A crise bancária nos Estados Unidos levou o presidente Joe Biden a fazer um pronunciamento à nação para tentar tranquilizar os investidores, afirmando que o “sistema bancário do país é seguro”, após as falências do Silicon Valey Bank e do Signature Bank, e vários outros despencarem nas bolsas, como o First Republic Bank, cujas ações caíram 70% diante do temor de novas quebras.
O Federal Reserve Bank criou uma linha de liquidez extraordinária para proteger os depositantes, mas o risco de uma crise sistêmica, que já afeta a economia real, pode levar o Fed a rever a trajetória de alta dos “fed funds” que deveriam saltar de 0,25 ponto percentual para 0,50 p.p. na reunião do próximo dia 22, o que pode ajudar o Copom, que se reúne no mesmo dia, a projetar o horizonte da política monetária. Sobretudo depois que o governo Lula apresentar o esboço do ajuste fiscal.
A gravidade da situação, que atinge profundamente os bancos regionais, muitos deles envolvidos em arriscadas operações com criptomoedas, fez o site do “New York Times” dar, além da manchete, com foto do presidente Biden, um total de seis chamadas no terço superior na manhã de hoje. Além do First Repúblic, as ações da Charles Schwab estão derretendo 10%. As ações do Bank of America registravam queda na faixa de 4%, numa jornada em que o S&P 500 registrava baixa de 0,19% por volta das 11 horas (horário de Brasília).
Lembro que, semana passada, em depoimento no Senado americano, onde a questão da trajetória dos juros futuros era o foco dos senadores, o presidente do Fed, Jerome Powell, voltou a bater duro sobre os riscos das transações com criptoativos. Lá, grandes instituições financeiras, como o SVB [confesso que quando vi as iniciais do banco, semana passada, achei que era um novo modelo de automóvel SUV], e o Signature, deram com os burros n’água.
Agora, imaginem aqui no Brasil, onde as pessoas são bastante leigas em matéria de investimento financeiro, quantos golpes e pirâmides financeiras não são montados em cima de promessas de retorno de criptomoedas?
Os casos de espertalhões presos pela polícia por envolvimento com igrejas (caso do “faraó dos bitcoins” de Cabo Frio-RJ), com cantores sertanejos e jogadores de futebol (como revelou ontem o “Fantástico” no calote de R$ 6 milhões sofrido pelo ex-jogador do Palmeiras Rodrigo Scarpa, atualmente na 2ª divisão do futebol inglês), que seguiu a “dica” do ex-colega, agora no Fluminense, William “Bigode”, e viu os ganhos da transação e dos prêmios conquistados em 2022 sumirem, estão aí para mostrar os riscos de um mercado que nunca levei a sério aqui nesta coluna, por falta de transparência..
Focus vê IPCA de 4% em março e abril
A pesquisa Focus do Banco Central, encerrada 6ª feira e divulgada hoje, traz a aposta na continuidade de queda da inflação. Após o soluço sazonal de fevereiro, quando o IPCA subiu 0,84% (0,53% em janeiro) devido à forte pressão dos reajustes anuais da Educação (6,28%) e dos combos de comunicação, o mercado apontou nova queda do IPCA para março: 0,70%.
Como a taxa foi recorde (1,62%) em março do ano passado, com os fortes reajustes dos combustíveis devido aos impactos da invasão da Ucrânia pela Rússia, a taxa em 12 meses, que estava em 5,60% em fevereiro, deve cair a 4,64% em março e ficar neste patamar em abril: o mercado espera alta de 0,60”, bem inferior aos 1,02% de abril de 2022. Com isso, o IPCA de 12 meses desceria a 4,20%.
Mas a leitura do Relatório Focus fornece outros bons indícios de desaceleração da inflação, mesmo com aumento de 5,90% para 5,96% na projeção do IPCA deste ano. É que nas previsões dos últimos cinco dias úteis (que assimilam os últimos fatos), a taxa cai novamente para 5,90%. E a explicação vem da revisão das projeções dos preços de bens e serviços administrados (aqueles que foram derrubados pelos cortes de impostos no 2º semestre de 2022 – de julho a setembro houve deflação de 1,32% no IPCA – e agora estão sendo reonerados em bases inferiores às previstas: embora a média semanal dos PA tenha aumentado de 9,05% para 9,13%, as apostas dos últimos cinco dias úteis caíram para 8,90% (e na semana passada chegaram a subir a 9,20%).
O efeito mais sensível (antes da crise bancária nos EUA) foi nas projeções de juros e inflação. Para 2023, o mercado manteve a projeção da Selic em dezembro em 12,75% (queda de 1 p.p. frente aos 13,75% atuais). O IPCA de 2024 foi mantido em 4,02% (e baixou para 4,00% nas respostas dos últimos cinco dias úteis), enquanto a previsão da Selic, mantida em 10%, caiu para 9,75% nas apostas de 37 instituições nos últimos cinco dias úteis.
As visões de mercado
Vejam vocês, caros leitores, como há visões distintas no mercado. Ao analisar o resultado do IPCA de fevereiro, o Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Brasil assinala esperar “que a inflação acumulada em 12 meses siga desacelerando até o final da primeira metade do ano, acumulando alta de 5,94% em 2023”, justamente porque o 2º semestre terá mais pressão. Mas o Bradesco é o mais otimista quanto à Selic: 12,25% em dezembro de 2023 e 9,50% em dezembro de 2024, quando o IPCA seria de 4,02%.
Já o Departamento de Estudos Econômicos do Itaú reviu de 6,3% para 6,1% a previsão do IPCA deste ano, quando a Selic fecharia em 12,50%. Para 2024, espera inflação de 4,2% e a Selic em 10%.
Já a LCA Consultores já está prevendo alta de apenas 0,65% no IPCA de março, pelo “alívio esperado via diluição de boa parte das pressões de Educação, bem como pela descompressão em Comunicação, já que o momento mais intenso dos reajustes de telefonia celular e de TV por assinatura terá ficado para trás. Também merece menção, a manutenção das taxas bem-comportadas do grupo Alimentação e bebidas”.
Os preços monitorados – que estão sendo afetados pela reoneração de impostos federais e do ICMS, em bases inferiores à anteriores a junho de 2022 – deverão subir 1,77%. Para o ano, a LCA espera “uma alta de 5,7% do IPCA”
A Genial Investimentos reconhece que o calendário de 2023 confrontado com o de 2022 vai favorecer a desinflação neste 1º semestre. Entretanto, sua previsão é de uma alta de 0,85% (0,20 p.p. acima do que prevê a LCA) para o IPCA de março. Como a taxa foi de 1,62% em março de 2022, a inflação em 12 meses ainda cairia para a faixa de 4,8%.
Mas a gestora chama a atenção que “a partir do 2º semestre, o oposto será observado com o fim dos efeitos deflacionários das desonerações aprovadas no último ano sobre o acumulado em 12 meses, levando a dinâmica de preços para uma trajetória altista”.
E volta a bater na questão da meta de inflação (que saiu temporariamente, pois o foco do governo sempre foi reduzir os juros) e até insinua aumento da Selic.
“Além disso, a ofensiva recente de alguns atores do governo contra as reformas feitas nos últimos anos, mais notadamente a independência do Banco Central e a redução da meta de inflação para 3,0%, vem tendo como resultado a desancoragem das expectativas de inflação para vários prazos, o que dificulta enormemente o processo de desinflação em curso. Isso deve levar a autoridade monetária a manter a taxa Selic em 13,75% durante todo o ano de 2023 ou forçá-la até a aumentar os juros”.
Os números da Focus não mostram essa “desancoragem”.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)