ZÉ LUIZ DE MAGALHÃES LINS, O HOMEM QUE SALVOU A REDE GLOBO

Com a conta da Time Life prestes a vencer, Marinho conseguiu um empréstimo relâmpago de Zé Luiz, e manteve o controle da Globo.

José Luiz de Magalhães Lins foi a fonte privilegiada dos cronistas políticos brasileiros, no período de ouro do Rio de Janeiro – que vai do Rio capital dos anos 50 e a capital política e cultural do Brasil, até os anos 60. Junto com Jorge Serpa foram a grande influência política do período. Serpa morreu anos atrás, Zé Luiz morreu esta semana.

Em 2005, escrevi sobre ambos: o Sombra Serpa e o Lobisomem Magalhães Lins.

Meu primeiro encontro com Zé Luiz – como era chamado por todos – foi em sua casa, uma mansão de tamanho considerável. Pouco saía de casa, mas sabia tudo sobre o mundo político, o mundo bancário e o mundo jornalístico. Contou-me de algumas aventuras amorosas de Otávio Frias Filho no Rio, com bela apresentadora da Globo.

Depois, mergulhou nas histórias bancárias. Foi presidente do Banco Nacional, de seu parente Magalhães Pinto. Modernizou o Nacional, trabsformou-o em um dos maiores bancos brasileiros, mas sempre com problemas de subcapitalização – que levou à sua quebra.

Contou-me que, muitas vezes, trocou chumbo com o Banco Moreira Salles – emprestando para alguém indicado pelo Moreira Salles e indicando alguém para Moreira Salles emprestar.

Foi fundamental financiando o Cinema Novo mas, principalmente, garantindo a Roberto Marinho a Rede Globo.

Contei a história na biografia de Walter Moreira Salles.

O embaixador estava sempre antenado com mudanças que ocorriam na economia mundial, mas tinha especial apreço para imprensa. Foi graças a uma revista que cobria a sociedade carioca – O Sombra – que conseguiu torna-se conhecido do Rio pouco tempo depois de sair de Poços de Caldas.

Depois, percebeu as mudanças no mercado editorial, quando o grupo Times lançou um novo modelo de empresa jornalística, explorando várias revistas temáticas. Montou uma editora, a Erika, que detinha o controle de O Sombra. E adquiriu participação na Última Hora, de Samuel Wainer, peça estratégica do governo Vargas.

Acabou poupado na CPI da Última Hora. E o modelo Times foi seguido, sucessivamente, pela Editora Abril e pela própria Globo.

Mas fez duas tentativas de entrar no novo veículo que surgia, a TV. A primeira, com a própria Globo. Roberto Marinho levantou um empréstimo de US$ 5 milhões, junto à Time Life, que lhe forneceu não apenas o capital, mas o modelo de negócios das emissoras americanas. Para tanto, empenhou até sua casa em Cosme Velho e, principalmente, as ações da própria Globo.

A principal atividade de Marinho, até então, eram os investimentos imobiliários. E um de seus empreendimentos foi a compra do Parque Lage, com Moreira Salles e Arnon de Mello.

Quando Carlos Lacerda assumiu o governo do Rio de Janeiro, meteu-se em uma briga com Marinho e resolveu tombar o Parque. Quando Chagas Freitas foi eleito, Marinho se valeu de suas ligações com ele – e com Delfim Netto em Brasilia – para conseguir o destombamento. Mas não avisou Moreira Salles.

Certo dia, chegou no banco, disse ao sócio que não havia perspectivas de destombamento do Parque e propôs-se a comprar a sua parte, “com um dinheiro que tenho em caixa”. Walther aceitou. Semanas depois vazou a informação do destombamento.

Com a conta da Time Life prestes a vencer, Marinho procurou Walther para conseguir um financiamento que quitasse a dívida. Não conseguiu. Walter entrou em contato com os americanos mas, na véspera de vencer o prazo, Marinho conseguiu um empréstimo relâmpago de Zé Luiz, e manteve o controle da Globo.

Anos depois, tentou montar uma TV em sociedade com o Jornal do Brasil – que tinha uma concessão prestes e vencer. Mas a teimosia de Nascimento Brito impediu o projeto. A idéia era começar a TV com 12 horas de programação, mas Nascimento Brito achou que ficaria em posição inferior à Globo e só aceitaria se houvesse uma grade mais extensa.

Perdeu a grade e a TV.

Coluna de 2005, na Folha

Os jornais e revistas estão inundados de denúncias de lobistas da pior espécie, povo sem a menor qualificação e sofisticação. Coincidiu com minha ida ao Rio de Janeiro, para pegar depoimentos de velhos moradores da cidade para o livro que estou escrevendo.

Mergulhei no Rio fascinante dos anos 40 e 50, conversei com senhores de mais de 70, alguns chegando aos 90. E tive notícias do Lobisomem, o maior dos lobistas, o homem que foi conselheiro de praticamente todos os presidentes desde JK, com a possível exceção de Ernesto Geisel e Itamar Franco.

Já deve ter passado dos 80 anos. Era discípulo de Augusto Frederico Schmidt, o poeta-empresário-advogado que foi a maior influência no governo Juscelino Kubitschek. Lobisomem aprendeu tudo o que podia com o mestre. Quando Jango assumiu, procurou o Sombra -outro personagem histórico do Rio- e manifestou desconfiança em relação ao Lobisomem. Achava que representava o imperialismo internacional, por causa de um emprego que tinha como diretor da Manesmann. Sombra tranqüilizou-o, explicou-lhe que o Lobisomem era um grande filósofo, com ligações estreitas com a Igreja Católica.

Encantado com a erudição alheia, Jango chamou o Lobisomem para conversar. Nunca ninguém resistiu aos encantos do Lobisomem, nem Roberto Marinho, que, durante muito tempo, tinha reuniões diárias e assinou inúmeros editoriais de primeira página em “O Globo”, escritos por ele. Jango tornou-se refém intelectual do filósofo. Não dava um passo sem consultá-lo Aliás, deu um: o desastroso discurso na Central do Brasil, que precipitou sua queda.

Sombra coordenou a campanha do presidencialismo, no plebiscito que devolveu a Jango os poderes de presidente. Um dia estava em sua casa, quando o Lobisomem telefonou-lhe incumbindo-o de uma missão. “Queria que você fosse a Paris assinar um acordo do Brasil com os países-membros da OCDE.” O Sombra pulou de lado. Era monoglota, não tinha a menor idéia do que se tratava esse acordo. Também monoglota, o Lobisomem tranqüilizou-o: “Não será preciso fazer nada. Já acertei tudo. Só vai precisar assinar e colocar seu nome na história”.

Lobisomem sequer andava de avião. Nunca andou, aliás. Quando precisava se locomover para Brasília, ia de táxi. Ia mensalmente para conversar com Fernando Henrique Cardoso. Quando queria falar com ele, José Dirceu ia ao Rio.

Acontece que, de Schimidt, Lobisomem tinha herdado as relações com o Colégio Santo Ignácio, um grupo de católicos influentes, espécie de maçonaria da igreja. Por caminhos da fé, tornou-se muito amigo do confessor de Charles De Gaulle, um dominicano que tinha relações com o Brasil. Por meio do confessor, conseguiu o acordo com a OCDE.

Nem sei se o Sombra aceitou o convite e colocou seu nome na história do mundo. Na do Brasil colocou lá nos fins dos anos 60, quando garantiu a Roberto Marinho a TV Globo. Visionário, o empresário havia obtido um empréstimo do grupo Time-Life, além de um time de executivos de primeira. Se ficasse inadimplente, o grupo tomaria a TV. Coube ao Sombra garantir um empréstimo de última hora, que permitiu a Marinho pagar o financiamento.

Depois, veio 1964. Carlos Lacerda desceu dos céus como um anjo vingador, jogando sua ira desvairada contra o Lobisomem, que terminou preso. Na cadeia, conheceu militares linhas-duras. De linha dura em linha dura, chegou ao general Emílio Garrastazu Médici. Tiro e queda. Semanas depois, Médici faria um discurso histórico falando da importância do social e coisa e tal, totalmente escrito pelo Lobisomem.

Depois, Lobisomem continuou conversando com o mundo e com todos os presidentes. Armou alguns negócios aqui, muita articulação política ali. Governos foram mudando e ele sempre ali, sendo ouvido. Pintou os cabelos e parece mais novo do que é. Continua freqüentando o mesmo restaurante de 50 anos atrás, no centro do Rio. Mas anda numa pindaíba danada. Os lobistas daqueles tempos tinham tanto prazer em reconstruir o país que alguns deles nem sequer tinham tempo para pensar em dinheiro para si.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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