Era eu redator do diário “O Globo”, no Rio de Janeiro, quando explodiu em Lisboa, durante a primavera na Europa, a romântica Revolução dos Cravos, na manhã de 25 de abril de 1974, com tanques e soldados, liderados por capitães, a ocupar os pontos estratégicos da capital lusitana, dando início à democratização de Portugal. Foram depostos, naquele mesmo dia, o Presidente da República, Almirante Américo Tomás (1894 – 1987), e o Presidente do Conselho de Ministros, Professor Marcello Caetano (1906 – 1980) – ambos viriam exilados, em seguida, para o Rio de Janeiro.
Quase 19 meses depois, no dia 20 de novembro de 1975, morreria, em Madri, o Generalíssimo Francisco Franco, aos 83 anos, e a Espanha restabeleceria o regime da Monarquia, ao coroar o Rei Juan Carlos I de Borbón, atualmente, com 85 anos. Floresceria nos primeiros meses de 1976 o deslumbrante destape democrático espanhol que conduziria às eleições livres. Portugal e Espanha estariam nos próximos anos, no foco de toda a mídia mundial.
Foi então que convenci meu querido Editor Internacional de “O Globo”, Guilherme da Cunha, a enviar-me como correspondente do jornal para a Península Ibérica – região pela qual sou ainda hoje apaixonado e, à época, embora jovem, me tornara especialista. Sou filho de pai espanhol, originário da província galega de Pontevedra, e, por isso, desde criança fui familiarizado com o castelhano e, também, com o idioma galego. Ao chegar a Madri, comecei a acompanhar, imediatamente, a efervescência política e cultural do momento e os golpes e contragolpes que se sucediam em Lisboa. Fui residir num pequeno apartamento, num edifício recém-construído, emblematicamente, à Calle de Viriato, número quatro, perto da Avenida de Trafalgar, e não muito longe da Gran Via e das glorietas, chamadas de rotundas em Portugal, Quevedo e Bilbao.
Viriato era emblemático, para mim, porque sabia tratar-se do heroico ibérico, nascido na ancestral Lusitânia, no ano 181 antes de Cristo, que resistiu à expansão romana na Península. O personagem histórico dos dois países me inspiraria na missão de cobrir os acontecimentos que pipocavam em Madri e Lisboa. Cheguei, certa vez, numa determinada manhã, ao tomar conhecimento da queda do governo do socialista português Mário Soares (1824 – 2017), a pegar um táxi na Gran Via e perguntar ao motorista: “Você pode me levar para Lisboa agora?” O homem assustou-se. Mas acabou concordando. Eu tentara um voo ou um trem, porém, os horários retardariam muito minha deslocação à metrópole portuguesa.
Desembarquei, no final da tarde, do táxi negro, característico, então, de Madri, e fui direto para o Palácio de São Bento, sede da Assembleia da República, no qual os deputados discutiam a sucessão de Soares. Lembro que um colega português questionou como consegui um táxi em Madri para vir a Lisboa. Respondi, brincando, que, como Viriato, estava, simultaneamente, em Portugal e na Espanha. Onde o dever o convocasse. Viriato é, sem dúvida, o herói comum das duas nações que durante séculos disputaram territórios em todos os continentes. Sobretudo nas Américas. O Tratado de Tordesilhas, de 1494, contemplava a Coroa de Avis com apenas uma estreita faixa de terra, ao Sul do hemisfério, transformada no imenso Brasil de nossos dias, graças aos valorosos e destemidos portugueses, aqui denominados Bandeirantes, comandantes das Entradas e Bandeiras. Devemos a eles, inclusive, a anexação da região amazônica – sacramentada, em 1750, pelo Tratado de Madri.
Mudei-me de Viriato, ainda em 1977, transferindo-me para uma boa cobertura no bairro de Arguelles, à Calle de Guzmán el-Bueno, herdada do correspondente de “Veja” na capital espanhola, Eric Nepomuceno, que fora trabalhar na Cidade do México. O novo endereço não era distante da Calle de Viriato, que, para mim, esteve no centro da democratização da Península Ibérica.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTGAL)
ALBINO CASTRO é jornalista e historiador