A FALÁCIA DE CAMPOS NETO

CHARGE DE MIGUEL PAIVA

Roberto de Oliveira Campos, por sua formação inicial como religioso, vocação abandonada pelos estudos de Economia que o deixaram seduzido pela coisa pública, vale dizer a grande política e até o “múnus” parlamentar, que exerceu como Senador e depois como deputado federal por seu estado natal, Mato Grosso do Sul, era um homem inteligente e hábil na arte de sofismar.

Seu neto, Roberto de Oliveira Campos Neto, ou apenas Roberto Campos Neto, que seguiu a verve menos brilhante do avô, a gestão financeira, que resultou no grande naufrágio do Banco União Comercial, em 1994, poucos meses após o Banco Central aplicar, pela 1ª vez, em 16 de abril de a Lei 6.024, que regulava intervenções e liquidações de instituições financeiras. Após atuar na mesa de operações de compra e venda de títulos públicos federais do Bozano, Simonsen virou chefe da Tesouraria do banco, comprado pelo espanhol Santander e se tornou o diretor Tesoureiro do 3º banco privado do país, quando o Santander comprou o Real ABN Amro, em 2008. Desta função foi chamado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que o conheceu no Bozano, a comandar o Banco Central no governo de Jair Bolsonaro (2019-2022).

Com a autonomia do Banco Central perante o Executivo, pela Lei 179, de fevereiro de 2021, Roberto Campos Neto ganhou ares de 4º Poder. Cansei de destacar aqui na coluna a importância da independência do BC. Porém, sempre pontuei que a independência não confere o grau de infalibilidade ao Banco Central do Brasil, que comete falhas desde sua criação, em 31 de dezembro de 1964.

Pois agora, RC Neto quis rebater as críticas ao nível elevado da taxa Selic (13,75% ao ano, desde 3 de agosto de 2022) para tentar alcançar uma meta inflacionária cujo teto estava fixado em 5% (2022), 4,75% (2023) e 4,50 (2024 e 2025). As metas, fixadas 30 meses antes, ficaram absolutamente irreais devido aos impactos da Covid em 2020 e 2021 e pelas consequências da invasão da Ucrânia pela Rússia.

Do sofisma à falácia

Criticado, ontem, 25, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, Campos Neto, em vez de sofismar como o avô fazia como poucos, deitou falação e apelou para a falácia. Destacou o comportamento independente (às pressões do governo) da autoridade monetária no último ciclo eleitoral. De março de 2021 a agosto de 2022, o BC subiu a Selic de 2,75% para 13,75%, sendo que 4 pontos percentuais deste movimento ocorreram no ano da eleição.

“Nunca na história deste país nem na história do mundo foi feito um movimento de alta de juros tão grande no período eleitoral”, disse aos parlamentares. Ele ressaltou que o BC brasileiro foi um dos primeiros a elevar os juros no novo ciclo global de aperto monetário – o que, na sua leitura, tornou menores os custos do combate à inflação para a sociedade. E emendou com a maior cara de pau: “O que teria acontecido se o Banco Central não tivesse feito esse movimento? Se isso fosse feito, a gente teria tido uma inflação de 10% em vez de 5,8%, e hoje, para controlar a inflação e a expectativa do ano que vem, que seria muito mais alta do que os 10%, a gente teria que estar com juros de 18,75%. E, se não estivesse, a gente estaria caminhando para uma inflação que iria contaminar bastante, como o exemplo da Argentina”, pontuou.

Acontece que se a inflação do IPCA em 12 meses baixou dos 12,13%, em abril de 2022, para 11,89% em junho e para 5,79% em dezembro, não foi por mérito da política monetária do Banco Central. E sim pelo bisturi de Paulo Guedes.

O ministro da Economia, Paulo, Guedes, empenhado na reeleição de Bolsonaro, que seria impossível com a inflação renitente à queda dos juros (uma nova elevação derrubaria ainda mais o ritmo do PIB, que já foi negativo no último trimestre do ano passado), tratou de intervir, com o assessoria do ministro das Minas e Energia, Adolfo Sachsida, que fora secretário de Política Econômica e sabia que itens tinham mais peso na formação do IPCA, diretamente na redução/isenção (até 31.12.2022) dos impostos (federais e estaduais) da gasolina, álcool e do ICMS de combustíveis, energia elétrica e comunicações. Com deflação de 1,32% no 3º trimestre e queda de 25% no ano da gasolina, o item que mais pesa no IPCA, a inflação despencou para 5,79%.

É uma falácia, para não dizer fraude intelectual, Roberto Campos Neto se jactar da ação do Banco Central pela queda da inflação. O IPCA está descendo a 4% em 12 meses, em função dos cortes dos impostos no ano 3º trimestre do ano passado, com o uso do “bisturi” por Guedes, que aproveitou o fato da alta dos preços dos combustíveis no 1º semestre ter cevado a arrecadação, para promover renúncias fiscais eleitoreiras visando a reeleição do presidente.

Fugindo à responsabilidade

Deu Lula, que ficou (junto com os governadores) com o abacaxi da cobrança de ações sociais por parte da população, mas sem os meios fiscais/arrecadatórios para tal. O impacto inflacionário da reoneração dos impostos, por sinal, sempre foi apontado pelo Comitê de Política Monetária, o colegiado que se reúne a cada 45 dias para decidir a política monetária e o piso das operações do mercado financeiro – a taxa Selic – ao lado das incertezas da arrecadação (numa conjuntura de desaceleração da economia devido ao freio de mão puxado dos juros), para a cautela do Copom, que se reúne nos próximos dias 2 e 3 de maio. É exatamente o temor de um repique na inflação do 3º trimestre deste ano, na remarcação de preços administrados, reduzidos artificialmente via impostos no ano passado, que está servindo de álibi ao Banco Central para manter o freio de mão puxado até setembro.

O Banco Central é parte do problema (ao travar a economia contribui para a anemia da expansão das receitas, que é a base do arcabouço fiscal que busca, paralelamente recuperar programas sociais abandonados por Bolsonaro). O ex-presidente achava suficiente “comprar” o voto dos pobres com o aumento do Auxílio Brasil para R$ 600 até 31 de dezembro, com as mesadas de R$ 1 mil mensais a caminhoneiros autônomos e a taxistas, além de seduzir a classe média com os impostos que aliviavam os preços da gasolina e da energia.

O Banco Central não pode ser uma “torre de marfim”. A imagem é perfeita para uma postura politicamente incorreta. Uma torre de marfim custa a morte de dezenas de elefantes para a extração das presas. A pose do Banco Central do Brasil como “guardião da inflação”, é duplamente fraudulenta (RCN estourou os limites do teto em 2021 e 2022 e terá provável novo estouro em 2023). Impassível, o BC assiste à morte dos “elefantes” endividados à sua volta.

Inflação sem fôlego no IPCA-15

Às vésperas da reunião do Copom, o IBGE divulgou mais um indicador que revela a perda de fôlego da inflação, devido à forte desaceleração da economia causada de manutenção de juros reais elevadíssimos. O IPCA-15 de abril (prévia do índice cheio do mês) mostrou nova queda da inflação para 0,57%, sobretudo pelo impacto baixista da supersafra na área de alimentos e bebidas, a que mais pesa na cesta de consumo, que subiu apenas 0,04% (0,20% no IPCA-15 de março) e compensou a alta de 1,44% em Transportes, puxada pelo aumento de 3,47% na gasolina, mas inferior aos 1,50% de março.

O IPCA-15 de 0,57% foi inferior aos 0,69% de março e ficou abaixo das estimativas do mercado (0,60%) e da LCA Consultores, que previa 0,70%. Com isso a inflação acumulada no ano ficou em 2,59%, sendo que a alta acumulada de alimentos e bebidas foi de apenas 1,18%, menos da metade da inflação geral. No acumulado de 12 meses, o IPCA-15 desceu a 4,16%. Há um ano, o IPCA-15 acumulava 12,03% em 12 meses. Se a taxa se repetir no IPCA cheio de abril, o juro real da Selic (descontada a inflação) subiria a 9,20%!

A desaceleração dos preços dos alimentos foi notável na alimentação no domicílio, com queda de 0,15%, devido às baixas da batata-inglesa (-7,31%), cebola (-5,64%), óleo de soja (-4,75%) e carnes (-1,34%). Apesar da baixa dos preços da ração (à base de milho e farelo de soja), o ovo de galinha, subiu 4,36% em abril. A alimentação fora do domicílio, que tem influência de mão de obra, também subiu menos: passou de 0,68% em março para 0,55% em abril.

O repique da inflação

A rigor, os preços que caíram muito ano passado, devido aos eleitoreiros cortes de impostos promovidos por Paulo Guedes, agora pressionam a inflação. Ainda assim, ela segue caindo em função da baixa dos alimentos, porque a reoneração veio com alíquotas mais reduzidas frente aos níveis de 2022.

Mas há dois indicadores que estão pressionando o índice deste ano pela sazonalidade dos seus aumentos. O 1º é a Educação, com o reajuste anual das mensalidades em fevereiro, acumulam alta de 7% até o IPCA-15 de abril. O 2º é segmento de Saúde e Cuidados Pessoais, que acumula alta de 3,91%, puxado pelo reajusta de 4,91% dos Planos de Saúde (o reajuste de 15,50% vem sendo diluído mês a mês. Nos dois casos, ao longo do ano os índices em 12 meses tendem a diminuir.

No caso dos itens atingidos pelas tesouradas de Paulo Guedes ao final do 1º semestre do ano passado, está ocorrendo o inverso. Em Transportes, que tiveram baixa de 25% na gasolina, com a reoneração há uma alta acumulada de 3,22% até abril, sendo de 6,35% os aumentos dos combustíveis de veículos. Quando se olha os mesmos indicadores em 12 meses, o item Transporte ainda registra queda de 2,33%, sendo de 2,3,01% a queda dos combustíveis veiculares (em abril, segundo o IPCA-15, subiram a gasolina e o etanol, mas caíram o diesel e o GNV).

Em Habitação, que acumula alta de 2,10% de janeiro a abril, os combustíveis domésticos (GLP e gás natural) estão com baixa de 0,85% e a energia elétrica encareceu 3,91%. Na métrica dos 12 meses, fortemente impactada pela redução de impostos em energia elétrica em 2022, Habitação ainda tem baixa de 0,70%, os combustíveis domésticos ainda têm queda de 2,15% e a energia elétrica residencial acumula baixa de 16.74%. Em Comunicação a alta de 4,0% este ano se contrapõe à alta de 1,42% em 12 meses.

O Banco Central está muito cauteloso temendo o repique das métricas inflacionárias no trimestre julho-agosto-setembro, que concentrou as benesses eleitoreiras. A questão é se a economia não sofrerá danosos efeitos colaterais dos juros elevadíssimos?

A falácia dos Planos de Saúde

Os planos de saúde já estão preparando o terreno para darem mordidas nos reajustes anuais das mensalidades, negociados em maio. Para isso, disseram, com alarde, que tiveram um prejuízo operacional acumulado de R$ 22 bilhões.

Mas foram discretos ao dizer que, ao fim e ao cabo, diante dos altíssimos juros com que remuneram as mensalidades dos segurados que pingam mensalmente nas contas, acabaram 2022 com lucro final de R$ 2,5 bilhões.

Na verdade, tiveram as perdas operacionais concentradas no 1º semestre de 2022, porque os custos de fato subiram na Covid-19, mas as mensalidades foram reajustadas modicamente, porque a frequência nos hospitais (apesar dos custos das internacionais com a Covid) caíram acentuadamente.

Quando fiz assessoria de imprensa de um grande plano de saúde, o presidente da empresa me dizia que quando os juros caíam, eles pressionavam os prestadores de serviços a baixar os custos gerais das planilhas. No caso atual, os planos voltaram a lucrar (e muito) no 4º trimestre, com o reajuste geral de 15,50%. E tendem a continuar lucrando muito em aplicações financeiras com a Selic a 13,75% ao ano. E, quando a Selic começar a cair (as previsões são de que fechará dezembro em 12,50% ao ano), ainda ganharão muito e terão tempo para pressionar os fornecedores a baixar custos porque os juros caem.

Alô ANS, está na hora de examinar bem as planilhas para não cair na velha lábia.

GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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