LIVRARIA CULTURA, O FIM DE UMA ERA

Aparentemente, o erro fatal da Cultura foi ter minimizado as mudanças na comercialização. Na época da conversa, o jacaré tinha o tamanho de uma lagartixa. Quando ele cresceu, engoliu o mercado convencional.

Conheci Pedro Herz, o dono da Livraria Cultura, em fins dos anos 80. Aos sábados ele colocava algumas mesas em frente a livraria, e tomávamos cerveja e falávamos sobre política e cultura.

Era uma turma de boa prosa, Gilberto Mansur, alguns poetas concretos, Mario Chamie, jornalistas. Durou um bom tempo.

De certa forma, tornei-me amigo dele, de frequentar casa, até o dia que ele propôs montarmos uma série de autores de economia. Na época, euge estava apenas com o DInheiro Vivo, na TV Gazeta e uma boa relação com o Banco Crefisul. O banco patrocinava o programa depois de uma pesquisa que mostrou uma boa penetração junto às esposas de executivos, que administravam o dinheiro dos maridos. Além disso, o presidente do banco era um argentino com profundo conhecimento de música popular brasileira.

O banco era uma sociedade de Henrique Gregori – antigo alto executivo do Commercio e Indústria de São Paulo – com o Citibank. Gregori fez fortuna como sócio brasileiro da Xerox. Depois, montou o Crefisul, mas acabou morrendo em um desastre de automóvel.

Voltando à Cultura, depois que a coleção estava encaminhada, Pedro resolveu mudar unilateralmente as condições de nossa parceria, e a amizade acabou.

Antes de Pedro, a família Herz tinha duas livrarias, uma no Conjunto Nacional, tocada por Pedro, outra em frente a PUC, de seu irmão. Não sei se a divisão entre ambos foi pacífica.

Mas, no período da amizade, deu para perceber a excelência de Pedro como livreiro. Nem se fale de seus vendedores tradicionais, permanentemente atualizados com os lançamentos, sabendo orientar os compradores, mesmo pessoas altamente ilustradas, como o ex-Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira.

Mas Pedro também foi pioneiro no uso da informática. Montou programas para cadastrar todo o estoque, por títulos, autor, gênero. Quando a Amazon começou a venda de livros digitais, conseguiu um sistema concorrente, que permitia a venda digital.

Em um determinado momento, a economia interna explodiu e, com ela, a venda de livros. O BNDES percebeu que havia um bom caminho para diversificação dos investimentos e passou a financiar a expansão das livrarias – transformadas em lojas que vendiam de livros a eletroeletrônicos, nos moldes da francesa FNAC.

Lembro-me do orgulho nacional, de saber que São Paulo já possuía livrarias tão ricas quanto as de Buenos Aires.

A esta altura, o comando da Cultura passou para as mãos de Sérgio Herz, filho de Pedro. E, aí, houve um erro comum em períodos de bonança: o de julgar que a economia sempre continuará crescendo.

Foram montadas megastores em várias capitais. No Conjunto Nacional a Cultura ampliou enormemente suas instalações. Até que veio o baque. A economia caiu, o faturamento não mais cobria o custo dos financiamentos.

Houve uma redução atabalhoada do grupo. Em determinado momento, fez uma operação mal explicada com a FNAC, que queria sair do país. A FNAC pagou para a Cultura ficar com seus despojos, incluindo passivos trabalhistas. Esse dinheiro deu uma sobrevida à Cultura. Nem sei se os passivos trabalhistas da FNAC foram honrados.

De qualquer modo, o clima interno deteriorou-se. O ambiente entre os vendedores degringolou, houve a primeira tentativa de recuperação judicial. E, agora, a livraria tem sua falência decretada. 

Alguns anos atrás, cruzei com Pedro no edifício Copan, onde ele morava. Indaguei se não temia o avanço da Amazon. Fez um muxoxo:

  • Livros digitais não representam nem 10% da venda de livros.

Aparentemente, o erro fatal da Cultura foi ter minimizado as mudanças na comercialização. Na época da conversa, o jacaré tinha o tamanho de uma lagartixa. Quando ele cresceu, engoliu o mercado convencional.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN ” ( BRASIL)

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