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“O que aconteceu em Curitiba foi um zoológico humano”, dispara Eduardo Meira, ao denunciar o que sofreu na Lava Jato
Na manhã de 24 de maio de 2016, a operação Lava Jato deflagrou sua 30ª fase, denominada Vício. Um dos alvos era a Construtora Credencial, que prestava consultoria a empresas fornecedoras de tubos à Petrobras. Segundo as investigações conduzidas pelos procuradores então liderados por Deltan Dallagnol, a Credencial era uma empresa de fachada e intermediava pagamento de propina em dois contratos com a estatal, beneficiando José Dirceu.
À época foram cumpridos dois mandados de prisão preventiva contra os sócios da Credencial, Eduardo Aparecido de Meira e Flávio Henrique de Oliveira Macedo. Sete anos depois, Meira conta com exclusividade ao GGN os bastidores dos 288 dias em que ficou detido no Paraná, sofrendo e assistindo pressão indevida para que os réus fizessem delações seguindo o script da Lava Jato.
Curitiba, o lugar “onde a Justiça é feita”
Meira foi preso em maio de 2016, em um dos seus endereços na cidade de Sumaré, interior de São Paulo. Ele foi levado para a sede da Polícia Federal (PF), em Curitiba, conhecida como o QG da Lava Jato.
“Nunca vou esquecer da minha ida para lá. Eu fui atrás [no carro], a delegada do meu lado com uma arma apontada para mim, calibre .45. Quando passou a placa da fronteira com São Paulo, essa delegada, uma loira de olho azul, eu não sei o nome dela, olhou e falou para os outros dois [policiais]: ‘ainda bem que nós chegamos em Curitiba, lugar onde a Justiça é feita. Foi a única palavra que eles trocaram durante uma viagem inteira“, conta Meira.
Fora do seu estado de origem e sem audiência de custódia, Meira ficou preso preventivamente por 288 dias. Em março de 2017 foi julgado em primeira instância e cumpriu 126 dias de remissão.
Já em outubro de 2017, a STF considerou ilegal e desnecessária a prisão preventiva de Meira, ao conceder Habeas Corpus. Contrários ao relator do caso, o ministro Edson Fachin, os decanos Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes lembraram do princípio constitucional da presunção da inocência na decisão.
Entre 67 dias na estrutura carcerária da superintendência da PF de Curitiba e os demais dias no Complexo Médico Penal do Paraná (CMP), Meira assistiu e foi vítima de diversas ações de tortura psicológica que tinham um claro objetivo, segundo ele: o acordo de delação premiada.
“Quando eu estava na carceragem da Polícia Federal, eu podia observar. Nós ficávamos no 1º andar. No 2ºandar tinha uma sala especial para o jornalista Fausto Macedo, do Estado de S. Paulo. Ele sabia tudo antes de todo mundo. Aí a pessoa subia para fazer delação, depois que chorava todas as lágrimas que tinha, não aguentava a pressão familiar, com dias, semanas , meses passando [sem perspectiva de sair se não delatar]”, explica o empresário.
– Eduardo Meira, preso na 30ª fase da Lava Jato
Sob pressão, o preso assinava roteiros com versões pré-estabelecidas pela própria força-tarefa.
“Depois eles [da força-tarefa] entregava à pessoa uma folha e falavam: pensa nesses nomes aqui também e se você lembrar [de algo], nós chamamos você de novo. A pessoa descia [para a cela] totalmente desestruturada e chorando. Deixavam essa pessoa lá duas ou três semanas e subiam de volta, aí já com um relatório pronto e a pessoa só assinava, entendeu?“, relembrou.
Quem aceitava o acordo de delação proposto pela força-tarefa, recebia “regalias” em comparação aos demais presos.
“Se fizer delação, você vai para a ala VIP da carceragem da PF, onde tem geladeira, micro-ondas, tudo. Você não vai fazer delação? Então você fica na área mais pesada. É assim, apesar de não ter nada a reclamar [do ambiente]“.
– Eduardo Meira, preso na 30ª fase da Lava Jato
Palocci delatou para não matar o amigo na prisão
Um dos casos mais chocantes, cujos bastidores são revelados por Eduardo Meira, envolve a delação do ex-ministro Antonio Palocci, uma das mais importantes da Lava Jato, usada em condenações do ex-presidente Lula.
A delação de Palocci foi obtida também por meio de pressão psicológica, de acordo com Meira, que compartilhou a cela com o sócio de amigo do ex-ministro, Branislav Kontic, que também foi preso preventivamente por Sergio Moro.
“O Palocci fez delação em cima da tortura do sócio. Na verdade, o meu caso é muito sério, mas é importante entender que o que mudou a história da nossa República e toda a catástrofe que a gente sabe, foi a delação do Palocci. E por que o Palocci fez aquela delação, naquela hora e daquela forma? Porque o sócio dele tentou o suicídio dentro da PF“, lembrou Meira.
A tentativa de suicídio de Branislav, à época, foi divulgada na grande mídia. Mesmo com o episódio, os procuradores de Curitiba insistiram em mantê-lo preso, enquanto a defesa apontava necessidade de transferência para prisão domiliciar.
“Então o [Palocci] estava sob pressão da mulher do Branislav e da esposa dele. E ele tinha a escolha dele: matar um amigo ou delatar um ex-presidente. Eu sei disso porque o Branislav ficou na cadeia comigo, na minha cela, quando saiu do hospital. Tiraram 62 comprimidos de Zolpidem do estômago dele. Ele desmaiou. Levaram ele para o hospital. Ficou 10 dias e depois ele foi para o CMP [complexo médico penal], para a minha cela“, pontuou.
“A tortura na Lava Jato, ela não foi só psicológica. Nesse caso concreto, ela foi física“, disparou Meira.
Irmão do procurador Diogo Castor pressiona por delação
Os conflitos ilegais envolvendo a prisão preventiva de Meira – desnecessária, pois se deu em 2016, sob alegação de que era preciso investigar fatos de 2012 – e a pressão para um acordo de cooperação, foram atravessados, ainda, por outro ingrediente conhecido na Lava Jato: a indústria da delação.
Quando foi preso e levado para Curitiba, Meira dispunha de advogados em São Paulo. Estes defensores, segundo o relato de Meira ao GGN, trouxeram para a defesa o advogado Rodrigo Castor de Mattos e a irmã Analice Castor de Mattos, sob a justificava que “eram especialistas em Sérgio Moro“.
Meira afirmou que só descobriu que Rodrigo Castor de Mattos era irmão do procurador Diogo Castor de Mattos, da Lava Jato, quando saiu da cadeia. Ali, ele percebeu que, na prática, “não teve defesa“.
“Em setembro de 2016, um advogado chegou acompanhado do sócio no parlatório da Polícia Federal. O nome desse advogado é Rodrigo Castor de Mattos. O que estava acompanhando, o sócio dele, era Juliano Campelo Prestes. Eles vieram me propor que eu fizesse delação, se não… eu não saia de lá! Essa era a pressão total psicológica, uma tortura configurada, porque é bem diferente de uma pessoa que tem uma condenação e sabe a data que vai sair da prisão, mas preso preventivamente não sabia quando sairia. Quando me propuseram [ a delação], eu comecei gritar, não conhecia eles, e se apresentaram como meus advogados“, relatou Meira.
Mesmo sem concordar com a proposta de delação, Meira continuou sendo representado por Rodrigo Castor de Mattos e outros advogados paulistas em recursos no TRF-4, pelo menos. Dois advogados foram procurados pelo GGN, mas um deles pediu para que seus nomes não fossem divulgados, e ambos se recusaram a comentar a sociedade com Rodrigo Castor de Mattos e o fato de que ele é irmão de um procurador que acusava seu cliente.
Após perceber o conflito de interesses, situação que já ocorreu em outros casos da Lava Jato, Meira, por meio do advogado Túlio Bandeira, protocolou uma representação na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que sugere que, “além da infração ética”, Rodrigo Castor de Mattos “poderia incorrer também em crime de patrocínio infiel“.
Reclamação ao Supremo
Atualmente, a defesa de Eduardo Meira tenta derrubar sua condenação no Supremo Tribunal Federal, no âmbito da Reclamação 43007, onde as mensagens da Operação Spoofing foram cedidas à defesa de Lula e usadas para anular outras ações penais.
Meira pede acesso às mensagens da Vaza Jato ao Supremo, alegando que os diálogos de Telegram guardam evidências de que o procurador Diogo Castor de Mattos fora destacado por Deltan Dallagnol para cuidar da denúncia envolvendo a empresa Credencial. O conflito de interesse seria gritante, já que o advogado de Meira era o irmão de Diogo Castor.
“Quando eu saí da cadeia, fiquei lendo tudo o que aconteceu na Lava Jato. Em uma noite, encontrei um texto. O procurador Deltan Dallagnol está designando as funções para os procuradores. No final deste parágrafo, lá embaixo, escrito em meia linha que foi cortada, está: Diogo assumiu Credencial – que era minha empresa. Tinham dois irmãos: um me defendendo e outro me atacando“, apontou.
Não posso morrer antes de falar a verdade
Ao longo de 1 hora e 20 minutos de entrevista, Eduardo Meira fez longos desabafos sobre a situação vivida com a prisão e após ela. O empresário, que teve problemas de saúde relacionados ao coração no ano passado, afirma que não poderia deixar de contar sua versão dos fatos.
“Minha preocupação maior é morrer e não falar a verdade. O que aconteceu em Curitiba foi um zoológico humano“.
Ele usou a expressão “zoológico” ao lembrar de como os presos da operação se sentiram quando Sergio Moro autorizou que atores globais visitassem suas celas, fazendo perguntas invasivas, com o intuito de desenvolver as personagens que apareceram no filme Polícia Federal: A Lei é Para Todos – uma ode à Lava Jato.
“Lá a gente tinha medo até com a segurança da nossa família. A gente só queria um lanche com a família. Nós ficamos numa situação onde a comida era digna, o ambiente era digno, mas a tortura psicológica existia, porque você não sabia o que ia acontecer com você, entendeu?“, finalizou.
ANA GABRIELA SALES ” JORNAL GGN” ( BRASIL)