O EQUADOR SOBRE A ILHA DE SÃO TOMÉ

  • Festeja-se em todo universo das letras lusófonas, neste 2023, as duas décadas do lançamento do soberbo romance histórico “Equador”, de autoria do jornalista Miguel Sousa Tavares, hoje, com 70 anos, nascido no Porto, filho da extraordinária poeta Sophia de Mello Breyner Andresen (1919 – 2004), natural também do Porto, primeira mulher a receber o Prêmio Camões – troféu outorgado em 1999. “Equador” chegou às livrarias em maio de 2003, meses antes, portanto, da morte de Mello Breyner Andresen, sendo considerado, inclusive por mim, o romance mais relevante em língua portuguesa no século XXI – mesmo levando em conta dois outros destacados escritores atuais da Lusofonia: o moçambicano Mia Couto, de 67 anos, e o angolano José Eduardo Agualusa, de 62 anos, igualmente, vencedores do Prêmio Camões.
  • Sousa Tavares, por ironia, ainda não conquistou o galardão – instituído em 1989. Verdadeiro roman fleuve, como definem os franceses as obras de grande fôlego, o livro é ambientado nas Ilhas de São Tomé e Príncipe, na costa Atlântica das Áfricas, constituindo, a partir de 1975, depois da Revolução dos Cravos, uma república independente. As duas ilhas eram outrora importantes produtoras de cacau – rivalizando com o Sul do estado brasileiro da Bahia. Ambas integram um dos cinco arquipélagos descobertos e povoados pela Coroa de Lisboa, no século XV, que formam a Macaronésia, juntamente com a Madeira, Açores, Cabo Verde e Ilhas Canárias
  • . O socialista Mário Soares (1924 – 2017), maior liderança do movimento de 25 de Abril de 1974, bateu-se, em vão, para que São Tomé e Príncipe, onde esteve confinado, durante a época salazarista, bem como Cabo Verde, continuassem lusitanas. Canárias já eram espanholas desde 1480.  O escritor tripeiro, articulista político do semanário lisboeta “Expresso”, do qual fui correspondente, na década 1980, em Roma, revive o derradeiro período do Império Colonial e o dramático “regicídio” que mataria, aos 45 anos, o Rei Dom Carlos I, O Diplomata, e sua família, no dia 1º de fevereiro de 1908, no Terreiro do Paço, coração da capital portuguesa, por republicanos de ideologia anarquista.
  • Dom Carlos I foi o penúltimo monarca lusitano. Ele era bisneto do legendário Dom Pedro (1798 – 1834), que, cá, é O Libertador, com o título de Primeiro Imperador, e, em Lisboa, é Quarto, sob o epíteto de O Rei Soldado. A obra de Sousa Tavares está traduzida para mais de 10 idiomas e vendeu cerca de 400 mil cópias. Teve enorme repercussão fora da Lusofonia. Principalmente na Itália, França e Holanda. “Equador” foi publicado no Brasil pela Editora Nova Fronteira no ano seguinte ao lançamento em Lisboa. O que chama atenção na narrativa é o cruzamento de personagens de ficção, como o protagonista Luis Bernardo, com elementos reais – a exemplo de Dom Carlos I. Luis Bernardo é advogado e é convocado ao Palácio de Vila Viçosa, no distrito alentejano de Évora, para o desafio de se tornar Governador das Ilhas de São Tomé e Príncipe – onde acabaria no centro de conspirações e intrigas dos proprietários das roças de cacau por começar a tomar a defesa dos trabalhadores rurais, provenientes, quase todos, de Angola.  
  •  Terminaria por se envolver também com a esposa do diplomata inglês enviado de Londres para vigiar se havia, nas ilhas, escravos. A questão da ‘escravidão’ e seu caso amoroso conduziriam Luis Bernardo ao desespero. Sousa Tavares retratou, de modo irretocável, os últimos anos dos portugueses em África. Que testemunharam, dia após dia, o continente descoberto pelos lusos passar ao controle da Inglaterra e França.        

ALBINO CASTRO ” PORTUGAL DE FATO” ( BRASIL / PORTUGAL)

Albino Castro é jornalista e historiador

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