Caro leitor, não sei se você está desencantado como eu do jornalismo e da cobertura da Política no Brasil. Com 51 anos de profissão, posso dizer que estou triste com o rumo de ambas. O jornalismo online, no rádio e na TV, trocou a profundidade das reportagens bem apuradas, que exige dias de pesquisa e a mobilização de equipes, pelo jornalismo B.O. Isso mesmo. O jornalismo “Boletim de Ocorrência”, com proliferação de fatos que saem dos registros de ocorrências nas delegacias. Isso é notícia. Mas, o que interessa saber no carro ou em casa (em São Paulo ou no Rio) que houve um assassinato em Manaus ou Recife? Se não for um personagem nacional, nada muda em nossas vidas. Trata-se de um jornalismo fácil, tipo Datena em estúdio, um plantão de notícias apurando fatos da hora, um helicóptero sobrevoando São Paulo (sempre haverá dezenas de quilômetros de engarrafamento, um acidente de trânsito, um incêndio ou ainda uma perseguição policial). Enquanto isso, as causas da má qualidade da saúde, da educação e da pobreza não serão analisadas.
Pior é que o noticiário da Política resvala sempre para o disse-me-disse ou a fofoca. Lembro do saudoso Paulo Henrique Amorim, quando veio a ser editor de Economia no JORNAL DO BRASIL, em 1977. Ele queria que deixássemos de lado o jornalismo declaratório (fulano disse) e tentássemos escrever sobre Economia para a “minha tia do Grajaú” entender. Ele nunca teve tia no Grajaú, que me lembre. Quando virou chefe de redação e depois editor geral do JB, do final de 1981 a 1983, PHA mobilizou a redação, que estava desmotivada, para as grandes reportagens. A cobertura do atentado do Riocentro, em 30 de abril de 1981, foi o ponto da virada. A preparação para a cobertura das eleições diretas para governador em 1982 permitiu que o JB, a partir dos números apurados pela Rádio JB AM, abortasse e denunciasse a fraude da Proconsult, pois os números da Rádio JB estavam batendo perfeitamente com as pesquisas eleitorais encomendadas previamente ao Instituto Gallup.
Nos dias de hoje, damos mais importância às picuinhas do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) do que aos grandes temas em discussão. Esse tipo de jornalismo facilita aos governantes que estão em situações embaraçosas e ameaçados de nocaute como um pugilista no “corner”, sair da enrascada ao soar do gongo. No caso, uma notícia diversionista para desviar o foco da mídia. Trump cansou de explorar os “fatos alternativos” para desviar a atenção (sempre havia uma Fox disposta a seguir suas “fake news” (a brincadeira ficou cara (custou US$ 778 milhões, quando o grupo Murdoch perdeu ação de danos morais para a Dominion, fabricante de urnas eletrônicas nos Estados Unidos). No Brasil, Bolsonaro e apoiadores exploraram a mesma senda. Alguns estão pagando multas na Justiça, por danos morais. Outros estão com sob fogo cruzado de diversas investigações de Alexandre Moraes.
Olhando o mundo via G-7
Para sair um pouco da órbita paroquial, convido o leitor a meditar sobre a visão planetária oferecida por artigo de Jared Cohen, presidente de Assuntos Globais e codiretor do Escritório de Inovação Aplicada da Goldman Sachs, um dos maiores bancos de investimento do mundo, com sede nos Estados Unidos. O artigo publicado esta semana trata exatamente do que está sendo discutido de sexta a este domingo em Hiroshima (Japão), na Cúpula do G7-2023. Na Cúpula, os sete países economicamente mais fortes do mundo (exceto a China, não convidada) buscaram a união contra a Rússia, pela invasão à Ucrânia. Os países periféricos, entre os quais despontam a Índia e o Brasil, mostraram o outro lado da moeda: o agravamento da insegurança alimentar no mundo, em consequência do conflito, motivo pelo qual defendem o caminho da Paz. No mundo bipolar, que gravita na órbita geopolítica dos EUA e da China, Jared Cohen estabeleceu quatro categorias (às vezes superpostas) de nações influentes que “são os Estados indecisos geopolíticos do século XXI”:
Países com vantagem competitiva em um aspecto crítico das cadeias de suprimentos globais (cita neste caso, Brasil, Índia e China);- Países adequados exclusivamente para “nearshoring”, “offshoring” ou “friendshoring” (Vietnam, na órbita da China, México, Canadá e países da América Central e Caribe, com acordos de livre comércio com os EUA);
- Países com uma quantidade desproporcional de capital e vontade de implantá-lo em todo o mundo (na lista estão os grandes produtores de petróleo do Golfo Pérsico e ainda Noruega e Cingapura); [Só os países árabes produtores de petróleo devem aumentar suas reservas cambiais, até 2026, dos atuais US$ 2,7 trilhões para US$ 3,5 trilhões – e o Brasil vendeu, a baixo preço, a refinaria Landulfo Alves (BA) para o fundo Mubadala dos Emirados Árabes Unidos, no governo Bolsonaro, sem exigir compromissos de investimentos. No retorno de sua viagem à China, o presidente Lula fez escala em Abu Dhabi. Lá, obteve o compromisso dos EAU de realizar forte ampliação dos aportes na refinaria, incluindo o aumento da produção de óleo diesel (o combustível de maior consumo no país), com a construção de unidades para o aproveitamento de óleos da soja e do caroço de algodão colhidos no Oeste da Bahia, e sua transformação em “diesel vegetal”, que entra com percentagem de 12% no diesel. É só uma amostra de quanto as parcerias podem render em benefício do desenvolvimento sustentável do Brasil];
- Países com economias desenvolvidas e líderes com visões globais que perseguem dentro de certas restrições (casos da Alemanha, França e Coreia do Sul, além do anfitrião, Japão).
Tudo é geopolítica
Para o pesquisador da Goldman Sachs, os acontecimentos da década de 2020, com pandemia global e a guerra da Rússia contra a Ucrânia e o aumento da competição EUA-China, deixaram claro que a velha era da globalização acabou. “Tudo agora é geopolítica”. E o presidente Lula está sabendo que a palavra de ordem para os países que querem exercer papel importante no xadrez mundial passa por se tornarem “mais assertivos no uso de suas vantagens econômicas para reforçar sua posição e influência. Eles são mais exigentes, flexíveis, dinâmicos e estratégicos do que poderiam ter sido no século XX, quaisquer que sejam seus interesses compartilhados com uma ou outra grande potência. E eles frequentemente escolherão multi-alinhamento”. Sublinha Cohen. Dá para se perceber o esforço de Lula, após quatro anos de isolamento do Brasil de Jair Bolsonaro, de usar o poder ambiental e de grande produtor de alimentos, minerais e petróleo do Brasil para ampliar sua influência junto ao maior número de parceiros. A bandeira branca da Paz ajuda muito.
À frente do palco, Cohen identifica que “os Estados Unidos estão se inclinando mais para seu “status” de detentores da moeda de reserva mundial, usando o dólar e sistemas de pagamento relacionados para sancionar adversários e concorrentes. A China está alavancando a dependência de sua posição nas cadeias de suprimentos. E a Rússia (distante do poder da dupla, mas com mais apetite por riscos – tem usado energia para intimidar e coagir vizinhos e limitar o apoio global à Ucrânia”. Cohen considera que “não há país ou organização multilateral que tenha capacidade de arbitrar essas tensões”. Lula discorda. E está se preparando para assumir a presidência do G20 (o grupo das 20 maiores economias do mundo) em dezembro, para defender novas posições.
Segundo Cohen, a Índia, atual líder do G20, “destaca-se como o exemplo paradigmático de um país com um papel geopolítico complexo e influente. A Índia já superou a China como o país mais populoso do mundo (1,420 bilhão de habitantes), caracterizado por predominância de jovens. Seu PIB ainda é um sexto do da China, mas com as políticas de industrialização e infraestrutura corretas, sua economia pode dobrar de tamanho até 2030, tornando a 3ª maior do Planeta (à frente da Alemanha e Japão). No seu pragmatismo, a Índia se envolve com autocracias como a Rússia, que fornece petróleo para a Índia refinar e revender derivados à Europa e à Ásia. A pequena Cingapura foi excluída da Cúpula para a Democracia do Departamento de Estado dos EUA e continua profundamente ligada à China, mas juntou-se aos países que impõem sanções financeiras à Rússia por invadir a Ucrânia. O Vietnã é um parceiro crítico dos EUA na ASEAN, mas a China é seu principal destino comercial. Os gigantes da energia do Golfo estão navegando em um ato de equilíbrio delicado como parceiros-chave da China, Rússia e EUA.
Vantagens comparativas do Brasil
Com o rompimento das cadeias globais de suprimentos, os países que podem comandar o controle de componentes críticos das cadeias de suprimentos mundiais têm vantagens econômicas significativas. Além da Índia, que está tentando ampliar sua cooperação com a Austrália, o Goldman Sachs (que foi o responsável, no começo do século a criar a sigla BRICS, envolvendo as economias emergentes de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) aponta pequenos países com indústrias avançadas de semicondutores, como Taiwan, fabricante dos semicondutores mais avançados do mundo, e a Holanda, com empresas como a ASML, também exercem influência descomunal.
No caso do Brasil, Cohen diz que as vantagens na cadeia de suprimentos não são apenas sobre fabricação. “A maior economia da América Latina, lidera em commodities e agricultura e está crescendo em seu setor de serviços”. Mas ele aponta pontos críticos no xadrez mundial. Como a indústria têxtil de Bangladesh, a grande supridora de grande parte da indústria de moda rápida do mundo. Marrocos, ponte crítica entre os mundos árabe e africano, exerce papel estratégico para a agricultura mundial, por deter 70% das reservas mundiais de fosfato. Se os EUA e seus aliados e parceiros conseguirem, como pretendem, “interromper o domínio da China nas cadeias críticas de suprimentos, incluindo terras raras, países como Austrália, Canadá, Suécia e Japão se tornarão mais importantes. A Indonésia, como membro do G-20, se beneficiará por abrigar 22% das reservas mundiais de níquel, emergindo como um centro de minerais críticos vitais à produção de veículos elétricos. O mesmo acontece com o Chile, que possui 26% das reservas mundiais de lítio (a crise política do governo Boric tem importância muito além dos Andes).
A presença de recursos naturais críticos nem sempre é suficiente para tornar em país um Estado geopolítico indeciso. A guerra na República Democrática do Congo (RDC) se explica por ser o país dono dos “maiores depósitos de cobalto” do mundo, um componente vital de tudo, de veículos elétricos a baterias”. Empresas chinesas se posicionaram para se beneficiar ao extrair as produtivas reservas de cobalto do país, alerta Cohen.
O caso da Guiana
O pesquisador aborda ainda a posição estratégica da Guiana, país jamais visitado por “qualquer presidente americano”. Ele destaca que “a pequena nação sul-americana descobriu recentemente reservas de petróleo comercialmente recuperáveis de até 11 bilhões de barris, posicionando-se como um “player” global nos mercados de energia, elevando o padrão de vida do povo guianense e oferecendo-lhe potencial futuro para um dia se tornar o próximo Estado de inflexão geopolítica em um momento crítico”. Ele lembrou que, no auge da crise causada pela invasão da Ucrânia pela Rússia, o presidente Biden chegou a negociar com a vizinha Venezuela”, mas aponta que a Guiana poderia atrair investimentos para se tornar um participante nos mercados globais de energia, se puder implementar de forma transparente uma estrutura de política sólida sobre como as receitas serão gastas.
A plataforma continental da região parece ser a extensão do “mar de petróleo” que faz a Venezuela ter as maiores reservas de petróleo do mundo. O potencial foi dilapidado pelo governo Hugo Chaves, hostil às empresas estrangeiras que exploravam predatoriamente a riqueza local. Mas, sem a tecnologia das “majors”, a Venezuela, que produzia no fim do século passado mais de 3 milhões de barris/dia, viu a produção minguar a menos da metade, levando à profunda crise econômico-social do isolamento político do governo de Nicolás Maduro. Embora a Petrobras seja estatal, como a PDVSA, não há comparação entre as duas empresas. A jornada da Petrobras em águas profundas, desde a primeira descoberta na Bacia de Campos, em agosto de 1974, a tornou uma das companhias mais respeitadas em termos de avanço de tecnologia, como atestam os sucessivos prêmios na OTC (a maior feira mundial de tecnologia do petróleo que ocorre anualmente em Houston, no Texas (EUA). É com essas credenciais – e o histórico de raros acidentes de vazamento de óleo em quase meio século de E&P na plataforma submarina brasileira (os lamentáveis de vazamentos, como na Baía de Guanabara e em São Sebastião (SP), o maior terminal de petróleo do país, ocorreram no descarregamento de óleo para os dutos) – que a Petrobras se habilitou, em 2020, no governo Bolsonaro, sob a gestão de Roberto Castelo Branco, a explorar a margem equatorial da plataforma marítima do Amapá. Há três anos, a estatal investiu pesadamente em infraestrutura (porto e aeroporto) e instalações de apoio. Mas o parecer do Ibama brecou as atividades.
O Fla X Flu ecológico
O assunto virou um Fla X Flu, com os ambientalistas recorrendo aos acidentes no passado. O primeiro foi o desastre provocado pela colisão do Exxon Valdez com um iceberg no Alasca, em março de 1989. O mais recente (2010) e trágico acidente na exploração de águas profundas foi no Golfo do México, quando a plataforma Deep Horizon, da inglesa BP, explodiu e vazou 5 milhões de barris de óleo ao longo de 87 dias, até que o poço fosse vedado. As consequências da fauna e flora marinha são alegadas como precaução para o Ibama exigir mais detalhamento do projeto pela Petrobras. De lá para cá a tecnologia avançou muito. No Brasil, o maior desastre foi o afundamento da P-36, no Campo de Roncador, na Bacia de Campos, em 2021, após três explosões que causaram a morte de 11 funcionários da Petrobras. Os controles e as tecnologias avançaram muito desde então, e os revezes ficaram raros.
O presidente Lula fez da preservação responsável da Amazônia um dos compromissos do seu governo. Por isso, retomou a confiança das nações europeias e dos Estados Unidos para doações que ajudem o Brasil a arcar com pesados custos de manter áreas imensas do Planeta imunes à exploração predatória. Terá de ser o árbitro entre as posições do Ministério do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas, comandada por Marina Silva, e do qual o Ibama é importante agência operacional, e o Ministério das Minas e Energia, comandado por Alexandre Silveira, que tem na berlinda a Petrobras, dirigida desde fevereiro, pelo ex-senador (PT-RN) Jean Paul Prates. Especialista em petróleo e energias alternativas (implantou o maior parque eólico do país no Rio Grande do Norte), Prates está empenhado na transição energética da Petrobras, tarefa descuidada nos quatros anos do governo passado.
Diante das urgências climáticas, com as ameaças de aquecimento global elevarem as águas dos mares, pelo derretimento das geleiras nos polos e nas mais altas montanhas do Planeta, o mundo caminha para substituir os combustíveis fósseis (carvão e petróleo). A Europa já decretou que os veículos movidos a motores a combustão deixarão de circular em 2035. Até lá, os carros elétricos, ou híbridos, vão dominar as ruas, inclusive no transporte de passageiros e mercadorias, por ônibus e caminhões, quem sabe movidos a “hidrogênio verde”, o combustível do futuro. Há um longo período de transição, no qual a Petrobras vai estar empenhada na descarbonização das atividades de exploração e produção. A Bacia de Campos está passando por uma espécie de “retrofit”, termo do mercado imobiliário para a “repaginação de um prédio antigo, com adoção de práticas modernas do “green building”. A reinjeção de gás (que sai junto com o petróleo) nos poços das bacias de Campos e Santos (esta favorecida pelas gigantescas ocorrências de óleo e gás do pré-sal – existente também abaixo do pós-sal de Campos) e a utilização de plataformas desativas para gerar energia eólica no mar são parte do esforço.
O fato é que as descobertas de novas reservas vão postergando a finitude do petróleo e do gás (um combustível bem menos predador ao meio ambiente). Há 50 anos, quando ocorreu a 1ª grande crise do petróleo, os países árabes se valeram das previsões de que o petróleo se esgotaria em 30 anos para fazer do combustível uma arma política contra os países ricos, e particularmente contra Israel, triplicando os preços. Esses prazos de 30 anos foram dilatados à medida em que novas tecnologias levaram a grandes descobertas em águas profundas, como na Bacia de Santos ou no Oriente Médio, Irã e Rússia e seus antigos satélites. A Margem Equatorial parece ser uma nova fronteira.
O dilema que se coloca diante da decisão do presidente Lula é complexo e injusto. O Brasil precisa crescer com responsabilidade para saciar as demandas sociais da população; Quem mais poluiu o mundo há três séculos foram as nações ricas da Europa e os Estados Unidos, com a destruição de florestas e fauna, e pelo aquecimento provocado pelo uso intenso do carvão e do petróleo. O tráfego aéreo, concentrado no Hemisfério Norte, é um dos grandes vilões do aquecimento global. As cúpulas do Clima levaram à consciência coletiva da preservação do Planeta Terra. Entretanto, para preservar a Floresta Amazônica ou manter riquezas no subsolo, os países em desenvolvimento devem ser recompensados e devidamente remunerados pelos grandes responsáveis pelos desastres causados pelo progresso deletério de suas economias.
GILBERTO MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)