O CONSELHEIRO ACÁCIO REDIGE A ATA DO COPON ?

CHARGE DE AROEIRA

Acho que o “Conselheiro Acácio”, personagem de “O Primo Basílio”, de Eça de Queiroz, redigiu a Ata da 253ª reunião do Conselho de Política Monetária do Banco Central (Copom), de 22 de março (quando a taxa Selic fixada em 13,75% ao ano em 3 de agosto foi mantida nas cinco reuniões seguintes) e divulgada hoje pelo BC. A Ata teve 28 tópicos. Entre as atas do Copom na gestão de Roberto Campos Neto, a mais copiosa foi a da reunião de 1º de fevereiro deste ano, com 32 tópicos. Na média, as atas tinham de 18 a 23 tópicos.

As reuniões, vespertinas, ocorrem em dois dias. No 1º (3ª feira), há a análise da conjuntura internacional e a doméstica, com base em copiosos dados e informações; no 2º (4ª feira), é discutido o rumo da política monetária (visando os 12 a 18 meses à frente), até a decisão da taxa Selic, que é o piso do mercado financeiro brasileiro e precisa acompanhar a aderência aos juros determinados pelo Federal Reserve Bank, dos Estados Unidos, que se reúne nos mesmos dias e anuncia sua taxa com três horas antes do Copom.

O governo Lula, por força da Lei 179, que conferiu independência perante o Executivo do mandato do presidente do Banco Central e seus oito diretores, tem Roberto Campos Neto como um poderoso corpo estranho à sua política econômica. Por isso, já na reunião de 1º de fevereiro, lamentou que o Copom não acenasse com boa vontade às declarações de compromisso com o ajuste fiscais formuladas pelo ministro da Fazenda (e presidente do Conselho Monetário Nacional), Fernando Haddad. A preocupação do governo é com a desaceleração da economia, causada pleos juros elevados, que acaba de engrossar com a Cerjvejaria Petrópolis (com fábricas em Petrópolis e Teresópolis, no TJ) a lista dos grandes grupos em Recuperação Judicial.

Até na Ata Copom demora a reconhecer esforço fiscal

E o comunicado do Copom, divulgado após a reunião de 22 de março, com a manutenção da taxa Selic em 13,75%, não fez quase nenhum aceno de trégua à vista e a prazo na escala dos juros. Muito menos ao novo arcabouço fiscal, cujas linhas gerais foram apresentadas por Haddad em conversas reservadas. Isso desagradou profundamente ao presidente e à equipe econômica, liderada por Haddad e apoiada pelas ministras Simone Tebet (Planejamento) e Esther Dweck (Gestão), empenhada em convencer Lula, a ala política do Ministério e lideranças da Câmara e Senado a apoiar a aprovação do plano até 15 de abril.

Só no 18º tópico, na 2ª metade da ata, que manteve os juros em 13,75% e no comunicado divulgado no dia 22 de março, (depois das reclamações do governo e de setores empresariais asfixiados pelas taxas de juros que levaram à paralisação de várias montadoras de automóveis, por excesso de estoques), o Copom se dispôs a avaliar que “o compromisso com a execução do pacote fiscal demonstrado pelo Ministério da Fazenda, e já identificado nas estatísticas fiscais e na reoneração dos combustíveis, atenua os estímulos fiscais sobre a demanda, reduzindo o risco de alta sobre a inflação no curto prazo”.

Neste sentido, “o Comitê seguirá acompanhando o desenho, a tramitação e a implementação do arcabouço fiscal que será apresentado pelo Governo e votado no Congresso”. Mais do que isso, nenhum aceno de quando acaba a agonia dos setores produtivos para que o Copom não erre, pelo 3º ano seguido no cumprimento do teto da meta fiscal (que este ano é de 3,25% + tolerância de 1,50 ponto percentual = 4,75%. As projeções do mercado apontam a taxa do IPCA, a medida oficial da inflação entre 5,7% e 6,1%.

Para 2024 (já no alvo da política do Copom), a meta é 3% + 1,50%= 4,50% e o mercado projeta 4,02% a 4,20% (é sempre assim, as projeções vão mudando quanto mais próximo fica o ano em questão). E a incógnita vem da projeção sobre os preços administrados (os produtos, como a gasolina e a energia elétrica), que foram derrubados em julho, agosto e setembro de 2022 pelo corte de impostos federais e estaduais pelo então ministro da Economia, Paulo Guedes, para tentar ajudar à reeleição do ex-presidente Bolsonaro. A reoneração dos impostos impostos tem impacto inflacionário, mas ajuda do outro lado da gangorra, a diminuir as incertezas sobre o déficit fiscal. O Copom espera alta de 10,2% para 2023 e 5,3% para 2024 nos administrados.

Coletânea de platitudes

O Copom foi criado em 1996, baseado no Federal Open Market Committee, do Federal Reserve Bank dos Estados Unidos. Mas a instituição das metas de inflação, que é “a bíblia” do Copom, só veio em junho de 1999, depois que o governo adotou o câmbio flutuante em janeiro de 1999, em substituição ao regime de bandas cambiais introduzido pelo Plano Real.

O sistema de bandas cambiais durou quase cinco anos. Mas não resistiu, ao lado da política monetária, porque faltava sustentação fiscal mais efetiva. O sistema de bandas vigorou de julho de 1994, quando o real surgiu valorizado perante o dólar, derrubando as apostas de ágio do mercado, até 18 de janeiro de 1999, quando a desastrada banda cambial endógena foi aplicada pelo novo presidente do Banco Central, Francisco Lopes.

Mas havia instituições financeiras que apostavam na manutenção do câmbio, como os bancos Marka e Fonte-Cindam, apanhados pela forte desvalorização do real. Sua quebra punha em risco grandes bancos que lhes haviam dado cartas de crédito. Diante do risco sistêmico, os negócios com câmbio ficaram suspensos na Bolsa de Mercadorias e de Futuros (BM&F) que hoje integra a B3. Para limitar a quebra, o BC vendeu-lhes dólar na nova margem de flutuação (mais baixa para o Marka) e ambos foram para a liquidação.

Quando Armínio Fraga Neto foi convidado e assumiu a presidência do Banco Central, em março de 1999, já veio com a ideia das metas de inflação, implementadas em junho de 1999, pelo Conselho Monetário Nacional (então presidido pelo ministro da Fazenda, Pedro Malan, e com Armínio Fraga e o ministro do Planejamento. Por isso, anualmente, em junho, o CMN fixa as metas da inflação para dois anos adiante. Um dos esteios ao arcabouço fiscal veio em maio de 2000, quando o Congresso aprovou a Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabeleceu parâmetros de gastos X as receitas dos entes federativos (União, estados e municípios), com especial vigilância nas despesas com salários do funcionalismo (e punição no corte de repasse de verbas federais aos fundos de participação dos Estados e Municípios).

As Atas do Comitê de Política Monetária do Banco Central costumam ser um apanágio de platitudes da teoria econômica, em especial dos manuais de política monetária. Tudo é escrito em linguagem “componês” para justificar as medidas tomadas no aperto ou frouxidão monetária (o sobe e desce dos juros) visando perseguir uma meta de inflação fixada pelo Conselho Monetário Nacional em junho, com 12 a 24 meses de antecedência.

Nos últimos dois anos (2021 e 2022), as metas não foram cumpridas. Há uma meta de inflação e uma tolerância para cima ou para baixo. Em 2021, a meta fixada em 2018 (governo Temer) era de 3,75%, com teto de + 1,50 ponto percentual. Pois a inflação foi de 10,06%, quase o dobro do teto: 5,25%. Para 2022, em 27 de junho de 2019, o CMN, que já era presidido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e integrado pelo atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto e pelo secretário Especial da Fazenda, Waldery Rodrigues Junior, reduziu a meta para 3,50% com + 1,50% de tolerância no teto.

Para perseguir o teto que parecia de carro conversível, o Banco Central (já com enorme dificuldade de cumprir a meta do ano em curso) sempre acena com o compromisso de cumprir a meta vindoura, com “perseverança da política monetária”, e se as metas estiverem distantes, geralmente causadas por fatores externos [em 2020 veio a Covid-19, que derrubou a economia, sobretudo os preços dos combustíveis, mas explodiu os preços dos alimentos, mas não impediu o cumprimento da meta; já em 2021, o prolongamento da Covid no Brasil, mas com a retomada da economia no mundo e no país, os preços dos combustíveis dispararam].Nova disparada veio em 2022 com as consequências da invasão da Ucrânia pela Rússia. Vários fatores fogem à influência do Banco Central, cuja “resiliência” na “perseverança” do “cumprimento das metas de inflação” termina por gerar anemia econômica.

É contra esses sintomas, cada vez mais agudos, que o presidente da República, lideranças da indústria, do comércio e dos trabalhadores, cujos empregos estão ameaçados pela desaceleração geral da economia e pelas paradas nas montadoras de automóveis, com fortes efeitos na cadeia de fornecedores, critica a imobilidade e a pouca disposição do Banco Central para o diálogo.

Com trocas, Lula terá 25% do Copom

Jair Bolsonaro tinha uma ideia fixa. Intervir no Supremo Tribunal Federal para aplicar à vontade medidas que feriam a Constituição de 1988, da qual o colegiado de 11 ministros do STF é o grande guardião. Como não conseguiu “fechar” o STF, com “um jipe e um cabo”, como alardeou em 2018, seu filho 02, Eduardo Bolsonaro, que se elegeu o deputado federal mais votado por São Paulo (em 2022 sua votação desidratou em 1 milhão de votos), Bolsonaro imaginou ir tomando o Supremo pelas “beiradas”.Nomeou dois ministros de sua inteira confiança. E dizia “ter 20% do STF”. Isso levando em conta que o voto do presidente era o “voto de minerva”, para eventual desempate. Se fosse reeleito, este ano teria 40% do STF e, breve, a maioria. Só que o eleitor preferiu a Democracia.

Lula pensa de modo semelhante em relação ao Banco Central. Além do presidente, Roberto Campos Neto, cujo mandato vai até 31 de dezembro de 2024, há oito diretores. Dois mandatos venceram em 28 de março, mas os dois diretores, que permaneceram no cargo até 23 de março, ainda votaram na última reunião do Copom. Os nomeados após a independência, ficam até dezembro de 2025, como o diretor de Política Econômica, Diogo Guillen, atualmente acumulando a diretoria de Política Monetária, e Renato Dias Gomes, da diretoria de Organização do Sistema Financeiro. E quem estava na diretoria na Lei da independência fica até dezembro de 2024.

Em acordo com Haddad, Lula escolheu o economista Rodolfo Fróes para a Diretoria de Política Monetária, considerada uma das mais importantes do BC e que tem relação direta com o mercado financeiro, onde ele atuou em várias instituições, inclusive no Banco Fator com o secretário executivo da Fazenda, Gabriel Galípolo. Para a Diretoria de Fiscalização foi escolhido o servidor de carreira do Banco Central Rodrigo Monteiro. Isso garante 25% dos votos.

Em janeiro de 2025, Lula poderá ter indicado mais de 50% dos diretores que integram o Copom, além do novo presidente do Banco Central, no lugar de Roberto Campos Neto. Sob a autonomia do BC, Guillen e Renato Dias Gomes cumpririam mais um ano. Só em 2026 o atual governo teria 100% do BC. O problema é o país resistir até lá se o Banco Central não afrouxar o garrote monetário.

Qualquer semelhança, é…

Não fiz a comparação do “Conselheiro Acácio” em relação à direção do Banco Central à toa, ou de implicância. Vejam a definição do próprio Eça ao personagem: “um homem alto, magro, vestido todo de preto”. Pesquisem imagens de RCN: seguindo o figurino dos banqueiros, traja sempre um terno preto, variando para o marinho escuro. Só inova nas gravatas, coloridas. Sem elas, enverga paletós escuros.

Aqui vejo mais semelhanças. Eça dizia que ele se expressava “com chavões e elaboradas frases vazias e citava muito. Com gestos sempre medidos e cerimoniosos, jamais usava palavras triviais”. As atas do BC são difíceis e enviesadas, tal o abuso do “componês”, mais impenetrável que o “economês”.

Nomeado Conselheiro de Sua Majestade Fidelíssima por Carta Régia de D. Luís I de Portugal, sempre que dizia El-Rei, erguia-se um pouco na cadeira. O “Conselheiro Acácio” era um moralista, com constantes declarações a favor da sã moral e dos bons costumes, que faziam dele um público paladino da família e das virtudes cristãs. [RCN foi eleitor e fez campanha para Jair Bolsonaro].Tinha sido feito Cavaleiro da Real Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, em atenção aos seus grandes merecimentos literários e às obras publicadas, de reconhecida utilidade, no campo da economia política. Era autor de: “Elementos Genéricos da Ciência da Riqueza e Sua Distribuição”, com o subtítulo “Segundo os Melhores Autores”. Nisto o Copom não terceiriza.

Dor de cabeça à vista

Abril terá pressão de reajustes dos remédios. Segundo estimativa do Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos), o reajuste anual definido pela CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos) sobre o preço dos remédios deverá chegar até 5,6%. O impacto vai se juntar à apropriação mensal do reajuste de 15,5% dos Planos de Saúde, aprovado em maio de 2022. Portanto, teremos nova pressão em dois meses.

GILBERRO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL Do BRASIL” ( BRASIL)

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