RELAXA, NA AMERICANAS VOCÊ RACHA (O PREJU)

MIGUEL PAIVA

Se as “inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões em créditos não declarados em balanços não tivessem sido divulgadas dia 11 de janeiro pelo então CEO Sérgio Rial, a Americanas, certamente seria a patrocinadora “master” do Big Brother Brasil 23 e, como no ano passado, o bordão “relaxa, na Americanas vocês acha”, que o meu neto, José, então com 4 anos, repetia para a avó, quando ela demonstrava preocupação, estaria sendo repetido à exaustão.

Mas a história mudou. A Americanas obteve Recuperação Judicial em 19 de janeiro na 4ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Estados do Rio De Janeiro, onde tem sede. A dívida total já foi revista para R$ 47,9 bilhões, sendo pouco mais de R$ 15 bilhões junto a um grupo de oito bancos. É claro que os vencimentos são escalonados de 30 dias até mais de cinco anos. No patrocínio do BB, entrou a argentina Mercado Livre, que deve crescer mais no vácuo da Americanas e fustigar as outras ponto.com do comércio.

Na 5ª feira, 16 de fevereiro, na 1ª reunião com os bancos credores, os representantes do trio de referência do controle da companhia, os bilionários Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, apresentaram um plano de renegociação compartilhada das dívidas que remete ao teor da carta divulgada ao mercado no dia 22 pelo trio, na qual eles afirmaram que desconheciam as “inconsistências contábeis”, que não foram detectadas por duas auditorias que faziam as revisões contábeis da companhia (a KPMG e a PwC) e muito menos pelos bancos, que receberam regularmente da PwC “de cartas de circularização, utilizadas para confirmar as informações contábeis da Americanas com fontes externas (…) Nem essas instituições financeiras nem a PwC jamais denunciaram qualquer irregularidade”, disseram. Ou seja, procuraram se eximir de responsabilidades e ainda arrolaram os credores como validadores da fraude. As perdas são grandes e podem derrubar o PIB.

Pôquer com grandes jogadores

Parece evidente que a carta foi elaborada por competentes advogados e que já embutia, nas entrelinhas, a proposta ontem apresentada: o trio faria um aporte de R$ 7 bilhões no capital da Americanas, do qual seriam descontados R$ 1 bilhão de empréstimo (DIP) já antecipado para a empresa em RJ, que também seriam transformados em ações. A Americanas ofereceu ainda a recompra de R$ 12 bilhões em dívidas da companhia (com deságio, claro, de uns 60%) e a conversão de dívidas financeiras de cerca de R$ 18 bilhões, sendo uma parte em ações da empresa e outra em dívida subordinada (credores são os últimos a receber em caso de insolvência). Aos credores não financeiros, o desconto pedido gira em torno de 20% do valor das dívidas. Em vez de ouvirem propostas em português ou inglês, a Americanas falou francês: “default”.

Os bancos queriam aporte de R$ 15 bilhões. Os acionistas de referência da Americanas estão tentando puxar a corda para ver quem cede primeiro. A proposta implicaria uma divisão maior que 50% da responsabilidade para os bancos, mas pressupõe que já houve ganhos suficientes no setor financeiro com a rolagem das dívidas da Americanas. Na renegociação de dívidas da RJ, os créditos seriam ainda alongados por mais cinco anos

Só que os acionistas minoritários e os investidores indiretos em papéis de dívida da empresa – de recebíveis a letras de crédito – estavam alheios à gênese dos investimentos. Os primeiros já perderam mais de 87% na desvalorização das ações este ano. Os segundos podem ser surpreendidos por perdas em fundos de renda fixa. Por isso, é fundamental que a Comissão de Valores Mobiliários cobre responsabilidades das Americanas e mais transparência aos fundos e assetes managements.

Quanto aos credores, não têm muita saída, a não ser negociar os próximos passos nesta big mesa de pôquer. Empresas em RJ têm até 60 dias para apresentar um resumo de plano de recuperação judicial, com propostas de pagamento aos credores. Se houver concordância da maioria, a Americanas teria 180 dias, prorrogáveis por mais 180 dias, de suspensão das cobranças pelos credores para poder negociar o pagamento. Dívidas com atraso acima de 90 dias começam a exigir provisões (já feitas pela maior parte dos bancos).

Ações dos bancos credores baixam

Pelo sim, pelo não, as ações dos bancos credores negociadas na B3 abriram em queda hoje. Banco do Brasi, que tem créditos de R$ 1,6 bilhão, perde 0,50%; Bradesco, o maior credor, com R$ 4,9 bilhões, cai 0,86%; o Itaú Unibanco, que teve a dívida elevada a R$ 4,8 bilhões com a participação dos papéis de dívida das americanas nas carteiras dos fundos de investimento geridos pelo Itaú, recua 0,59%.

O Santander, com dívidas de R$ 3,6 bilhões, perde 0,51% na B3 e o BTG Pactual, que chegou a garantir em liminar a compensação de R$ 1,2 bilhão depositados pela companhia, mas depois teria se comprometido a dar mais crédito à empresa, teve a maior baixa na abertura: 1,45%.

Para ficar bem, zerar dívidas trabalhistas

Dentro da estratégia de ficar bem na fita e compartilhar responsabilidades com os bancos, os advogados responsáveis pela RJ da Americanas propuseram ontem à 4ª Vara Empresarial do TJ-RJ quitar R$ 192,5 mi em dívidas trabalhistas e com pequenos fornecedores (MEIs, sobretudo).

Americanas pode derrubar mais o PIB

No último trimestre do ano passado, segundo o IBC-Br de dezembro, que teve avanço de 0,29% sobre novembro (a queda daquele mês foi revisada pelo IBGE de -0,55% para -0,77%, o que explica a recuperação em dezembro, interrompendo quatro meses de baixas seguidas, o indicador antecedente do PIB do Banco Central teve recuo de 1,46%, mostrando que o alto nível real das taxas de juros está esfriando a economia. A crise da Americanas agrava tudo.

A LCA Consultores estima que o PIB do ano passado (a ser divulgado pelo IBGE em 2 de março) vai fechar com o mesmo avanço de 2,9% apresentado pelo IBC-Br após ter alcançado alta de 3,60% nos 12 meses terminados em setembro. Isto representa forte desaceleração. E que pode se acentuar com os rescaldos da Americanas; o BNDES, que está estudando linhas de crédito aos fornecedores da gigante do varejo, estima impacto negativo de 0,5% no PIB.

A alta do IBC-Br na margem em dezembro foi bastante impulsionada pela alta mensal de 3,1% na Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), de 0,4% no varejo ampliado. A indústria geral ficou estagnada. A LCA estima que a agropecuária tenha sido mais uma vez negativa em dezembro. A consultoria assinala que o o acumulado do IBC-Br no 4º trimestre (+2,0% sobre dezembro de 2021 e – 1,45% no trimestre) confirma a expectativa de perda de fôlego da atividade no final do ano passado. O carrego estatístico para o 1º trimestre é de -0,07%, e para 2023 de -0,04%.

No acumulado do ano, a indústria teve queda de 0,7%, após expansão de 3,9% em 2021. O setor voltou ao patamar de janeiro de 2009. No varejo houve avanço de apenas 1,0% no ano, a menor alta registrada pela série iniciada em 2017, incluindo o período da pandemia em 2020.

O destaque foi o setor de serviços (na pesquisa mensal restrita do IBGE, bem menos abrangente que nas Contas Nacionais, onde o segmento, que incluiu o comércio, atividades financeiras e de seguros e imobiliárias, representa cerca de 70% do PIB), na PMS, mostrou avanço de 8,3% no ano, puxada pela expansão de 24% nos serviços prestados às famílias devido aos processo de reabertura pós-pandemia e a mudança no padrão de consumo substituindo a compra de bens em lojas pelas compras pela internet (setor de serviços).

Juros nos EUA afeta Brasil

Bastou dois membros do Federal Reserve Board, que este ano estão sem poder de voto no Federal Open Market Committee (FOMC, que inspirou nosso Copom) se manifestarem a favor de alta de 0,50 ponto percentual na próxima reunião do Fed em março, devido à pressão nos preços ao produtor e os dados aquecidos do mercado de trabalho, para o nervosismo aumentar no mercado.

Posições futuras nos mercados, que levavam em conta rolagem de operações com a taxa do Fed caindo a um reajuste de 0,25 p.p., como prega Jerome Powell, presidente do Federal Reserve Bank, foram liquidadas antecipadamente. Houve valorização geral do dólar e baixa nas cotações (em dólar) nos mercados de moedas, commodities e ações da Ásia e Europa.

No Brasil, claro, houve alta do dólar e baixa nas ações das principais empresas, sobretudo nos bancos. Nada a ver com o embate do governo com o Banco Central em torno das taxas de juros (um alta nos EUA) torna mais estreita a margem do Copom para iniciar a redução dos juros que a economia está pedindo. Mas o noticiário insiste em atribuir tudo a Lula x BC.

O trunfo do pré-sal

Em entrevista ontem à “Broadcast”, o presidente da Shell no Brasil, Cristiano Pinto da Costa, diz que o país precisa acelerar as licenças para investimentos em petróleo e gás e correr com o marco regulatório da energia eólica “offshore” (alto-mar), sob risco de o capital que poderia ser investido aqui ir para outros países onde a empresa atua.

Para ele, com os gigantescos campos do pré-sal, onde o petróleo e o gás são extraídos a baixo custo, “os barris do Brasil serão os últimos a serem produzidos no contexto da transição energética porque a produtividade do pré-sal é muito alta. (…). Outras fontes de produção de óleo e gás vão fechar antes devido aos custos mais altos”, disse.

A Shell tem 17 navios-plataforma ativos no país, três já contratados e outros três planejados para serem incorporados no futuro. “Visualizamos mais de 20 unidades de produção até o fim da década”, afirmou Cristiano Pinto da Costa. Mas ele adverte que os “projetos só sairão do papel se o marco regulatório que tramita na Câmara for atrativo para os investimentos previstos pela empresa. A Shell já protocolou no Ibama projetos de eólica offshore para as costas de seis Estados brasileiros, com capacidade instalada prevista de 17 gigawatts (GW).

A Petrobras está se preparando, na gestão de Jean Paul Prates, para intensificar a transição energética. A geração eólica nas plataformas em alto mar é um dos trunfos a serem explorados. Prates, que é profundo conhecedor do mercado de petróleo, entende como poucos de geração eólica. Foi ele que, quando era um dos sócios de uma consultoria de energia projetou no Rio Grande do Norte o maior parque de geração eólica do país (hoje gera 7 Gigawatts), mais que o complexo hidroelétrico de Paulo Afonso, da Chesf.

GILBERTO MENEZES CÕRTES ” JORNAL Do BRASIL” ( BRASIL)

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