das manifestações normais dos acampados. “Movimentos pacíficos e ordeiros” ou uma “atitude política em locais sadios”, foi o que disse o general.
Mas a turma dos pica-fumos queria fazer mais do que oferecer fumo picado aos generais e acabou reunindo fanfarrões que acreditavam no blefe de Bolsonaro.
E então tudo só foi morrer naquele dia 8 de janeiro. Porque os líderes encobertos ficaram empurrando um para o outro, e faltou o grande chefe.
Bolsonaro estava nos Estados Unidos, Heleno disse que estava em casa e não sabia de nada, outros generais até agora não disseram onde se encontravam, e assim o golpe falhou.
Porque faltou um general, o chefe militar. Um só general, pelo menos. Até a Bolívia, na hora do motim da Polícia Nacional, em 2019, teve um general, um covarde chamado Williams Kaliman, que deu o golpe e fugiu.
Os manés, os patriotas, os terroristas e os pica-fumos não tiveram o suporte de um general. Um pica-fumo não existe sem comando. E eles passaram dias ouvindo recados de que agora vai, não desistam que no fim dará certo.
Mas na hora do ataque, nada de general. Até o mais idiota dos manezinhos presos em Brasília sabe que o chefe do golpe não seria Bolsonaro.
Bolsonaro foi o incitador. Mas o chefe, o verdadeiro líder, o cara “com objetivos”, como disse Heleno na CPI, deveria ser um militar. Ele sabe que deveria.
Mas esse militar, entre os tantos que estiveram ao lado de Bolsonaro até o fim do governo, não apareceu. E os invasores de Brasília acabaram presos.
Mauro Cid está preso, Anderson Torres esteve preso e todos os que depredaram o Planalto, o Supremo e o Congresso viraram réus.
Bolsonaro não poderia ter sido o chefe porque é covarde demais. E os generais sabiam que aquilo não iria dar certo e que nenhum deles tinha nem mesmo vigor físico para encarar um golpe.
Mas nem tudo morreu ali. O incitador do golpe, os que foram cúmplices da incitação, os grandes empresários que financiaram o gabinete do ódio, os que formaram grupos de tios do zap, todos os que tiveram protagonismo no golpe estão livres e impunes.
E os manés, os terroristas, os patriotas, os pica-fumos estão condenados a enfrentar inquéritos, processos e desgraças por muitos anos.
Porque faltou um chefe que pudesse executar, com método, o golpe incitado por Bolsonaro.
Faltou o chefe, como também faltou alguém com poder, com farda, que pudesse ter alertado: isso não vai dar certo.
O pica-fumo sabe que a coisa não morreu totalmente ali. Os generais que não apareceram também sabem.
MOISÉS MENDES ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)