O BRASIL SOB A NOVA ORDEM DA DIVISÃO DO TRABALHO

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Brasil sob a Nova Divisão Internacional do Trabalho

por Fernando Nogueira da Costa

A colocação brasileira na nova divisão internacional tem garantido um superávit estrutural no balanço comercial

A economia brasileira voltou a se tornar, essencialmente, primário-exportadora? Não.

Entretanto, Cláudia Safatle (Valor, 12/05/23) afirma: “nos últimos 40 anos, as escolhas foram erradas”. Como a perda de mercado externo fosse uma questão de “escolhas”, ou seja, de planejamento, ela atesta com dados de exportação a consequência do desmanche do Estado desenvolvimentista brasileiro pelo neoliberalismo privatizante e exterminador do planejamento estatal. Mas não destaca os realizados na China e Coreia.

“Em 1980, as exportações do Brasil, da Coreia do Sul e da China eram de cerca de US$ 25 bilhões. Hoje elas são de pouco mais de US$ 500 bilhões [20 vezes] na Coreia, de US$ 2,5 trilhões [100 vezes] na China e de US$ 250 bilhões [dez vezes] no Brasil [de fato, US$ 334 bilhões em 2022]. Aqui, estão concentradas em grãos e commodities, enquanto a matriz das exportações da Coreia e da China é muito mais diversificada”.

Em 2008, a participação de produtos manufaturados no total das exportações brasileiras situava-se em 48%, superior à proporção de produtos básicos e semimanufaturados, 38% e 14%, respectivamente. A União Europeia era o principal destino dos produtos brasileiros. Juntamente com Estados Unidos, Argentina e China, todos esses destinos respondiam por 55% do total das vendas externas do país.

Em 2000, o principal parceiro comercial do Brasil eram os Estados Unidos, destino de 24% das exportações brasileiras totais. Essa participação caiu para 9,4% em 2022. A China, por sua vez, passou da 11ª. posição em 2000, respondendo por somente 2% das vendas brasileiras, para a primeira posição ao chegar a 33,8%. A Argentina continua entre os principais parceiros comerciais do Brasil, porém diminuiu a sua participação de 12% em 2000 para 6,1%. A soma de toda a União Europeia atinge 12,7%.

queda da participação dos manufaturados nas exportações, depois de 2008, não foi um fenômeno só restrito ao Brasil. Segundo o Banco Mundial, essa participação dos manufaturados no total das exportações mundiais atingiu o pico de 78%, em 1998, e depois apresentou trajetória descendente até 2011 com o valor mínimo da série: 66%.

Os dados brasileiros indicam comportamento semelhante ao observado no resto do mundo, apresentando, contudo, movimentos mais pronunciados. Entre 1998 e 2011, a queda na participação dos manufaturados brasileiros no total das vendas externas atingiu 22 p.p. diante de 12 p.p. no caso mundial.

A maior alteração na composição da pauta exportadora brasileira derivou do efeito assimétrico provocado nas exportações de básicos (88% do valor total exportado à China), relativamente à de manufaturados, em função do grande crescimento da demanda chinesa. Ausente esse efeito, a participação de manufaturados na pauta exportadora brasileira estaria 7 p.p. acima da observada em 2018.

A China ganhou a maior participação no mercado global de produtos manufaturados, passando de 11% em 2008 para 16% em 2017. Países com maiores similaridades com o Brasil, como México e Índia, também ganharam pontos percentuais nas exportações mundiais desses produtos, devido ao maior nível de inserção desses países nas correntes de comércio internacionais. Enquanto México e Índia possuem, respectivamente, treze e nove Tratados de Livre Comércio, o Brasil possui apenas um.

O mundo ocidental ainda tenta recuperar-se da Grande Crise Financeira (GCF) de 2008, mas a importação barata de produtos industriais da Ásia levou à sua desindustrialização. Em contrapartida, não só o Brasil, mas também os Estados Unidos bateram recordes nas exportações agrícolas – como soja, milho, carne bovina e carne suína – para a China.

A China foi o principal destino dos produtos agrícolas dos EUA em 2022, com um recorde de 19,2% do valor total de US$ 213 bilhões, liderado pelo aumento das compras de soja, algodão e carne bovina. Canadá, México e Japão completaram os quatro primeiros compradores com 16%, 14% e 8%, respectivamente, do total de exportações dos EUA.

Na última década, não só o Brasil se tornou o maior produtor (a colheita brasileira ultrapassou a americana em 2019/20) e exportador de soja do mundo e o grão se estabeleceu de vez como o produto de maior valor adicionado no agronegócio nacional. Em 2022, o PIB da cadeia produtiva de soja e biodiesel chegou a R$ 673,7 bilhões, o equivalente a 27% do PIB total do agro brasileiro. Em 2010, era 9%, ou seja, um terço.

Entre 2010 e 2022, a participação da soja no valor adicionado da economia brasileira passou de 2% para 7%. A cadeia de soja e biodiesel gerou 2,05 milhões de postos de trabalho no Brasil no ano passado, número 80% acima do registrado em 2012. A participação dela na geração de vagas de trabalho no agronegócio era de 5,8%, em 2012, e passou a 10,8% dez anos depois. Em comparação com a população ocupada total do país, a participação dessa cadeia passou de 1,3% para 2,1% no mesmo período.

O rendimento médio dos trabalhadores empregados no segmento de soja e biodiesel era de R$ 2.912 mensais no fim do ano passado. O montante é 29% superior à média geral do agronegócio, de R$ 2.257 por mês.

As exportações do complexo soja mantiveram-se em rota ascendente entre 2010 e 2022. No ano passado, a receita com os embarques atingiu novo recorde, chegando a US$ 61,3 bilhões. O montante representou 38% das vendas do agronegócio ao mercado externo. A soja in natura foi responsável por 76% do valor das exportações entre 2010 e 2022. O farelo respondeu por 19,1%, e o óleo de soja, por 4,5%.

No entanto, a agropecuária foi responsável por menos de um quarto (22,4%) das exportações brasileiras totais em 2022, recorde desde 1997. Até 2008, ficava em menos de 10% do total. A indústria de transformação representa mais da metade do valor exportado, com 54,3% – era mais de 60% até 2017. A indústria extrativa ficou com 22,8%. Logo, a exportação primária cresceu sua participação, mas longe de ter a maior.

A China é, por larga margem, o maior destino da soja brasileira: desde 2013, os chineses são responsáveis por mais da metade da receita do Brasil com os embarques do grão. Foram 52,6% em 2022.

Os principais produtos exportados pelo Brasil, em 2022, em valor FOB, foram na agropecuária: soja (US$ 46,6 bilhões), milho (US$ 12,2 bilhões), café (US$ 8,5 bilhões); na indústria extrativa: óleos brutos de petróleo (US$ 42,5 bilhões), minério de ferro (US$ 28,9 bilhões); na indústria de transformação: celulose (US$ 8,4 bilhões), carne bovina (US$ 11,8 bilhões), carne de aves (US$ 8,9 bilhões), carne suína (US$ 2,4 bilhões), farelos de soja (US$ 11 bilhões), óleos combustíveis (US$ 13 bilhões), açúcares (US$ 11 bilhões), ferro ou aço (US$ 6,4 bilhões), automóveis (US$ 4,6 bilhões), aeronaves (US$ 3 bilhões).

O Brasil não voltou a ser essencialmente primário-exportador. Mas muitas de suas exportações de “manufaturados” são de origem rural e passam por leve transformação.

Em 1997, havia 15.468 empresas exportadoras. Em 2021, foram 32.009. Dobraram.

Em 1999, o Brasil teve um déficit comercial de -US$ 2,3 bilhões em um fluxo comercial de 98,2 bilhões. Em 2022, seu superávit alcançou US$ 61,5 bilhões com a soma de exportações e importações alcançando US$ 606,7 bilhões. Foram recordes históricos.

Quanto às importações, a mudança de pauta de 2012 a 2022 foi a queda da participação relativa de bens de capital de 14,1% para 10,3% e de bens de consumo de 14,8% para 10,3%, estabilidade de combustíveis e lubrificantes (de 16,5%para 16,1%) e aumento do percentual de bens intermediários de 54,6% para 63,3%.

No total, a participação relativa da importação de automóveis caiu de 4,2% para 1,3% no período, enquanto de motores e máquinas não elétricos dobrou de 1% para 2,1%. Importações brasileiras de compostos organo-inorgânicos também dobrou de 1,8% para 3,6%, e de adubos ou fertilizantes químicos passou de 3,8% para 9,1%, tornando-se a maior importação no fim do período de 2012 a 2022. O setor agrícola é grande exportador e consegue superávit comercial mesmo importando bastante insumos.

Na realidade, embora tenha se alterado a divisão internacional do trabalho, a economia brasileira permanece diversificada ao atender, principalmente, ao mercado interno. O consumo das famílias puxa o PIB pela ótica da demanda, acima dos investimentos e dos gastos governamentais. A demanda externa só contribuiu mais diante da demanda interna em anos de depressão: 2015, 2016 e 2020.

O consumo das famílias, desde o ano 2000 até 2022, demandou entre 60% a 65% do PIB. O saldo de exportações líquidas é baixo para sustentar o crescimento. Serviços não exportáveis contribuíram no período com 2/3 a quase ¾ do valor adicionado em atividades. Entre eles, destacam-se a administração pública (defesa, saúde, educação e seguridade social) com 15,4% e o comércio com 14,2%. Agropecuária só cresceu de 5,5% para 7,9% do PIB e a Indústria de Transformação caiu de 15,3% para 12,9% do PIB.

Logo, a estratégia de retomada do crescimento sustentado em longo prazo tem de ser planejada em termos de ampliação do mercado interno e atração de capital estrangeiro com a contrapartida de transferência de tecnologia. A colocação brasileira na nova divisão internacional tem garantido um superávit estrutural no balanço comercial e, conjuntamente com as grandes reservas cambiais, superado o problema antes recorrente de crise cambial.

O país tem relativa autonomia financeira. Falta-lhe educação, ciência e tecnologia. Enviar estudantes para se tornarem cientistas no exterior como foi a estratégia chinesa com abertura externa sob a citada contrapartida. Isto exige planejamento estatal.

FERNANDO NOGUEIRA COSTA ” JORNAL GGN” ( BRASIL)


Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com

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