Decisão autoriza grupo econômico a controlar hospitais e planos de saúde, ao mesmo tempo em que participa de empresa de administração de benefícios
No apagar das luzes do governo Bolsonaro, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou nesta quarta-feira compra da operadora de planos de saúde SulAmérica pela Rede D’or, a maior empresa de assistência médica integrada, com mais de 30 hospitais em todo o País.
A compra em si não seria o maior problema. Há outras grandes operadoras de saúde que possuem o seu próprio plano. O que está em jogo e pode ser questionado na justiça é o aprofundamento de um expediente econômico conhecido como verticalização.
Desde os anos 80, hospitais particulares e mesmo filantrópicos começaram a vender planos de saúde e, com isso, centralizar as operações e aumentar a sua capacidade de definir preços.
Se foi benéfico para as empresas, do ponto de vista da administração de seus custos, a verticalização deixou os clientes mais vulneráveis à formação de monopólio, já que tira a negociação (e tensão) entre partes que atuam no mercado.
Apesar do alerta de médicos, preocupados também com a precarização de seu próprio mercado de trabalho, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) validou esse modelo de negócios, e surgem cada vez mais empresas como a Prevent Sênior.
No final do governo Bolsonaro, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) e agora o Cade autorizaram que o mesmo grupo econômico acumule um terceiro pilar da saúde suplentar, a das administradoras de benefícios, como a Qualicorp, que atuam para reduzir os preços dos planos de saúde, com a organização dos clientes em categorias.
Por exemplo, um engenheiro, em vez de contratar um plano para ele e sua família diretamente da operadora, o faz na condição de membro de uma entidade de classe e, com isso, se beneficia de preços menores por fazer parte de um grupo maior de pessoas, onde os riscos para os prestadores de serviços diminuem.
O que o Cade e a Susep autorizaram agora é que um mesmo grupo empresarial controle hospitais e planos de saúde, ao mesmo tempo em que participa da administração de benefícios.
É que a Rede D’or é uma das maiores detentoras de ações também da Qualicorp (cerca de 30%). Essa verticalização de serviços, no entanto, só será legalizada depois que a ANS bater o martelo, e ali há um impasse.
O presidente da Agência, Paulo Roberto Rebello Filho, que foi chefe de gabinete do ex-ministro da Saúde Ricardo Barros (governo Temer), atual líder do governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados, atua fortemente para a aprovação da verticalização em benefício da Rede D’or.
Mas há resistência de pelo menos duas diretorias. Técnicos de uma dessas diretorias, a de normas e habilitação das operadoras (Diope), compararam a verticalização à entrega do galinheiro para a administração da raposa.
“Com o perdão da informalidade, que se adota em benefício da clareza: mesmo que a raposa se declare vegetariana, não se pode admitir que uma raposa tome conta do galinheiro”, escreveram os técnicos.
O julgamento do pedido da Rede D’or na ANS é mantido sob sigilo, e, sob essa alegação, o presidente Rebello não atendeu a meu pedido de entrevista. Havia previsão de julgamento em uma sessão extraordinária na segunda-feira, mas não há notícia de que tenha ocorrido.
Depois do julgamento do Cade, favorável “raposa no galinheiro”, para usar expressão dos técnicos do Diope, é provável o presidente Rabello reforce seu argumento a favor da verticalização.
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Só para constar, sem nenhuma ilação: Rede D’or é proprietária do hospital Vila Nova Star, onde Jair Bolsonaro passou a ser atendido depois que seu médico, Antonio Macedo, deixou o Albert Einstein.
JOAQUIM DE CARVALHO ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)