COPOM TRAVA QUEDA DE JUROS DO BNDES

CHARGE DE SINFRÕNIO

A turma que defende a infalibilidade do Banco Central, que conquistou independência ante o poder Executivo, em fevereiro de 2021, e reage às provocações do presidente Lula para que o Comitê de Política Monetária do BC (Copom), e se aferra ao cumprimento de metas de inflação que se desenham totalmente furadas pelo 3º ano seguido, (incluindo a imprensa) se assemelha àqueles pastores, que mal conseguem ler, mas asseguram que toda a verdade do mundo está escrita na Bíblia, sobretudo no Antigo Testamento.

A maioria dos pastores nem sabe que há várias versões (e traduções que mudam, não raro, o sentido original do AT) e ignoram o avanço das descobertas científicas, como a da evolução das espécies, comprovada por Charles Darwin e, como as janelas do sistema Windows, foram ganhando novos dados ao longo do tempo, com incríveis descobertas. Mas entre estes, há muitos que juram não ser verdade que o Homem pousou na Lua, em 20 de julho de 1969 (dia em que nasceu meu sobrinho André Menezes Côrtes). Estas pessoas ainda acreditam que a terra seja plana. Mas, deixa para lá.

O que não dá mais para levar em conta como dogmas absolutos na economia são as teorias monetárias ortodoxas. A crise financeira mundial de 2008 fez os Bancos Centrais (que erraram nas prevenções da crise) abrirem as torneiras do crédito ao sistema financeiro. para evitar uma quebra sistêmica, que atingiria a economia real, por falta de liquidez. O dinheiro jorrou por muitos anos, mas a inflação não disparou, nem houve uma expansão descontrolada da economia.

A pandemia da Covid-19 exigiu novas aberturas de torneiras e, mais uma vez, não houve repique de inflação (salvo no Brasil que, adotando o máximo de liberalismo, não cuidou de fazer estoques de segurança, exportou quase todos as colheitas agrícolas em 2020 e teve de importar arroz em setembro daquele ano e soja em grão para extrair óleo comestível).

Estudos mais recentes, considerando o intervalo de 12 a 18 meses para que a política monetária faça efetivo efeito, mostraram que é possível adotar margens de segurança mais estreitas entre os níveis da inflação e das taxas básicas de juros pelos Bancos Centrais, sem que se gere descontrole inflacionário. Mesmo com injeção fiscal, como ocorreu na pandemia. O que não invalida a importância do equilíbrio fiscal como âncora da política econômica.

No Brasil, um dos estudiosos do tema é o economista André Lara Resende, ex-diretor do Banco Central e ex-presidente do BNDES, que defende o abrandamento das taxas de juros para relançar a economia sem risco de inflação. Lara Resende assessorou a candidata Simone Tebet, agora ministra do Planejamento, e participou da equipe de Transição, junto com Pérsio Arida, outro simpatizante de afrouxamento da política monetária, mas ambos recusaram cargos no governo Lula.

Onde Lula quer chegar

Na posse de Aloízio Mercadante no BNDES, ontem, no Rio de Janeiro, o presidente Lula bateu duro no Banco Central, criticando, com razão, a manutenção da taxa Selic em 13,75% (elevada a este patamar em agosto de 2022, quando o governo já tinha baixado, a canetadas, via redução de impostos, os preços da energia elétrica, combustíveis e comunicações), após a escalada dos preços dos combustíveis e fertilizantes em função das retaliações à Rússia pela invasão da Ucrânia, que completa um ano em 28 de fevereiro.

Os juros básicos da Selic subiram de 9,25% para 10,75% ao ano em 2 de fevereiro e novamente em março, para 11,75%, quando houve forte reajuste da gasolina, diesel e demais combustíveis, situação que se repetiu em maio, levando o IPCA a bater em 12,1%. Assustado com a escalada da inflação e do dólar, o Copom elevou a Selic em junho para 13,25%. A inflação acumulava 12% em 12 meses. Se o BC continuasse subindo os juros não derrubaria a inflação e já estariam sepultadas as chances de reeleição de Bolsonaro.

Ante o estrago em suas chances eleitorais, o presidente Bolsonaro trocou o ministro das Minas e Energia e o presidente da Petrobras, interferiu diretamente nos preços críticos da inflação (a gasolina tem o maior peso entre os 377 itens pesquisados pelo IBGE) e criou o megapacote de gastos eleitoreiros, ampliando o Auxílio Brasil de R$ 400 para 600 mensais e ainda distribuindo seis mesadas de R$ 1 mil, a caminhoneiros autônomos e taxistas.

Mas o Banco Central, exercendo sua independência, fez um último movimento de alta em 3 de agosto, para 13,75%, quando os indicadores antecedentes do IPCA (o IPCA-15), já antecipavam a deflação em julho. Com a interferência da equipe de Paulo Guedes na gasolina e preços críticos, houve reversão dos preços e deflação de 1,32% no período julho-setembro, justamente na véspera da eleição. Mas, o presidente não foi reeleito.

A inflação cedeu a 5,8% em dezembro. Estourou a meta de inflação (3,50% + 1,50% de tolerância = 5,00). O Banco Central teve de escrever nova carta justificando o estouro do teto da meta, como em 2021 era de 5,25% e bateu em 10,06%). Em 2020, não houve estouro – o IPCA ficou em 4,52, abaixo do teto da meta de 5,50%, graças à baixa internacional dos combustíveis durante o auge da pandemia. Mas a Alimentação e Bebidas encareceu 14,09%.

A interferência nos impostos dos combustíveis afetou a arrecadação da União, Estados e municípios, criando um rombo na área fiscal. Mas a recomposição dos impostos geraria um forte repique da inflação. Num e noutro caso, contudo, a eficácia da política monetária seria nula. Ou impotente. O mercado, diante, da ortodoxia do BC espera que a Selic encerre o ano entre 12,50% e 12,75%

Copom tem mérito na inflação?

O mercado está estimando que a inflação feche em 2023 no mesmo patamar de 2022. E isso com uma previsão de alta de 8,44% nos preços monitorados (entre os quais os combustíveis e energia). Para 2024, espera-se inflação na faixa dos 4%. Com a Selic em 9,75% ao ano. Dentro deste cenário, o que o juro elevado do Banco Central está conseguindo é apenas desacelerar o crescimento da economia e do emprego.

Quando turbinou a economia para gerar quadro favorável à reeleição de Bolsonaro, Paulo Guedes chegou a dizer que o PIB de 2022 aumentaria 3,5%. Com queda já no último trimestre, a taxa ficará abaixo de 3% (a indústria encolheu 0,7% no ano passado), mas as projeções do PIB para este ano revelaram um enorme tombo para 0,80%. Isso afeta o emprego e as intenções do presidente Lula de relançar a economia em seu governo.

Mais do que isso, o alto nível da Selic (que o ex-presidente do Banco Central e ex-ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse que já poderia ter baixado dos 13,75% na reunião do Copom de 1º de fevereiro), está tolhendo a liberdade do BNDES para flexibilizar suas linhas de crédito, atreladas à Taxa de Longo Prazo (TLP), que está em 6,08%. Se a Selic apontasse para menos de 11% este ano, (num cenário de inflação abaixo de 6%) seria possível descer a TLP do BNDES para 5,32% ao ano na parcela de juros real fixa.

Nesta 3ª feira, o Comitê de Política Monetária do Banco Central divulgou a íntegra da Ata da reunião do dia 1º de fevereiro. Não vi nenhum segredo escondido fora da nota sucinta já divulgada após a reunião. A próxima reunião será nos dias 21 e 22 de março. Se o governo desembrulhar um pouco da política fiscal, será mais fácil o Copom anunciar uma próxima flexibilização.

Imagine Lara Resende no Copom

A surpresa seria a indicação de um economista heterodoxo para o cargo de diretor de Política Monetária, cargo exercido por Bruno Serra, cujo mandato vence em 28 de fevereiro. Embora cada diretor tenha três anos de mandato fixo e independência, a indicação não é exclusividade do próprio Banco Central. O Conselho Monetário Nacional, composto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mais a ministra do Planejamento, Simone Tebet, e o presidente do BC, Roberto Campos Neto, podem examinar o indicado, que terá de passar pelo crivo do Senado.

Eu, particularmente, adoraria que André Lara Resende – que escreveu artigo lapidar hoje no “Valor Econômico” sobre a questão fiscal – aceitasse ser o indicado para mudar o pensamento excessivamente conservador do Copom. Seriam muito interessantes os debates entre ele e Campos Neto, que se notabilizou como operador da Tesouraria do Santander Brasil, ou com o jovem diretor de Política Econômica (com 40 anos incompletos), Diogo Abry Guilllen.

Antônio Ermírio foi banqueiro

E voltando ao discurso de Lula no BNDES. Ele poderia ter usado o exemplo de seu ex-vice presidente, o empresário José Alencar Gomes da Silva, fundador do grupo Coteminas, que criticava seguidamente os altos juros bancários. O presidente Lula recorreu ao falecido empresário Antônio Ermírio de Moraes. Conheci e admirava o estilo espartano do empresário, cuja sala de reuniões em São Paulo era acessível por um tapete de borracha, removível e o escritório tinha móveis funcionais. Nada de ambientes luxuosos, tapetes felpudos e poltronas de couro.

Mas Antônio Ermírio era hipócrita ao criticar os juros bancários (pesavam, é claro no capital de giro e nos descontos de duplicatas), mas o seu grande banco era o BNDE (então sem S, de Social, acrescentado no governo Sarney). Foi o BNDE, no governo Geisel, que lhe deu grandes empréstimos para a Companhia Brasileira de Alumínio (SP), incluindo a construção de hidroelétricas, para a Companhia de Níquel, em Goiás, e para a Votorantim Celulose. Tudo com correção monetária pré-fixada em 20% ao ano. E vale dizer que suas empresas nunca foram às bolsas. O lucro era concentrado.

Quando a inflação saltou dos trilhos, na mudança do governo Geisel para Figueiredo (pressionado pela volúpia gastadora de Delfim Neto, na Agricultura e Mário Andreazza no Ministério do Interior, que usou o BNH, sob seu guarda-chuva para fazer demagogia eleitoral [era candidato a presidente em 1984/85 e cortou dois anos seguidos pela metade a correção monetária das prestações, gerando um rombo bilionário, só acertado no Plano Real), o Tesouro foi criando rombos bilionários. Delfim assumiu no lugar de Simonsen e a inflação passou à casa dos três dígitos. Para financiar o rombo, havia a ciranda financeira do open market, com o giro diário da dívida pública.



A hipocrisia de Antônio Ermírio vinha daí. Enquanto criticava os juros bancários no final dos anos 70 e estava protegido pelos subsídios do BNDE, ele tentou ampliar sua fatia como sócio do Banco Comind, e girava o caixa do grupo no “over night”, a juros de 90% ao mês. Sua aura caiu por terra quando Collor foi eleito e confiscou as aplicações financeiras: o Grupo Votorantim foi pego com a boca na botija, como o maior aplicador fora do sistema financeiro.

Na crise financeira mundial de 2008, o grupo, que já tinha criado um banco próprio (o Votorantim), e era forte nas exportações de alumínio e celulose, teve grande baque com a queda das cotações, em meio à alta do dólar. O hedge do grupo era no sentido inverso (cotações em alta e dólar em baixa). A Votorantim Celulose, quebrada junto com a Aracruz, foi socorrida pelo BNDES (sócio de ambas) que as fundiu na Fíbria (depois, vendida à Suzano, maior produtora mundial de celulose de eucalipto). O banco, sem acesso às linhas de crédito internacional, cedeu, em 2010, 50% do capital ao Banco do Brasil.

GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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