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O país dividido em que nos transformamos é a imagem dos que lutam pela destruição do Brasil contra os que o pretendem preservar.
Quem já leu Negras Raízes de Alex Haley sabe que as igrejas neopentecostais nasceram do fato de que os escravos americanos eram proibidos de tocar tambores, pois os senhores temiam que eles se organizassem e se rebelassem, usando o instrumento como meio de comunicação. Então, os escravos usavam o “falar em línguas” para passar recados em seus idiomas ancestrais. As danças neopentecostais, assim como a reação dos circundantes, parecem muito com o “baixar do santo” das religiões de matriz africana, sendo essas últimas repudiadas pelos evangélicos. No Brasil e no Caribe, mais propriamente em Cuba e no Haiti, não foi preciso usar esse tipo de disfarce e o sincretismo deu-se via símbolos religiosos, confundindo-se deuses africanos com santos da igreja católica. A forma podia ser distinta, mas a intenção era a mesma, cultivar as tradições ancestrais de um povo arrancado de sua terra natal.
Não é de hoje que estamos sofrendo uma desnacionalização do pensamento. Houve tempos em que bonito era ser francês e essa era a língua falada pela nossa elite. Ler francês tornavam as pessoas “distintas”. Até o vocabulário elegante era recheado de palavras francesas, maiô, abajur, maionese entre outras. A independência afastou-nos dos portugueses, que até hoje, chamam ignição de alumagem, painel de tablier e tela de ecrã, aproximando-nos dos americanos como símbolo de civilização.
A Proclamação da República mostrou que o Brasil estava migrando do pensamento europeu para os dogmas americanos, a ponto de o país passar a chamar-se Estados Unidos do Brasil e ter-se pensado em uma bandeira com as estrelas em um quadro e listas verdes e amarelas ocupando as brancas e vermelhas. Por sorte, isso não vingou.
No mundo militar, o abandono das doutrinas francesas e adoção das americanas deu-se com a revolução de 1930 e a ascensão de Vargas ao poder, mais notadamente, com revolução Constitucionalista de 1932. Ir para a II Guerra ao lado dos americanos, usando seu equipamento, subordinando-se ao seu comando, provocou influências indeléveis em nossas Forças Armadas. Sem essa adesão incondicional dos nossos militares, não seria possível instalar uma ditadura de quepe e dragonas por mais de vinte anos. Foi então que, contrapondo-se à igreja católica e sua resistência à tortura, que os militares favoreceram o alastramento das igrejas neopentecostais, tudo na intenção de criar uma cópia dos Estados Unidos em território brasileiro. O arquétipo do “homem de bem” passava a ser o branco protestante portando uma arma. A ginga africana que nos deu cinco títulos de campeões mundiais de futebol deixou de ser a imagem do brasileiro. Ela foi substituída pelos ternos toscos, pelas gravatas com zíper, pelas saias compridas e outros apetrechos dos uniformes para os cultos do fim de semana.
Aqui não se fala de movimentos como Jovem Guarda, que era uma cópia do Rock and Roll dos jovens americanos comportados, mas tidos como rebeldes. Aqui não se fala da Bossa Nova, cujas bandas, com piano, baixo e bateria, lembravam muito as Jazz Bands das casas noturnas dos Estados Unidos. Nenhum desses movimento tinha a intenção de substituir nossas tradições. Foram movimentos agregadores de novos elementos à nossa cultura. Aqui estamos falando de uma imposição de costumes, de uma colonização forçada. Aqui falamos de forçar o brasileiro a mudar sua forma, empurrando-o para dentro de uma garrafa de Coca-Cola bebida ao fim de um culto evangélico que não tem nada a ver com nosso modo de ser, nosso modo de viver.
O país dividido em que nos transformamos é a imagem dos que lutam pela destruição do Brasil contra os que o pretendem preservar. É a guerra entre os que pretendem implantar um Z em nossa bandeira e os que pretendem que Brasil continue a ser escrito com S. Certos estavam Aldir Blanc e Maurício Tapajós quando pediram que Elis Regina cantasse que “O Brazil não merece o Brasil” quarenta e cinco anos atrás, quando não se imaginava em que o país se transformaria depois de anos de vilipêndio.
LUIZ ALBERTO MELCHERT ” JORNAL GGN” ( BRASIL)
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.