A CIÊNCIA COMO O NOVO MUNDO

Foto: SBPC

Em 1988, Luis Nassif explicava como os físicos já estavam na vanguarda das discussões sobre políticas científicas e tecnológicas

Em 1998, em artigo para a Folha de S.Paulo, Luis Nassif explicava como os físicos já estavam na vanguarda das discussões sobre políticas científicas e tecnológicas. Mais de duas décadas depois, o debate mostra como aquelas escolhas atrás eram urgentes e a contínua necessidade de realocar os físicos e cientistas no centro das políticas públicas. Relembre:

LUÍS NASSIF

Os físicos e o novo mundo

Coluna Mercado, Folha de S.Paulo, 5 de julho de 1998.

No ambiente acadêmico, há quem os considere arrogantes. Eufemisticamente, se poderia admitir que são bastante conscientes de sua forma superior de pensar -e não escondem isso. Embora existam especialidades em sua profissão, jactam-se do oposto, de sua visão sistêmica, “holística”, generalista, conforme gostam de defini-la.

Em geral, ironizam a objetividade sólida do engenheiro e o pretenso saber científico dos economistas. E tratam com solene desprezo os “especialistas”, que não conseguem enxergar além da sua especialização.

Em diversos centros e institutos acadêmicos, a grande revolução científica brasileira vem sendo comandada pelos físicos. Em parte pelo investimento sistemático feito no setor nas últimas décadas, que acabou gerando vários centros de excelência. Em parte, pelos pioneiros que lograram incutir princípios éticos e científicos bastante sólidos em seus discípulos.

Mas, na maior parte, pelo fato de os físicos terem desenvolvido uma forma de pensar superior, muito mais adequada para se locomover em um mundo em constantes transformações, onde caem a cada dia as fronteiras entre as diversas formas de conhecimento -que antes desenvolviam-se de forma estanque, uns dos outros.

Não lhes interessa a parte, mas o todo; não o evento isolado, mas o sistema integrado; não o resultado estático de um experimento, mas a maneira como os fenômenos interagem em si, como se afetam mutuamente, recriando realidades dinâmicas, como o equilíbrio de um tabuleiro de xadrez sendo afetado continuamente pelas peças movidas.

Realidade complexa

Nas últimas décadas, as tentativas de compreensão do Brasil foram subordinadas a uma visão macroeconômica estreita, da qual o exemplo mais ostensivo foi a famosa batalha do Itararé em Carajás -a reunião da equipe econômica com o presidente da República, que resultou em uma série de recomendações que, tivessem sido seguidas, “teriam salvo o Cruzado e o país”. Levaram-se anos para perceber que faltavam pré-condições mínimas para se conquistar a estabilização na época.

Ainda hoje, esse tipo de visão -de que um país se forja na boca do caixa do Tesouro ou na mesa de câmbio do Banco Central- é dominante na opinião pública. O país irá acabar ou estará salvo, dependendo do nível do déficit público, das transações correntes ou da taxa de investimento da economia.

Recente relatório da MacKinsey concluiu que há espaço para aumento da produtividade em mais de 30%, na maior parte dos setores nacionais, unicamente por meio da implantação de novos parâmetros gerenciais, programas de qualidade total, somados à capacidade dos setores de passarem a se articular cooperativamente ao longo da cadeia produtiva.

Quando se entra nesse campo, descobre-se um universo infinitamente mais rico e mais complexo, onde entram o conhecimento, valores gerenciais, relações sociais, articulações políticas, pesquisas etc. e a consistência macroeconômica, é claro.

Economicismo

Em recente debate de que participei acerca dos quatro anos do Real -presentes economistas de oposição e de governo-, a discussão foi monopolizada pelas projeções sobre os déficits público e em conta corrente.

De lado a lado, os economistas caminhavam com desenvoltura em torno de conceitos como grau de déficit público aceitável, nível de investimento necessário para retomar o desenvolvimento etc. Comparavam-se dados de investimento sobre PIB de agora com os dos últimos anos, sem levar em conta os enormes desperdícios ocorridos ao longo dos últimos 15 anos, em obras inacabadas ou superfaturadas, por conta de falta de controle e inflação, descontinuidade na liberação dos recursos orçamentários e tudo o mais que caracterizou os anos 80.

Nenhum dos presentes -eu no meio- tinha a mais vaga idéia, além da observação empírica, sobre como fatores políticos e sociais se entrelaçam, como se cria um ambiente de desenvolvimento, como se reproduzem experiências vitoriosas de articulação da cadeia produtiva, em outras partes do país, qual o peso das mudanças culturais na formação desse ambiente e assim por diante.

Éramos todos contadores, discutindo o balanço, sem a mínima noção acerca da complexidade das teias políticas, sociais e econômicas que definem o processo de desenvolvimento.

Visão sistêmica

É aí que entra a visão sistêmica do físico -perto da qual essa enorme discussão macroeconômica torna-se uma pobreza franciscana. Em nível internacional, ajudaram a ciência econômica a sistematizar novas formas de pensar, com suas contribuições sobre a teoria do caos ou sobre a natureza dos mercados de derivativos.

Não é por outro motivo que, no Brasil, os físicos vêm ocupando cada vez mais cargos-chave e tendo papel central nessa reavaliação de conceitos. Hoje eles estão na vanguarda das discussões sobre a política científico-tecnológica, são os que melhor têm demonstrado entender o novo papel da universidade, e mesmo o fenômeno do desenvolvimento em si. Embora haja chutadores em qualquer profissão, a existência de um físico à frente de determinado órgão é garantia, no mínimo, de uma visão original acerca do problema a ser enfrentado.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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