QUANTO DOIS MAIS DOIS SÃO CINCO

Contribua usando o Google

São três os tipos de contabilidade: gerencial, que norteia as decisões; fiscal, para fins tributários; e societária, que visa o público

Contam que, num país distante, um empresário precisava contratar um contador. Ao primeiro candidato, ele perguntou: “quanto dá dois mais dois?” e o candidato respondeu: “quatro, naturalmente.” Os candidatos foram-se sucedendo e a mesma pergunta era feita a todos e assim eram as respostas. Um deles respondeu: “quanto é que o senhor quer que dê?” e foi contratado. Claro que essa alegoria vem de quando a única utilidade que se dava à contabilidade era ludibriar o fisco. Isso está cada dia mais difícil e hoje, deixando de fora a contabilidade social, são três os tipos de demonstrações contábeis: gerencial, que norteia as decisões dos administradores; fiscal, que demonstra as contas para fins tributários, e societária, que visa o público externo à empresa.

É a contabilidade societária que interessa bancos e investidores, ajudando a nortear a avaliação das ações e garantias para empréstimos entre outros propósitos fortuitos. Ela precisa cumprir critérios rígidos que permitam os interessados compararem seus números com os das demais da mesma atividade, ou mesmo compartilhem o mesmo mercado. Essa padronização é dada pelo Banco Central, pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e pelo Comitê de Prestação Contábil, que edita normas numeradas e conhecidas como CPCs. São as CPCs que indicam como uma fazenda vai contabilizar um touro ou uma vaca leiteira; uma indústria vai registrar uma matéria-prima perecível e tudo o mais que possa dar credibilidade aos balanços publicados.

A contabilidade gerencial é a que apura os dados econômicos e financeiros para o público interno. Ela não está restrita por regras fiscais como a depreciação linear ou valorização das saídas de estoque pela média. Tudo pode ser feito de acordo com os interesses dos administradores, desde que as contas sejam adequadas para prestação ao governo. Ela tem que responder perguntas como se a empresa permanece em dado ramo de atividade, se esse ou aquele produto tem lucro condizente com o investimento na manutenção de sua produção, se é importante manter os processos produtivos atuais ou trocá-los por outros mais modernos que requerem investimentos vultosos.

Um exemplo disso é a depreciação pelo uso. Nesse caso, os ativos são depreciados pela vida útil estimada pelo fabricante. Digamos que uma fazenda compre um trator de R$1 milhão, cuja vida útil seja estimada em dez mil horas de trabalho. Cada hora trabalhada contribuirá com R$ 100,00 para o custo do serviço que ele executar. Quando se fizer um serviço de manutenção de monta, estima-se um acréscimo na vida útil e soma-se o valor do conserto ao residual, voltando à rotina anterior. Suponhamos que o trator esteja com cinco mil horas trabalhadas e que seu valor residual seja de R$ 500 mil e que tenhamos de trocar seu motor pelo valor de R$ 50 mil, é de se esperar que sua vida útil aumente, pois seu motor é novo em folha. Assim, estima-se um acréscimo de mil horas e o valor da hora passa a ser de (R$500.000,00 + R$50.000,00)/(5.000 n + 1.000 h) = R$ 91,67/h. O fato é que o fisco não aceita esse processo porque a depreciação nunca cessa. Enquanto a máquina estiver em condição de uso, tem valor a ser depreciado. Dessa forma, nas contas de resultado, é preciso creditar a depreciação gerencial e debitar a depreciação fiscal para que os impostos sejam apurados como quer o estado.

Finalmente, a fiscal obedece a leis, decretos e resoluções do fisco nos seus três âmbitos: federal, estadual e municipal. Para facilitar a fiscalização, hoje se contam com o SPED fiscal e com o SPED contábil. O primeiro visa substituir os livros fiscais e o segundo busca padronizar o plano de contas, tal que o fiscal não tenha de aprender um novo todas as vezes que for proceder a uma auditoria. Tudo ocorre em tempo real e, em muitos casos, o servidor público sequer precisa comparecer à empresa, bastando acessar os dados á distância. O Brasil sempre foi muito avançado nesse quesito. Facilidades como Siscomex, que permite acompanhar a importação e a exportação desde a origem, assim como o RECOF, que permite que as empresas recebam componentes importados em seu próprio estoque, alfandegando-o na medida em que são requisitados. Ambos existem há quase trinta anos, e são algo impensável nos Estados Unidos ou na Europa. Houve uma tentativa de automatizar o registro do relacionamento entre empresa e empregado. Era o E-Social que já ia para a terceira etapa, quando o governo passado simplesmente o abandonou na intenção de impedir que o Ministério Público do trabalho contasse com ferramentas de fiscalização.

Não resta dúvida de que a contabilidade tem adquirido um enfoque de ferramenta, coisa com que não contava até os anos 1990, mas será que caminhamos o suficiente? Será que as fraudes ficaram impossíveis ou só mudaram em termos técnicos? Vejamos na próxima semana.

LUIZ MERCHAERT ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *