Contribua usando o Google
No frigir dos ovos, foi uma boa aula de Haddad para três entrevistadores perspicazes, embora dois deles muito viciados na lógica de mercado.
Assisti parte da entrevista de Fernando Haddad à CNN. Não vi por inteiro devido ao atraso da entrevista e o início do meu programa às 20:00.
Algumas observações sobre o que ouvi:
Foi dito que, graças à independência do Banco Central, a transição de governo foi tranquila no mercado, ao contrário de outras transições.
A transição de Fernando Henrique Cardoso para Lula foi acompanhada de um terremoto no mercado, e não propriamente pela falta de independência do BC. Com FHC, o BC era dono do pedaço.
O que ocorreu naquele período foram dois erros crassos do BC: a combinação da “marcação a mercado” com a tentativa de colocar um pacote combinando papéis cambiais e títulos pré-fixados.
Com o mercado ansioso por hedge cambial, o BC supunha que desovaria os papéis pré-fixados. O que aconteceu foi o contrário. O mercado comprava o pacote, ficava com os cambiais e vendia os pré-fixados. Como consequência, caiu o preço dos pré-fixados.
Acontece que a marcação a mercado obrigava o gestor de fundo a definir diariamente o valor dos papéis. O pré-fixado tem um valor de resgate definido. Assim, quando aumentam as taxas de juros do mercado, cai o valor do papel, para aumentar a diferença em relação ao vencimento. Caindo, pela primeira vez os clientes de fundos de investimento em renda fixa viram seu patrimônio dissolver. Foi um pânico geral. E não foi por falta de independência do BC.
Outro ponto interessante foi a insistência de Raquel Landim e William Waack em repetir os dogmas de mercado, de que primeiro o governo precisa mostrar consistência fiscal para depois o BC baixar os juros.
Haddad citou Oliver Blanchard, o ortodoxo que descobriu a realidade.
Qualquer observador empírico saberia que:
- Taxa de juros elevadas derrubam a atividade econômica.
- Derrubando, reduzem a receita fiscal.
- Reduzindo, impedem o ajuste dos gastos primários, além de aumentar a dívida pública.
- Logo, política monetária e fiscal têm que caminhar de mãos dadas.
É inacreditável que um silogismo tão óbvio tenha levado décadas para penetrar na cabeça do mainstream e mudar as avaliações sobre as expectativas na economia.
Obviamente, por não ser da área, Waack não soube responder ao desafio de Haddad: como aguardar o equilíbrio fiscal para baixar os juros se, sem baixar os juros é impossível o equilíbrio fiscal?
O terceiro ponto foi a enorme bobagem com a suposta hipersensibilidade do mercado. Segundo Waack, o risco Brasil é mais alto porque o presidente da República critica o presidente do BC.
Sem criticar diretamente Campos Neto, Haddad mostrou o ambiente de polarização política e a exigência de que um BC independente tenha diretores com total isenção política. E Campos Neto foi votar com a camisa verde-amarela, própria dos eleitores bolsonaristas.
No frigir dos ovos, foi uma boa aula de Haddad para três entrevistadores perspicazes, embora dois deles muito viciados na lógica de mercado.
Pelo menos no período que assisti, não respondeu à questão essencial. Mesmo que Campos Neto seja convencido das metas fiscais do governo, o processo de redução da Selic será extremamente lento. Os mais otimistas estimam uma queda de 0,5 a cada 45 dias.
Não terá o menor efeito sobre a atividade econômica, nem para desviar a nau Brasil do iceberg da crise que vem pela frente.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)