Por qualquer ângulo que se olhe a economia brasileira, podemos ter a famosa interpretação parcial da avaliação (de olhos vendados) sobre um elefante: as pernas podem ser confundidas com um tronco de árvore, o corpo com uma pedra e por aí vai. Mas o todo é que interessa. No caso da economia brasileira, o “elefante” são as taxas de juros “mastodônticas”.
De pouco adianta o governo adotar medidas paliativas, como o programa “Desenrola”, para aliviar as dívidas das camadas de classe média e baixa renda. Ou programar medidas de longo prazo para ajuste das receitas e despesas – no caso o arcabouço fiscal. Ele não será exequível se os juros básicos da economia [a taxa Selic, que está em 13,75% ao ano] se mantiverem em patamares reais tão altos (descontada a inflação os juros são de 9%).
Focus prevê queda da Selic a 12,50%
A última Pesquisa Focus, divulgada hoje pelo Banco Central, com previsões colhidas junto a 148 instituições financeiras, consultorias e institutos de pesquisa até a última 5ª feira (6 de abril), aponta novo aumento da inflação, puxada pela expectativa de maior alta dos preços administrados (sobretudo combustíveis, após a decisão da Opep, que anunciou em 2 de abril a redução da oferta a partir de 1º de maio, para obter melhores preços para o barril).
O IPCA (a inflação oficial) deste ano subiu de 5,96% para 5,98%, com elevação para 6,04% nas previsões dos últimos cinco dias úteis. Os preços administrados avançaram de 9,65% para 9,79%, enquanto as previsões dos últimos cinco dias úteis (pós Opep) saltaram para 10,19%. Há um mês, as apostas eram de 9,13% para os preços administrados.
Preços caem no atacado
Mas os indicadores dos preços agrícolas no atacado, divulgados hoje no IGP-DI de março, da Fundação Getúlio Vargas, apontaram deflação de 0,34% no mês passado (superando a expectativa do mercado, que era de queda de 0,21%, após alta de 0,4% em fevereiro). Como assinalou o Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco, o resultado da grande safra agrícola “reflete cenário de desinflação dos preços ao produtor”, que tiveram queda de 0,71%.
O Bradesco assinalou que “a inflação dos produtos agropecuários no atacado voltou a ceder, devido à acentuação da queda dos preços dos grãos, café, suínos e ovos”, enquanto “os produtos industriais seguem em deflação, sobretudo com as quedas dos derivados de petróleo e produtos alimentícios. Em 12 meses, o IGP-DI registra queda de 1,16%”.
Os IGPs (IGP-DI e IGP-M) são índices mistos, com participação de 60% dos preços no atacado (ao produtor), 30% ao consumidor e 10% da Construção Civil. A dinâmica dos preços ao produtor costuma apontar a direção da inflação. Na Pesquisa Focus, o IPCA de 2024 foi elevado de 4,13% para 4,14%, mas as respostas dos últimos cinco dias úteis recuaram para 4,04%. Por isso, as apostas de uma antecipação da queda da taxa Selic (mantida em 12,75% para dezembro), já apontaram para 12,50% nas respostas dos últimos cinco dias úteis. Para 2024 a Selic foi mantida em 10% ao ano.
Embora o Indice de Preços ao Consumidor (IPC) tenha subido 0,74% (0,34% em fevereiro), impactado pela alta de 8,66% da gasolina, o núcleo do índice desacelerou de 0,34% em fevereiro para 0,27%. No INCC (Índice Nacional da Construção Civil, o índice subiu de 0,05% em fevereiro para 0,30% em função de aumentos salariais decorrentes do novo salário-mínimo (o que terá repique em maio). Os preços dos materiais de construção tiveram queda de 0,07%, após baixa de 0,12% em fevereiro, mas a mão de obra subiu de 0,02% para 0,49% em março, gerando alta de 0,97% para 1,02% nos serviços do setor.
Juro real vai a 8,60%
Amanhã o IBGE divulga o IPCA de março e o mercado aposta em 0,76/077%. Como a taxa de 2022 foi de 1,62%, a taxa de 12 meses do IPCA deve cair de 5,6% para 4,7%. E o juro real (descontada a inflação) da Selic irá a 8,60% ao ano. Pesquisa e projeções do Bradesco mostram o maior juro real na década.
A enorme transferência de renda
Os juros altos travam o consumo e inibem os investimentos (e impedem o crescimento das receitas, como decorrência do aumento do emprego e da renda que vêm naturalmente com o aumento do PIB. Os altos juros reais funcionam como um elefante numa loja de louças. Qualquer manobra provoca estrago descomunal. E o maior estrago é o aumento da concentração de renda da camada mais rica da sociedade.
A Selic de 13,75% oferece uma remuneração mensal de mais de 1% ao mês para quem aplica nos fundos de DI (depósitos interfinanceiros, regulados pela Selic). Uma aplicação de R$ 100 mil rende, no mínimo, R$ 1 mil mensais. Reaplicado o dinheiro mensalmente ele renderá quase R$ em 12 meses. Com a Selic 13,75%, o ganho em 12 meses chega a R$ 1.375. Mais do que um salário-mínimo (que irá a R$ 1.320 em 1º de maio). Quem toma créditos no Sistema Financeiro Nacional paga juros bem maiores. O crédito consignado a aposentados do INSS teve a taxa máxima reduzida a 1,97% ao mês (26,68% ao ano). Quem uso o rotativo do cartão de crédito paga mais de 400% ao ano.
O custo da dívida pública
O Banco Central usa a taxa Selic para tentar evitar que a inflação estoure as metas fixadas pelo Conselho Monetário Nacional, dois anos e meio antes. Quando ocorrem desastres naturais (seca ou excesso de chuvas, as metas são atropeladas. Idem com fatores externos inesperados (como a Covid-19, em 2020/2021 e a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022).
As metas e seus tetos (há uma tolerância de +1,50 ponto percentual de inflação) foram estouradas em 2021 e 2022 e devem estourar o teto de 4,75% este ano e o de 2024 (4,50%) está ameaçado pela previsão de alta de 4,50% nos preços administrados. Para comprimir os demais preços, de modo a tentar evitar o estouro dos tetos das metas, o Comitê de Política Monetária do Banco Central fixa a Selic em níveis elevados para inibir o consumo e os demais itens.
Esta semana, além do IPCA, o IBGE divulga na 4ª feira a pesquisa mensal das vendas do comércio em fevereiro e na 6ª feira será a vez da pesquisa mensal de serviços. Os dois indicadores são os de maior peso na formação do PIB e são diretamente influenciados pelas taxas de juros. Nos últimos meses, caíram. Mas ambas passaram por extensa revisão metodológica. Assim, os resultados podem desviar significativamente das projeções (até aqui negativas).
Mas o Banco Central costuma lembrar que além de travar a economia (a renda e o emprego), cada ponto de aumento na taxa Selic gera aumento de R$ 40,6 bilhões no custo da dívida pública líquida do setor público (o total emitido menos o volume de títulos do Tesouro na carteira do Banco Central, que faz compra e venda de papéis para controlar a política monetária. Na dívida bruta, o impacto é de R$ 38,6 bilhões.
De 2020 para cá, junto com o salto da taxa Selic de 2% ao ano (na pandemia, a partir de março) para 13,75%, os gastos com juros tiveram aumento de R$ 374 bilhões (136 bilhões em 2021 e mais R$ 138 bilhões sobre o ano anterior), somando R$ 586,4 bilhões de transferência de renda a banqueiros e rentistas.
Tudo o que o governo Lula pretende redirecionar para os mais pobres nos programas sociais, não vai anular os ganhos da concentração de renda causada pelos juros para as camadas mais ricas da sociedade. Só a queda acentuada dos juros pode reequilibrar a economia e desigualdade de renda.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)