Oi, Miguel,
você quase me matou com seu novo trabalho, sabia? Ele tem melodias com intervalos sinuosos, lembrando Guinga, harmonias com expressões de qualidades jobinianas… está tudo lá em Ciclo de Poder (Acari Records), seu quarto álbum… que talento é esse, véio?
Ao ouvi-las de você, violonista, cantor e compositor das onze canções inéditas agora gravadas, feitas em parceria com o bom letrista Roberto Didio, transparece que elas são uma bem-vinda lufada de vento novo em nosso cancioneiro popular.
Com ares de “Marta Saré”, do Edu Lobo, a tampa abre com “Ciclo de Poder”. Seu violão, a guitarra de Pedro Franco e a percussão de Marcus Thadeu trazem à tona o primeiro impacto causado por sua criatividade. O coro misto faz valer a força do cantar uníssono. A guitarra improvisa. O violão mantém a harmonia. Sua voz grave soa mais como a de um compositor que canta do que propriamente a de um cantor de ofício, mas é perfeita para mostrar as músicas e os versos de Didio.
Em “Mal Estar”, seu violão e o piano de Breno Ruiz iniciam. Breno canta bem bonito. A melodia, quando menos se espera, faz que vai por ali, mas vai por cá, por onde nem se suspeita que poderia ir. Mas vai e vem na certeza de pôr-nos diante de uma obra que tem tudo de prima, irmã, do que se percebe no talento dos nossos grandes compositores de ontem e de hoje… e você é um deles, Miguel!
“Outra Manhã de Carnaval” é o terceiro movimento da “Quadrilogia Rio-Brasil”. Seu violão e seus vocalizes iniciam ao ritmo de um tamborim que se destaca da percussão. A consciência cidadã desponta na letra bem-feita de Didio. Sérgio Santos dá sua voz à melodia que ele desfila com o carinho e o respeito de um mestre-sala – a harmonia é o estandarte a ser beijado pelo sambista ajoelhado na avenida.
Em “Rumo à Zona Sul”, quarto e último movimento da quadrilogia, você canta o samba com voz firme e intro do seu violão. O ritmo é exato: o surdo se soma aos tamborins, a cuíca geme e o couro come. Vem o piano de Cristovão Bastos, que toca delicadamente, como se temendo se intrometer no trabalho do filho Miguel, que cria com o talento herdado do pai Cristovão e do sobrinho Raphael Rabello. E Didio fecha o papo reto. Vixe, o bagulho é doido!
Em “Vingança das Labás” o violão fala bonito. Os graves do bordão se ajuntam ao som da moringa de Renato Braz, que canta lindo e em terças com você, Miguel. A percussão de Marcus Thadeu ressoa, suingue emoldurado em harmonia e melodia de um jovem criador, de um gênio que tem nome e sobrenome: Miguel Rabello.
Fechando a tampa, vem “Quimera de São Jorge”. Clarinete e flugelhorn (Aquiles Moraes) tocam a intro. O violão chega com eles e atrai o encanto que abençoa os seres vivos da terra. E as bençãos de São Jorge trazem ânimo e esperança a nós que cantamos e amamos os autores que nos representam. Viva vocês, Miguel e Didio, que fazem a música com a cara do Brasil fecundo!
Por fim, deixo aqui um forte abraço aos dois. Fiquem bem!
Aquiles.
‘Ciclo de Poder’
‘Rumo à Zona Sul’
AQUILES REIS ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)