Eduardo Cunha, espelho de atuação do presidente da Câmara, criou sistemática de engravidar Medidas Provisórias com assuntos esdrúxulos, escreve Costa Pinto
“Jabuti em cima de árvore?”, reza o aforismo antes de trazer a resposta emblemática: “ou foi enchente, ou foi mão de gente”. A sabedoria popular brasileira explica com simplicidade o que está em jogo em Brasília na Batalha de Itararé convocada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) contra o Senado e seu presidente, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) tendo por pano de fundo o rito de tramitação das medidas provisórias.
O parlamentar alagoano, que em apenas três mandatos (cumpre o primeiro ano do quarto) saiu dos alçapões do baixo clero do Congresso para a presidência da Mesa Diretora que preside com ares de autocrata que a todos humilha e destrata, e de quem parece que sempre ouvimos o solfejo “o Estado sou eu, o Estado seu…”, como se fosse um Luís XIV de hospício, deseja conservar e ampliar um poder excepcional concedido a si pelo acaso trágico da pandemia por coronavírus: o de manipular, encurtar ou esticar prazos, impor ou travar temas, nas medidas provisórias.
Instituídas pelos constituintes de 1987/88, tais medidas foram inscritas na Constituição brasileira para sepultar os famigerados decretos-lei das ditaduras de Getúlio Vargas (1930-1945) e dos militares (1964-1985). Tanto nos períodos dos ex-presidentes Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, quanto durante o primeiro mandato do presidente Lula, em 2003, há 20 anos, portanto, as Medidas Provisórias passaram por alterações que mexeram em seus tempos de vigência, obrigação de votação pelos congressistas e rito legislativo. Jamais o debate em torno das MPs se converteu, em quaisquer ocasiões, em ferramenta de chantagem da Câmara contra o Poder Executivo, em bucha de canhão na guerrilha de poder entre os presidentes das Casas do Congresso ou em desculpa para impor derrotas ao Governo de plantão, expondo-o.
Sob Arthur Lira, que está sentado num paiol de pautas-bomba contra o Palácio do Planalto e atua no Parlamento apontando um mosquete espalha-chumbo voltado para o gabinete do presidente do Senado, a discussão do rito de tramitação das medidas provisórias se converteu em tudo o que nunca havia sido. E por que?
Ora, porque Arthur Lira aprendeu com o seu professor de “Filosofia Derrogatória da Política” que nada brilha mais em Brasília do que um diamante opaco guardado num quarto escuro e sob vácuo. Submetidas a uma tutela errada, as medidas provisórias formam o ambiente do quarto escuro sem ar. Os diamantes opacos são os jabutis – assuntos desconexos dos temas centrais das MPs, ou temas colaterais a elas cujo potencial de ganho não se enxerga a olho nu (porém, os olhos dos operadores legislativos – e Lira é uma casca tosca que esconde sofisticado operador legislativo – nunca têm os olhos nus. Usam lupa de microscópios para tudo).
É até razoável, em nome da economia ritual e até da “economia processual”, como gostam de dizer os operadores do Direito, que se encolha o tamanho das comissões mistas nas quais as MPs começam a ser debatidas no Congresso. Um Comissão com 6 deputados e 3 senadores, por exemplo, ou 8 deputados e 4 senadores, tem representatividade e legitimidade para analisar as medidas que emanam do Executivo sem nenhum prejuízo para o Legislativo. Estabelecer prazo máximo de discussão das MPs nessas comissões, o que joga a favor do Executivo e de seus interesses legítimos, também é razoável. Obrigar a Câmara a enviá-las ao Senado com tempo suficiente para debate e eventuais modificações, idem – o Senado é a Casa Revisora, a Câmara Alta, de nosso Congresso. Não pode, não deve e nem nasceu para ser carimbador de vontades autocráticas de um “Rei Sol” talhado a faca no litoral e nos sertões de Alagoas.
Em Brasília, não dá para não ter lado em um debate. O lado correto para se estar nessa discussão da Alta Política é virado de costas para Arthur Lira e velando pela Constituição e pela vontade dos constituintes originários. O presidente da Câmara não quer jogar luz sobre as Medidas Provisórias. Ao contrário, quer fabricar escuridão e silêncio para seguir promovendo a tenebrosa escalada de jabutis em árvores.
LUIS COSTA PINTO ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)