Minha hipótese nesse primarismo teórico é que a tomada dos prédios dos três Poderes foi confundida por eles como tomada do Poder.
Desde a Grécia antiga, com Platão e Aristóteles, atravessando Roma com o Direito Romano, e a contemporaneidade, a política e o Estado são objetos do estudo de muitos pensadoresSão exemplos, no século XVIII Montesquieu, que modelou o Estado moderno com a divisão entre três Poderes independentes e harmônicos o Executivo, o Legislativo e o Judiciário; ou Hegel no século XIX, que desenvolveu uma rebuscada teoria da evolução social e do Estado que influenciaria Marx e os socialistas…
Outros pensadores abordaram o Estado sob o prisma da revolução, tais como os diversos pensadores do iluminismo francês, concentrados na transição social e, depois deles, Marx, Lenin ou Gramsci. Poderíamos multiplicar os exemplos adentrando no processo de independência dos Estados Unidos e da América Latina e das revoluções e insurreições vencidas no Brasil… Cada um desses movimentos se construiu em bases teóricas que ainda hoje influenciam o cotidiano da política…
Nada se assemelha à tentativa de golpe de Estado vivida pelo Brasil, nem no oito de janeiro, nem no putsch do Silveira…
Falta a essa extrema direita (sorte nossa) a noção sequer do que é o Estado de direito contemporâneo, ente dotado não somente do aparelho estatal mas, como constatou Gramsci, cercado por uma densa rede de trincheiras: a Sociedade Civil.
Não se toma esse Estado sem, primeiro, ter hegemonia na Sociedade Civil, não se toma a Sociedade Civil sem construir consenso, razão porque Gramsci excluiu no Ocidente, desde a terceira década do século XX saídas revolucionárias explosivas no Ocidente…
É verdade que um golpe não é uma revolução, ao contrário se ergue como um movimento reacionário aos avanços que estão historicamente maduros e podem eclodir (aliás esse é um tema crucial para a reflexão dos democratas: o que é que a extrema direita tenta desesperadamente coibir?), mas o conhecimento da natureza do Estado moderno seria importante para qualquer golpista que se preze…
Minha hipótese nesse primarismo teórico que mostra a completa indigência intelectual da extrema direita é que a tomada dos prédios dos três Poderes foi confundida por eles como tomada do Poder. É tão estúpido que é difícil de acreditar, mas a dinâmica do que ocorreu leva a crer que os amotinados pensavam efetivamente que haviam tomado o Poder e que dali, daqueles prédios mágicos, poderiam novamente convocar o mito para a presidência. Uma completa miséria cognitiva. Vale ressaltar que a tomada do Capitólio nos Estados Unidos talvez tenha sido movida pelo mesmo grau de estupidez. Talvez, lá também os revoltosos acreditassem que estavam tomando o Poder.
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A outra inacreditável iniciativa, anterior ao oito de janeiro, é o golpe do Silveira que inacreditavelmente galgou os mais altos escalões da República. Esse putsch do Silveira não somente é um crime, mas é, sobretudo, uma vergonha sob todos os aspectos. De forma simplificada um senador, da tropa de choque do bolsonarismo, tentaria gravar o Ministro Moraes na tentativa de obter pelo menos uma frase que o incriminasse e com magnitude suficiente para permitir a sua prisão (sumária) e depois o cancelamento da posse do presidente eleito (risos).
Dando razão ao Ministro Moraes, tudo foi tão estúpido que qualquer ser humano dotado de um mínimo de bom senso só poderia acreditar tratar-se de boato. A própria crença na veracidade do relato talvez recomendasse uma consulta psiquiátrica. Mas era verdade. E o senador, agente duplo, prevaricou ao não oficializar a denúncia e ao dar a ela ares de boato.
Ao se justificar o senador Marcos do Val alegou que não oficializaria a denúncia por tratar-se de uma questão de inteligência… Os fatos, no entanto, mostraram que em lugar de inteligência foi burrice mesmo, completa e rotunda.
ION DE ANDRADE ” JORNAL GGN” ( BRASIL)
Ion de Andrade é médico epidemiologista e professor e pesquisador da Escolas de Saúde Pública do RN, é membro da coordenação nacional do Br Cidades e da executiva nacional da Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela democracia