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Com o fim da ditadura e a falta de um arcabouço institucional consolidado, houve uma disputa por poder.

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Vamos tentar entender, por partes, o enigma Brasil.

Peça 1 – a destruição institucional

O que ocorreu no país, nos últimos 15 anos, foi uma destruição institucional.

Com o fim da ditadura, e a falta de um arcabouço institucional consolidado, houve uma disputa por poder, cada setor ou corporação tentando se sobrepor à política e impor seu poder individual.

Começou com a mídia estirando os músculos a partir do impeachment de Fernando Collor, praticando um jornalismo intimidatório nos anos 90 até desembocar no jornalismo de esgoto, inaugurado por Roberto Civita em 2005 e seguido pelos demais grupos.

Como dizia uma antiga dirigente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), “nós somos a verdadeira oposição”. 

O poder da mídia dependia de sua capacidade de explorar escândalos. Essa característica abriu espaço para o segundo grupo de poder, o Ministério Público Federal, através da parceria do ex-procurador e Ministro do STF Joaquim Barbosa e os Procuradores-Gerais Antonio Fernando de Souza e Roberto Gurgel.

Ali ampliou-se a destruição da ordem institucional.

Tinha-se um modelo – imperfeito, é verdade. Mais que isso, o país convive com ampla escassez de convicção sobre princípios democráticos ou de responsabilidade social. Essa incapacidade de agir sobre as fendas do modelo, de corrigir as principais imperfeições dentro dos limites institucionais abriu espaço para o desmonte do país formal..

O tiroteio cruzado contra o partido hegemônico – o PT – e a incapacidade do partido em entender as estruturas de poder, fez com que o país institucional saísse definitivamente dos trilhos, abrindo espaço para os outsiders.

Peça 2 – os outsiders

A partir dessa falta de cuidados com a democracia, emergem dois monstros da lagoa, dois outsiders ocupando o espaço de forma oportunista

O primeiro foi a Lava Jato, uma articulação calculada entre o Departamento de Justiça dos Estados Unidos e juízes e procuradores disponíveis. O apoio recebido da opinião pública, reforçado pelo início dos movimentos digitais e de uma mídia que se transformou em mera repassadora de releases, ajudaram no desmonte final do país institucional. Muitos jornalistas pegaram carona na Lava Jato da forma mais infame possível.

O movimento colocou o próprio Supremo Tribunal Federal de joelhos, dividido entre ministros intimidados e ministros que saíram desfilando de porta-bandeiras, para aproveitar o sucesso da operação e o mercado de palestras que se abria.

Em cima desse vácuo, espoucam vários movimentos fora do país institucional, de evangélicos se organizando politicamente, ao baixo clero do Congresso tomando as rédeas no dente e deixando de ser mero apêndice de partidos orgânicos.

Consumou com as Forças Armadas se colocando politicamente e fornecendo o apoio a um candidato profundamente envolvido com as milícias. Tem aí início a deplorável era Bolsonaro.

Peça 3 – a resultante

Os resultados são nítidos.

Na máquina pública, a destruição impiedosa do aparelho de Estado, o esvaziamento dos sistemas de educação, saúde, ciência e tecnologia.

Em relação ao setor privado, é chocante a maneira como o país assistiu à destruição das empreiteiras nacionais – o setor mais dinâmico da economia. Em vez de batalhar pela punição de executivos e controladores, permitiu-se que um bando de procuradores alucinados destruísse as empreiteiras, centenas de milhares de empregos, a receita fiscal e a excepcional tecnologia que permitiu a muitas delas conquistar licitações em vários países.

No jogo político, vingou o protagonismo ameaçador das Forças Armadas, e alianças entre bolsonarismo, milícias, evangélicos, centrão e militares, começando com o episódio insólito de um comandante militar dobrando o Supremo com um mero Twitter.

Houve a expansão ilimitada de atividades não reguladas ou criminosas, como garimpo, madeireiros, a formalização de Clubes de Caça e Tiro e a entrada sem controle de armamentos.

Na economia, houve a destruição da parte mais dinâmica – a engenheira nacional -, a venda de ativos, como refinarias, distribuidoras, desobedecendo a critérios mínimos de transparência e sem acrescentar nada ao aparelho produtivo nacional.

No Judiciário, a desobediência de diversos tribunais às recomendações do STF.

As velhas disputas, entre mercado e indústria, ficaram em segundo plano, com o país informal avançando sobre todos os poros da nação.  

A recuperação do país formal passa por um grande pacto de reinstitucionalização.

Peça 4 – as grandes batalhas

O primeiro passo é unificar o país institucional. Trata-se de adiar as disputas mercado x indústria, esquerda x centro-direita e focar na batalha das batalhas: o país institucional x o país das milícias.

É nesse contexto que entram o enquadramento das Forças Armadas, os acenos à agricultura e à indústria, a volta do Conselhão, os trabalhos de fundo do BNDES.

A partir dessa unificação, há pontos centrais de recomposição institucional, um conjunto de princípios para alimentar um pacto nacional suprapartidário.

  1. Um ponto final na Lava Jato, prestes a ocorrer com as investigações da Polícia Federal em torno das denúncias de Tacla Duran. O esperneio de Deltan Dallagnol, de Sérgio Moro, de seus aliados na 8a Turma do Tribunal Federal Regional da 4a Região dão uma ideia pálida do que pode ter sido varrido para baixo do tapete. O enquadramento da 8a Turma do TRF4 é passo essencial para a consolidação do papel aglutinador das instâncias superiores – especialmente o STF e o Conselho Nacional de Justiça, através da sua corregedoria.
  2. Um ataque sem trégua à economia marginal, da mineração ilegal de ouro à indústria clandestina do cigarro e dos combustíveis e ao domínio territorial das milícias.
  3. Um pacto com a economia formal, buscando liberar as principais forças produtivas. O país tem grandes obras de infraestrutura, há interesse de financiamento por parte de grandes fundos, há o BNDES buscando estruturar operações combinadas. Falta a capacidade de engenharia. Daí a importância fundamental de rever a situação dos alvos da Lava Jato. Impor multas estratosféricas e impedir contratos com o poder público significará condená-los à morte A intenção de destruição é tão explícita que nem Moro nem seu sucessor cuidaram de levar adiante os processos contra as empreiteiras. Deixaram na geladeira para acelerar a destruição das empresas.

Peça 5 – os 40 anos em 4

A partir daí, é se pensar na reconstrução.

O grande trunfo do país são as oportunidades abertas pelas mudanças tecnológicas e pelas parcerias comerciais e de transferência de tecnologia dos países centrais.

E, aí, recorre-se a dois exemplos históricos.

No pré e no pós-guerra, a estratégia de Getúlio Vargas. 

Primeiro, negociou com a Alemanha, conseguindo a compra de equipamentos pesados em barganha por alimentos. Depois, fechou com os Estados Unidos, conquistando a Companhia Siderúrgica Nacional e a própria formação do BNDES – para facilitar a contrapartida de recursos públicos aos recursos prometidos pelos americanos,

O segundo exemplo é o de JK. 

Para conquistar os grandes financistas para seus projetos, impôs duas condições para a entrada de montadoras no país: ter um sócio brasileiro (com isso cooptou os miliardários para seu projeto) e montar a rede de fornecedores com empresas brasileiras.

O momento atual tem um conjunto de fatores que poderá impor ao país um desafio fantástico, mobilizando todo o aparato produtivo e científico brasileiro e recriando o clima de 50 anos em 5 de JK.

Toda mudança estrutural tem como principal obstáculo interesses econômicos contrariados. Novos projetos, bem embalados, permitirão que parte desses setores se reciclem e abrem oportunidades para que os recursos acumulados nessas décadas de lambança financeira, possam ser carregados para novos setores que nascem.

É uma espécie de destruição criadora pactuada, mas que exige capacidade de planejamento, talvez a constituição de grupos executivos, como foi o Plano de Metas de JK.

Peça 6 – os fundamentos do replanejamento

Passo 1 – mapeamento das vantagens competitivas brasileiras.

Não se trata apenas de analisar mercado de consumo e riquezas ambientais, mas de identificar setores de conhecimento, nos institutos de pesquisa, nas universidades, na estrutura das fundações de amparo à pesquisa, nos levantamentos das confederações empresariais. Quando Álvaro Alberto pretendeu que o país dominasse o ciclo da energia atômica, houve a contratação de um técnico americano para mapear todas as instituições brasileiras, identificando aquelas que seriam centrais para a nova economia.

Responsável – CNPq, Academia, universidades.

Passo 2 – mapeamento das oportunidades do novo mundo.

Aí, somam-se três grupos de oportunidades. 

A primeira, as mudanças nas cadeias produtivas locais, pós-pandemia e com a nova guerra fria. A segunda, a transição energética. A terceira, as chamadas indústrias de bem estar – saúde, educação.

Responsáveis – Academia, BNDES, Apex, CNPq, Fiocruz.

Passo 3 – as novas parcerias 

Há a oportunidade de explorar as disputas EUA-China para conquistar vantagens para o país. Nessa viagem de Lula, as opções estratégicas estão nítidas: da parte do Brasil, há alimentos a serem fornecidos, o mercado interno e a parceria geopolítica. Da parte da China, transferência de tecnologia, inclusão de empresas brasileiras como sócias ou fornecedoras das empresas chinesas que venham produzir no país. Há que se ter estratégia para explorar a competição entre as superpotências.

Responsáveis – Academia – mapeando as novas fronteiras do conhecimento e as áreas com pesquisas no país. Itamarati, Ministério da Indústria e do Comércio, Confederações empresariais.

Passo 4 – as ferramentas financeiras 

Aparato legal, modelos de co-financiamento, formas das compras públicas e do sistema de bancos de desenvolvimento alavancar investimentos privados.

Responsáveis – Fazenda, BNDE, bancos de desenvolvimento, IPEA.

Passo 5 – abrir o país para as grandes parcerias internacionais

Agora, com objetividade: subordinando o acesso ao mercado interno e as parcerias comerciais à transferência de tecnologia, dentro da ótica da transição energética e da digitalização. Tudo isso somado à retomada da parceria Petrobras-centros de pesquisa, à reativação da ABDI, Finep, estrutura de fundações de amparo à pesquisa.

Passo 6 – trazer o capital financeiro para o setor produtivo.

O movimento anterior abrirá inúmeras oportunidades de negócio, capazes de atrair parcerias do enorme excedente de capital, aplicado hoje em atividades improdutivas, com a velha e a nova geração de industriais. Algo similar ao que JK fez com o Plano de Metas e com a indústria autoobilística: abriu o mercado brasileiro para as montadoras estrangeiras, mas com a condição de ter um sócio brasileiro (conseguindo a adesão do grande capital) e fornecedores brasileiros.

Por trás de tudo, há a sombra tortuosa de Campos Neto, da Selic a 13,45% e as incertezas em relação aos efeitos do arcabouço fiscal sobre a despesa e sobre a atividade econômica.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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