Uma super manifestação no dia 31, com baderna, sem a contenção por parte da PM de Ibanez, poderá justificar uma GLO (Operação de Garantia de Lei e Ordem).
Peça 1 – a estratégia da simulação
O pensamento militar é fundamentalmente estratégico e voltado para a vitória em conflitos. Nos últimos anos, os estudos incorporaram conhecimentos dos princípios das chamadas guerras híbridas.
Algumas das estratégias mais estudadas:
- Simulação – trata-se de iludir o inimigo com informações falsas, simulando a retirada do campo de batalha ou supostos gestos de paz, enquanto prepara-se a ofensiva.
- A guerra híbrida, “que se caracteriza por uma forma de insurreição envolvente, fundamentada no preceito de que uma vontade política superior, quando empregada corretamente, pode derrotar um potencial econômico e militar muito superior (…) Assim, passaram a ser usadas todas as redes disponíveis para combater, pretendendo-se, em vez de tentar derrotar as forças militares opositoras, destruir a vontade política do adversário, aniquilando a vontade política dos seus decisores e conquistando a população que o apoia ”.
Peça 2 – os estrategistas políticos de Bolsonaro
Uma estratégia consistente pressupõe um plano de batalha e/ou formas de retirada que minimizem as perdas, em caso de derrota.
No bolsonarismo, Bolsonaro é apenas uma figura simbólica. Desde o Twitter do general Villas Boas, a estratégia bolsonarista é eminentemente militar, tendo como estrategista máximo o general Braga Neto. Há suspeitas fundadas, aliás, que a avalanche bolsonarista nas redes sociais, a partir das eleições de 2018, foi articulada pela inteligência militar, dentro do conceito de guerra híbrida.
Os acampamentos nas portas de quartéis foram objeto de uma ação articulada, com o mesmo modelo de atuação, as mesmas rezas, tipos de cartazes, o mesmo modelo de financiamento.
No decorrer das ocupações, em vários momentos Bolsonaro e o próprio Braga Netto criaram expectativas para manter a mobilização.
- No dia 19 de novembro, Braga Netto visitou o Bolsonaro no Palácio da Alvorada. Na saída, abordado por bolsonaristas, pediu que “não perdessem a fé”.
- No dia 10 de dezembro falou para apoiadores: “Muitas vezes vocês têm informações que não procedem e passam a criticar. Tenho certeza de que uma das minhas funções, assegurada pela Constituição, é ser chefe supremo das Forças Armadas (…) Sempre disse, ao longo desses 4 anos, que as Forças Armadas são o último obstáculo para o socialismo. As Forças Armadas estão unidas e seus chefes, assim como eu, devem lealdade ao nosso povo”.
- A Nota Oficial dos comandantes das três armas, ambígua: “A solução a possíveis controvérsias no seio da sociedade deve valer-se dos instrumentos legais do estado democrático de direito. Como forma essencial para o restabelecimento e a manutenção da paz social, cabe às autoridades da República, instituídas pelo Povo, o exercício do poder que “Dele” emana, a imediata atenção a todas as demandas legais e legítimas da população, bem como a estrita observância das atribuições e dos limites de suas competências, nos termos da Constituição Federal e da legislação”, afirmam as Forças Armadas”.
- No dia 17 de dezembro jornais noticiaram que comandantes militares tentaram convencer Lula a tolerar acampamentos. Há indícios eloquentes de que as manifestações contam com familiares de militares.
- Ao mesmo tempo, Bolsonaro simula uma depressão, para reforçar a impressão de que jogou a toalha. Para despertar piedade (e indignação) de seus seguidores, chegou ao extremo de pedir para Valdemar Costa Neto amparar Michelle, em caso de sua prisão, um jogo de cena patético, que foi lido como sinal de rendição.
Peça 3 – o desfecho das ocupações
E, aí, se chega ao busílis da questão: qual a intenção de Bolsonaro, de Braga Netto e dos comandantes militares dando sobrevida aos acampamentos? Nenhum estrategista militar planejaria um ato político dessa dimensão para chegar no dia 31 de dezembro e anunciar que nada ocorrerá.
Transeuntes que passam pelo Eixo Monumental de Brasília notaram, nos últimos dias, um movimento cada vez mais intenso de ônibus chegando. Em algumas redes bolsonaristas, estima-se que, no dia 31 de dezembro, colocarão 3 milhões de pessoas em Brasília.
Exagero, certamente. Mas demonstra claramente a intenção de promover uma aglomeração inédita na capital. E certamente não será para celebrar a Copa do Mundo do Qatar.
A decisão dos três comandantes militares, de não entregar os cargos antes do dia 1º, foi interpretada como sinal de paz com Lula, depois da nomeação de um Ministro da Defesa de suas relações. De qualquer modo, eles estarão no comando das três forças no dia 31 de dezembro e o presidente da República ainda será Jair Bolsonaro.
Finalmente, tem-se a Polícia Militar do Distrito Federal, com atuação mais que duvidosa nos distúrbios passados, passando a nítida impressão de que os baderneiros eram os chamados P2, os espiões da PM atuando.
Uma super manifestação no dia 31, com baderna, sem a contenção por parte da PM de Ibanez, poderá justificar uma GLO (Operação de Garantia de Lei e Ordem).
Pode ser que nada disso ocorra. Mas, houvesse estrategistas militares do lado da democracia, não estariam tranquilos com essa situação.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)