A DEMISSÃO DE JÂNIO DE FREITAS E O CANTO DO CISNE DA FOLHA

Há pouco tempo a Folha dedicou uma página aos 90 anos de Jânio. Esta semana, demitiu-o, por corte de custos.

Meu primeiro contato com Jânio de Freitas foi por volta de 1982, quando chefiava a reportagem de economia do Jornal da Tarde. José Carlos de Assis produziu um conjunto de matérias arrasadoras sobre a Capemi (Caixa de Peculios, Pensões e Montepios Beneficentes) que atingia de morte a propalada honestidade militar. Era uma entidade fundada e gerida por militares.

Durante dias enviei pautas para a sucursal do Estadão no Rio de Janeiro, pedindo desdobramentos do caso. As pautas nunca foram atendidas.

Aí, Jânio, que já trabalhava na sucursal da Folha no Rio, mas ainda não tinha coluna no jornal, escreveu um artigo na página 2 criticando a cobertura. E referia-se diretamente ao Estadão. Os Mesquita não gostariam de um furo assim? E porque os jornais nada deram?

Lendo seu artigo, imediatamente liguei para a sucursal da Folha no Rio e pedi mais dados para ele, para poder pressionar a sucursal do Estadão a entrar no tema. Sua resposta foi algo ríspida:

  • Não dou tiro para baixo!, querendo dizer que não entregaria repórteres.

Respondi também rispidamente:

  • Então dê tiros para cima.

E mencionei as suspeitas sobre dois conhecidos jornalistas – um deles colunista da Folha -, que moravam em Nova York e, pelos comentários da categoria, montaram uma espécie de assessoria informal, entrevistando para seus veículos políticos ou personalidades brasileiras que passavam pela cidade. Na época, passar por Manhattan dava status ao brasileiro.

Batemos boca e desligamos o telefone. Minha irmã Inês ficou algo passada, porque trabalhava na sucursal do Rio e adorava Jânio que, se era implacável com os poderosos, era um paizão, especialmente para os jovens jornalistas.

Ele já era uma lenda no jornalismo, como principal responsável pela revolução editorial e gráfica do Jornal do Brasil que se tornou, por muitos anos, o mais relevante diário brasileiro e mudou a face da imprensa escrita no país.

Aliás, a primeira vez que ouvi falar dele foi em uma entrevista da TV Manchete, ele falando de Antonio Carlos Magalhães de uma maneira que nenhum comentarista político ousaria fazer. Chamou-o de “halterofilista da política”.

Voltei a me encontrar com ele na sucursal do Rio, quando  ocupava o cargo de secretário de Redação do jornal. Achei que o encontro com Jânio poderia reacender alguma mágoa devido ao nosso bate-boca anterior, mas sua reação foi inesquecível. Veio em minha direção para comentar nossa conversa anterior.

  • Quando desliguei o telefone, falei para o pessoal da redação anotar seu nome, porque você é um jornalista de verdade,

Fiquei honrado e, ao mesmo tempo, admirado da sua grandeza. Não poucas vezes, Jânio chamou a atenção, em sua coluna, para novos jornalistas políticos que surgiam, mesmo em jornais concorrentes.

Fiquei pouco tempo na Secretaria do jornal e voltei a me dedicar integralmente à coluna Dinheiro Vivo, duas páginas aos domingos.

Nosso contato seguinte foi um novo conflito. Apoiei a equipe que subiu para a Fazenda com Dilson Funaro, em agosto de 1985. Tinha amigos e fontes lá, como Luiz Gonzaga Belluzzo, Luiz Carlos Mendonça de Barros e outros.

Em 1987 decidi viajar para a Argentina, com a esposa e um casal de cunhados. Na semana anterior, Jânio soltou um artigo em que dizia que economistas ligados à equipe estavam adquirindo dólares no mercado. Questionei em outro artigo.

No dia da viagem passei pela casa de minha mãe, para me despedir, e ela estava passada com um artigo de Jânio que saíra no domingo, ironizando jornalistas que só entendiam de números e davam palpite em tudo.

Cheguei a Buenos Aires e preparei a resposta. Era difícil. Primeiro, porque tinha que ser transmitida oralmente, por telefone, para uma central de escuta. Depois, porque muitos trechos da resposta eram cortados pelos Frias – e, com razão, para não estimular uma briga intestina no jornal.

Chegando a Buenos Aires, li sobre o Plano Austral, recém lançado e fui até Roberto Frankel, um de seus autores, para entender a lógica. Ele me explicou o modelo da troca de moedas, as tablitas para retirar dos preços a inflação inercial e outros detalhes.

Escrevi sobre o tema e soube, depois, que provocou um frisson na equipe econômica, que já trabalhava no futuro Plano Cruzado e temia que meus artigos fossem fruto de vazamento local. Eu não tinha ideia de que os economistas já trabalhavam no Plano Austral brasileiro. Por isso mesmo, provavelmente Jânio estava correto em sua denúncia.

Cheguei de volta ao Brasil no mesmo dia em que Jânio se consagrava nacionalmente com a denúncia da manipulação da licitação da Ferrovia Norte-Sul. Aproveitou o artigo para me espicaçar, dizendo que, como estava certo naquela denúncia, estava certo na anterior. Respondi com outro artigo. A pinimba parou por aí.

Depois disso, fui demitido da Folha, por denúncias que fiz  de Saulo Ramos, Ministro da Justiça de José Sarney. A demissão foi adiada por 3 meses, devido ao fato de ter vencido o Prêmio Esso com a denúncia.

Retornei ao jornal em 1991 e, algum tempo depois, fui convidado para o Conselho Editorial do jornal que tinha, entre outros, figuras históricas do jornalismo brasileiro, já aposentadas, mais colunistas de destaque do jornal, como Jânio de Freitas, Clóvis Rossi entre outros jornalistas da casa.

Aí fui entendendo melhor o caráter de Jânio.

Otávio Frias de Oliveira, o seu Frias, era uma figura interessantíssima. Arguto, grande conhecedor de pessoas, com uma alergia enorme ao puxa-saquismo.

Mas, também, era uma pessoa profundamente sensível aos grandes jornalistas derrubados pela vida. Provavelmente por sua experiência prévia, de sócio de Roxo Loureiro em uma construtora histórica – que construiu, por exemplo, o Copan -, depois, em um banco, um império destroçado pela ambição política de Roxo Loureiro. Como consta de sua biografia, Frias teve que fugir para a Argentina, para não ser preso e, depois, reconstruir a vida.

Frias era particularmente sensibilizado com Clóvis Rossi, que tinha sala também no 6a andar e costumava tratá-lo como “o sábio do 6o andar”. Uma vez me falou de Clóvis, de como chegou ao mais alto posto da mídia, diretor de redação do Estadão e, depois, foi demitido com humilhação, impedido de entrar no jornal para pegar suas coisas. E tudo por motivo político. Talvez por isso Frias aceitasse ser tratado como “o sábio do 6o andar” por Rossi.

As reuniões do Conselho se davam em almoços que se iniciavam com uma prestação de contas da administração e, depois, com discussões sem pauta. Serviam para Frias receber subsídios sobre como o jornal caminhava e também sugestões esporádicas.

Mas era um bom local para análises de personalidade. E Jânio era impecável. Algumas vezes se atritou com colegas que demonstravam uma admiração excessiva por Frias e pelo jornal. Nos almoços era o mesmo Jânio das colunas. Seco, objetivo, sem firulas. Chegava do Rio no dia da reunião, muitas vezes vinha mais cedo para o jornal, para uma conversa particular com Frias.

Nas nossas conversas, descobri uma qualidade pouquíssimo comentada: na juventude Jânio foi cantor e chegou a participar do conjunto Os Cariocas, o maior conjunto vocal brasileiro dos anos 50.

Quando a Folha iniciou sua grande guinada para a direita, e teve início o processo de limpeza étnico-política do jornal, muitos grandes jornalistas aderiram de forma vergonhosa. Jânio se manteve no jornal sem perder a dignidade. Aliás, desde que tornou-se titular de coluna, sempre manteve posição crítica em relação aos excessos do jornalismo e não poucas vezes se atritou com Otávio Frias Filho.

O velho Frias aceitava jornalistas que, como Jânio, com sua independência enriqueciam  o produto jornal.

Há pouco tempo a Folha dedicou uma página aos 90 anos de Jânio. Esta semana, demitiu-o, por corte de custos.

O argumento é risível. Há tempos, Jânio era crítico da linha editorial do jornal, da guinada para a direita. Algumas vezes conversamos por telefone e ele falava de sua desilusão com a linha editorial do jornal.

A reação nacional sobre a demissão talvez tenha sido o maior baque na imagem do jornal, e uma pá de cal na esperança de que voltasse a ser o jornal plural das Diretas e dos anos 90. A saída de Jânio, somada à de Gregório Duvivier e Marilene Felinto mostra um jornal se preparando para ser, cada vez mais, um porta-voz do mercado nos próximos anos.

Mais que isso, o crescimento da equipe jornalística da UOL e o emagrecimento gradativo da Folha, reforçam a suspeita de que é um jornal que caminha para ser extinto pelo grupo comandado por Luiz Frias.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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