O FUTURO DAS RELAÇÕES BRASIL-CHINA

Se Lula agir com cautela, mediando o conflito Rússia-Ucrânia, poderia reafirmar a presença brasileira nas instituições multilaterais

Um estudo do Carnegie Endowment for International Peace prevê uma relação internacional Brasil-China diferente dos dois primeiros governos Lula.

A China aposta em uma relação de alto nível, e a demonstração foi o envio, para a posse de Lula, de uma delegação de peso, comandada pelo vice-presidente Wang Qishan.

Mas as circunstâncias são diversas do primeiro mandato.

Lá, a estratégia consistiu em uma parceria diplomática “entre iguais”, pretendendo uma voz mais equitativa para as nações do Sul Global. Dois países na periferia das instituições dominadas pelo Ocidente, trabalhando em uma cooperação Sul-Sul, como forma de construir uma nova geografia mundial.

Segundo o estudo, Lula foi fundamental para a formação, em 2006, dos BRICS – as economias emergentes do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. No final do primeiro mandato de Lula, o comércio Brasil-China saiu de quase nada para US $60 bilhões.

Em 2009, a China já se tornou o maior parceiro comercial do Brasil, e aportou no Brasil o recorde de US $7 bilhões do Banco de Desenvolvimento da China para o desenvolvimento do petróleo offshore.

O Brasil passou a responder por 47% do investimento estrangeiro direto da China na América Latina. Entre 2010 e 2021, o Brasil recebeu US $22,47 bilhões da China Development Bank e do China Export-Import Bank.

Depois, mudaram as prioridades da China. As dificuldades da Venezuela e Equador em honrar seus empréstimos aumentou a relutância da China como financiador alternativo do desenvolvimento latino-americano, afetando o Brasil. Em 2015 houve o recorde de US $7,5 bilhões em empréstimos chineses ao Brasil. Na década de 2020, praticamente desapareceram.

Segundo a análise, o foco de Xi Jinping, o primeiro ministro chinês, não seria mais o BRI (Iniciativa do Cinturão e Rota), mas o novo programa, Iniciativa de Desenvolvimento Global, não apropriada para um país de renda média alta, como o Brasil.

Além disso, do ponto de vista diplomático, a ação chinesa já é vitoriosa na América Latina. Até algum tempo atrás, 15 dos 33 países da América Latina e Caribe reconheciam Taiwan como país independente. Agora, são apenas 8. Há relações bilaterais fortes e acordos de livre comércio com Chile, Costa Rica, Panamá e Peru.

Outro ponto foi a política externa da China focada, agora, em tecnologia e na capacidade de inovação própria do país. Há interesse da China em participar do estabelecimento de padrões internacionais para as novas tecnologias.

E aí surgem as disparidades com o Brasil, cuja pauta de exportações depende fundamentalmente de commodities. Capitais chineses já se instalaram no país, adquiriram, por exemplo, o aplicativo 99, enquanto a parcela de downloads de aplicativos dos EUA permaneceu estagnada nos últimos cinco anos.

A diferença entre o nível tecnológico de China e Brasil impede o status de “parceiro igualitário” que definiu as relações nos primeiros governos Lula.

Com a guerra tecnológica instalada, além disso, qualquer adesão brasileira a tecnologias chinesas poderá ser vista como hostil aos Estados Unidos, a exemplo da guerra do 5G.

Apesar da crise e do enfraquecimento da economia brasileira, ainda há trunfos que poderão ser manobrados por Lula. Graças às exportações de commodities, o Brasil é a única grande economia latino-americano a registrar superávit comercial considerável com a China.

A guerra comercial China-EUA fez as exportações brasileiras de soja dispararem para a China.

Com financiamento bilateral reduzido, Lula poderá ter acesso ao financiamento chinês através de instituições multilaterais, especialmente após a China ter estabelecido um fórum conjunto com a Comunidades dos Estados Latino Americanos e Caribenhos e fundado o Banco Asiático de Investimento em 2016.

Outra frente será a reafirmação da presença brasileira no BRICS. Se Lula agir com cautela, mediando o conflito Rússia-Ucrânia, poderia reafirmar a presença brasileira nas instituições multilaterais e dar continuidade à política externa multilateral dos anos 2.000.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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