Comemora-se neste 2023 o centenário de um dos mais ilustres mestres do Jornalismo de língua portuguesa, o paulistano Cláudio Abramo, nascido em seis de abril de 1923 e morto, aos 64 anos, em 1987. Ele foi responsável por profundas mudanças de estilo, formatação e conteúdo de O Estado de S. Paulo e da Folha de S. Paulo.
Vi pela primeira vez Cláudio Abramo, em janeiro de 1968, nos corredores do prédio das Folhas, à Rua Barão de Limeira – exatamente onde até hoje permanece a Folha de S. Paulo. Tinha 18 anos e estava começando na reportagem da Editoria de Esportes da Folha da Tarde, vespertino das Folhas, e fiquei impressionado com a elegância e imponência, quase esnobe, do Diretor de Redação da Folhona – como era chamada a Folha de S. Paulo em um tempo no qual a empresa publicava ainda mais três diários: Última Hora, Notícias Populares e Cidade de Santos. Passaria a editar também, a partir de 1969, A Gazeta e A Gazeta Esportiva.
Era praticamente uma fábrica de jornais. Seus diretores e secretários eram, invariavelmente, temidos e admirados por jovens iniciantes – como eu. Circulavam mal-humorados, como o baiano acariocado Jorge Miranda Jordão, da Folha da Tarde, vindo da Última Hora, do Rio de Janeiro, ou o romeno Jean Mellé, do Notícias Populares, legendário chefe de redação do cotidiano Momentul, de Bucareste. Sequer nos davam a honra de um bom dia… Cláudio Abramo era igual. Mas tinha um ar de Príncipe trotskista – cabelos longos e desalinhados.
Reencontraria Abramo dez anos depois, em 1978, em Roma, no final de outubro. Eu havia me tornado correspondente de O Globo. Já o Príncipe trotskista vinha como enviado especial do jornal da Alameda Barão de Limeira. Estava muito agitado porque, naqueles dias, morrera Ramón Mercader, o militante comunista espanhol catalão que matou Leon Trotsky. Trabalhávamos na redação romana da Stampa Estera, ou seja, Imprensa Estrangeira, juntamente com jornalistas de todo o mundo.
Conquistei a simpatia de Abramo, justamente na Stampa Estera, quando ele, virando-se para o grupo de colegas brasileiros, perguntou: “Alguém sabe quem foi Ramón Mercader?” Respondi na lata: “O assassino de Trotsky”. Transcorridos cerca de dois anos, em 1980, Abramo regressaria à Europa como correspondente em Londres da Folhona.
E foi em janeiro de 1981, em pleno inverno europeu, novamente nas dependências da Stampa Estera, que presenciei uma das cenas mais hilárias de minha vida – tendo como protagonistas Abramo e nada menos do que líder polonês Lech Walesa. O comandante da poderosa central sindical Solidariedade, da Polônia, concedia uma entrevista coletiva, no subsolo, em clima tenso, pois temia-se por um atentado, quando, de repente, abrem-se as duas portas do salão e todos ficam paralisados.
Surge Abramo, que acabara de retornar de Moscou, e estava vestido como um dirigente soviético – ou um agente da KGB. Casacão de pele comprido, chegando até a canela, e uma espécie de gorro escuro cobrindo as orelhas. Houve um tumulto e alguns tentaram proteger Walesa de um ataque ou sequestro da KGB. O susto deve ter durado apenas um minuto. Terminou quando Araújo Netto, correspondente do Jornal do Brasil, foi à frente e, pelo microfone, tranquilizou a plateia e Walesa, ao avisar: “Não tenham receio… Este é um colega brasileiro que chegou agora da União Soviética e ainda está com os agasalhos moscovitas” .
Walesa se encontraria, naquela primeira viagem a Roma, com o Papa João Paulo II, e também com o então sindicalista brasileiro Luis Inácio Lula da Silva. Ambos eram metalúrgicos e se tornariam presidentes de seus respectivos países.
ALBINO CASTRO ” JORNALISTA & CIA” / ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL/ PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador