Após anunciar, sexta-feira, os primeiros ministros, como os da Fazenda, Casa Civil, Relações Exteriores e o da Defesa, juntamente com os comandantes das três armas, amanhã, 12 de dezembro, às 14 horas, Luiz Inácio Lula da Silva e o companheiro de chapa, Geraldo Alkmin, serão diplomados no Tribunal Superior Eleitoral como presidente eleito e vice. Se aloprados bolsonaristas que ainda teimam em fazer bloqueios de estradas e vigílias diante de quartéis, esperando algum meteoro ou um ET que caiam do céu, mudando o destino, ou uma “intervenção federal”, não tentarem gestos extremos – como a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, pelos adeptos de Donald Trump, que também alegava fraude -, o Brasil caminha para a normalidade institucional. Até aqui caíram lágrimas do presidente Jair Bolsonaro, ao cair em si, de não ter sido o 1º presidente reeleito, apesar do uso desmedido da máquina pública.
A PEC da Transição, que serve, em parte, para tapar os rombos deixados pelo atual governo e para abrir os caminhos para Lula atender às prementes demandas sociais relegadas a segundo plano por Jair Bolsonaro, gerando aumento recorde de pobreza, miséria e fome no país, avança no Congresso, com a Câmara e o Senado (onde já foi aprovada) envolvidos em ampla negociação com o Executivo e o Legislativo. A negociação (justa) é a arte da política. Resolvidas as questões, o governo monta o Ministério e anuncia os planos.
Mas há outra questão muito importante que envolve as mudanças climáticas. É o papel a ser desempenhado pela nossa maior empresa no futuro: a Petrobras.
O presidente do Banco Central, Paulo Roberto Campos Neto, único alto membro do governo Bolsonaro que continuará na linha de frente do governo Lula, porque o Banco Central do Brasil ganhou autonomia perante o Executivo pela Lei Complementar 179, aprovada no Congresso em 24 de fevereiro de 2021, enxerga bem além dos horizontes da inflação e da política fiscal, que são, ao lado da situação do emprego, do câmbio e da temperatura da economia, os principais vetores que balizam a política monetária (por sinal, o juro básico do Banco Central, a taxa Selic, foi mantido em 13,75% nesta 4ª feira).
Há mais de dois anos, em suas palestras para relatar e avaliar as medidas tomadas na pandemia da Covid-19, com a liberação de trilhões de reais dos depósitos compulsórios e menores exigências de alavancagem das instituições financeiras, ele aponta cenários que indicam a transição da economia de alta emissão de carbono para a economia verde, com muitas oportunidades de negócios para os empresários brasileiros. Como dizem os chineses, mudanças apresentam grandes oportunidades para o desenvolvimento.
A questão inexorável nos cenários que indicam mutações a cada década (de 2020 a 2050) na demanda de insumos energéticos para cumprimento das metas de emissões de gás carbônico, visando a redução do aquecimento global, conforme os acordos do Clima patrocinados pela ONU, diz respeito à perda de importância das atividades de petróleo e gás enquanto cresce a demanda por fontes de energia que não agridam o meio ambiente.
Em 2020, segundo o quadro exibido por Campos Neto há uma semana, o mercado de petróleo movimentava US$ 1,3 trilhão, enquanto as fontes de tecnologia limpa (energia solar, energia eólica, com a maior fatia, e baterias de lítio) demandavam US$ 120 bilhões, menos de 10% do faturamento do mercado de óleo e gás. O carvão como fonte de energia foi condenado, mas Índia e China ainda resistiam e o Brasil de Bolsonaro liberou seu uso.
Já em 2030 o giro dos negócios com petróleo e gás cairia para cerca de US$ 800 bilhões, sendo superado pelos negócios com fontes de energia limpa US$ 850 bilhões, com a liderança das baterias para os carros com motores híbridos, seguido da energia eólica e a solar, mas já com participação notada das células de combustível e dos eletrolisadores. Em 2040, a fatia do petróleo e gás cai a 30% do que era em 2020 e o mercado é dominado pelas baterias. Em 2050, a fatia das fontes fósseis encolhe para cerca de US$ 200 bilhões (15% do que era em 2020), sendo superada pela energia eólica, pelas baterias (70% do mercado) já com as células de combustível batendo a energia solar.
Como mudar o Brasil e a Petrobras?
Os números são impressionantes e colocam a principal empresa brasileira, a Petrobras, diante de um grande desafio. Se não começar já, como fazem grandes empresas privadas (como a Exxon, a Shell, a Total e a BP) ou controladas pelo Estado (caso da Qatar Energy, da Equinor, da Noruega, da Saudi Arabia, ou da Petronas, da Malásia), a diversificar as atividades, concentradas na exploração do petróleo e do gás, extraídos em larga escala nas áreas do pré-sal das bacias de Santos e Campos, vai encolher no mercado. E o Brasil pode perder muitas oportunidades se sua principal empresa de energia não mergulhar fundo no caminho da economia verde.
Por isso, o último Plano Estratégico quinquenal da Petrobras (2023-2027), apresentado há uma semana pela atual administração (nomeada por Bolsonaro em junho para atender às demandas eleitorais), já apresenta uma guinada para a diversificação nas fontes alternativas (as petroleiras que operam em alto mar já produzem energia eólica para suprir suas plataformas – a Petrobras usa gás natural, que pode ser comercializado), mas também faz uma meia trava no desenfreado processo de desinvestimentos da estatal.
Antes mesmo de o governo Lula assumir, diante dos problemas causados no mercado doméstico de combustíveis e de fertilizantes depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, a atual diretoria houve por bem rever os dogmas adotados no governo Bolsonaro. Se o presidente fosse reeleito (deu Lula) e adotasse os planos do ministro da Economia, Paulo Guedes, a Petrobras continuaria o “feirão de liquidação de ativos”, com o jargão de “plano de desinvestimento” e o seu destino seria uma privatização como se fez com a Eletrobras: num jogo de pôquer para o aumento de capital, a União pediu mesa e deixou que os “pingos” dos investidores privados mudassem o controle. Inacreditável.
A questão dos fertilizantes – crucial para a produção agrícola do agronegócio no cerrado – foi a primeira a mostrar o erro de o Estado brasileiro abrir a mão de decidir em pontos estratégicos. Na 2ª semana de fevereiro deste ano, antes de Putin ordenar a invasão do sul da Ucrânia (em 28 de fevereiro), derrubando duplamente a intenção do presidente Bolsonaro de posar como árbitro de um armistício (como chegou a anunciar em suas redes sociais) e a venda do parque de fertilizantes que a Petrobras tinha desativado no governo Temer para a russa Acron (Bolsonaro anunciou o contrato em Moscou e a então ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, dava entrevista no Brasil comemorando o feito). SQN. A venda ficou impossível após os principais países do Ocidente, liderados pela OTAN, bloquearem os fundos das empresas russas de petróleo e derivados (os fertilizantes da Acron têm origem no gás natural). Restou a Bolsonaro implorar a Putin para manter o fornecimento de fertilizantes, indispensáveis à safra 2022/23. As fábricas de Mato Grosso (Três Lagoas), Paraná e Bahia estão fechadas.
Por tudo isso, após os impactos da venda da Refinaria Landulfo Alves, a 2ª maior e mais antiga do país, que produzia 330 mil barris de derivados de petróleo, na Bahia, para o grupo Mubadala, do Oriente Médio, a atual diretoria já teria arquivado a venda das refinarias Alberto Pasqualini (RS), Presidente Vargas (PR) e Gabriel Passos (MG), bem como da Refinaria do Nordeste (a Abreu e Lima). Sem interessados, micaram os planos (insanos) de ficar só com 50% do refino nas refinarias de São Paulo (Paulínia, Cubatão e São José dos Campos) e na Reduc-RJ. Todas agora têm planos de modernização do refino, com a produção do diesel S-10. Muita coisa ainda pode mudar na nova gestão.
A Petrobras é autossuficiente em óleo e gás (as compras da Bolívia são mais para incentivar o comércio de mão dupla com o país vizinho do que uma necessidade real). A Bacia de Santos (em áreas do litoral de SP e RJ) já produz quase três vezes o que circula no Gasbol. Cabe não só explorar melhor o gás brasileiro (em boa parte reinjetado nos poços dos gigantescos campos do pré-sal, de onde saem 76% do petróleo do país). A falta de interessados nas refinarias e a guerra mostraram a necessidade de autossuficiência em combustíveis (sobretudo diesel e GLP, ainda importado) e de mudar os planos de venda.
A Petrobras manteve a venda da refinaria da Amazônia (Isaac Sabbá) e a unidade de xisto do Paraná. Abreu e Lima terá continuidade com a construção de nova unidade de refino (para processar a produção do pré-sal). O Comperj, que seria um polo petroquímico com uma refinaria virou um pólo de lubrificantes, e de uso de gás natural. Mas a nova administração pode intensificar a diversificação em refino, fertilizantes e fontes de energia.
O senador Jean Paul Prates (PT-RN), que integra a equipe de transição de Minas e Energia e Petróleo, ex-funcionário da Petrobras (Braspetro) que ajudou a elaborar a nova Lei do Petróleo, no governo Fernando Henrique Cardoso, quando houve o fim do monopólio da estatal, em nome da União (ainda dona do monopólio sob a forma de concessões em leilões), está cotado para presidir a Petrobras ou comandar o Ministério das Minas e Energia.
Prates é um especialista em diversificação energética. Ele liderou um projeto privado que propôs o aproveitamento da energia dos ventos na costa do estado Potiguar no começo deste século, para maximizar a dupla direção dos ventos que ocorre no Oceano Atlântico entre a África e a costa nordestina. O Rio Grande do Norte chegou a produzir mais energia eólica que as usinas hidroelétricas da Chesf, em Sobradinho. O aproveitamento só não é pleno porque faltam interligações dos parques eólicos com as grandes linhas de transmissão. O mesmo ocorre nas grandes fazendas de energia solar. E o governo quis manter mercado para as custosas usinas termelétricas movidas a gás.
Vaca leiteira ou touro de Wall Street?
Jean Paul Prates, um estudioso da experiência dos grandes “players” do petróleo, acompanhou o presidente Lula na COP-27, no Egito. Destaca-se sua visão estratégica para a necessidade de diversificação das fontes de energia da Petrobras (e do Brasil), antes que o petróleo do pré-sal perca a importância. O Brasil não pode jogar fora outra vez a oportunidade de extrair mais riquezas e explorar novos filões por sua mais importante empresa.
Mais do que isso. A Petrobras tem de ser a líder das mudanças para a energia limpa no país, para não ser vítima do próprio esvaziamento do pré-sal, com a esperada queda da demanda por energia de origem fóssil. Já perdemos o tal “bilhete premiado” alegado pela então chefe da Casa Civil de Lula, Dilma Roussef, para suspender os leilões do pré-sal em 2008. Ela quis mudar o sistema de concessão. Mudou, quando as projeções indicavam que o barril de petróleo estaria entre US$ 250 e US$ 400 nos anos 2020.
A crise financeira mundial, em agosto de 2008, depois de o barril bater na casa dos US$ 154, em julho, alterou todo o cenário. Os planos das novas refinarias (que seriam bancadas com o petróleo do pré-sal nas alturas e o dólar baixo) viraram de ponta cabeça. A manutenção dos preços baixos para os derivados ao longo de 2012 a 2014, como parte da reeleição (como fez Bolsonaro este ano, ao baixar os impostos), acabou agravando os prejuízos da estatal. Os superfaturamentos de empreiteiras e fornecedores, dos quais se extraíam propinas a políticos e altos funcionários, revelados na Lava-Jato, foram um plus a mais. Não eram a causa maior, como exaustivamente narrada na campanha.
O modelo que assegura preços mais baixos dos derivados no mercado interno, como contrapartida à autossuficiência em petróleo (do contrário não se torna em vantagem comparativa para o Brasil), pode ser mantido em outras bases pelo novo governo. Até mesmo em níveis regionais, como ocorre com o etanol.
De que valerá o Brasil batalhar 70 anos, completados em 2023, para criar a Petrobras e alcançar a autossuficiência no petróleo com o pré-sal, se não tirar vantagens comparativas da conquista para a sua população? Seria estupidez tão grande quanto ser o “celeiro do mundo” e ter um mundo de famintos.
Com projeções modestas para o petróleo, mesmo com a invasão da Ucrânia pela Rússia, os preços do Brent para entrega em fevereiro estão abaixo de US$ 79 e tendem a cair a menos de US$ 70 em dezembro de 2027, quando vence o Plano Estratégico da Petrobras. Tudo devido à transição energética. A margem de manobra pede planos mais eficientes e menos desperdícios.
Desde a crise financeira mundial de 2008, a Petrobras fez uma guinada radical em seus planos. O 1º a ser arquivado foi o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, em Itaboraí-RJ. Com a queda do barril, teve de dar baixas bilionárias em ativos (o Comperj e a refinaria Abreu e Lima à frente), bem como equipamentos. Poços em terra e águas rasas, com altos custos de produção foram vendidos para que os investimentos se concentrassem nos campos altamente rentáveis do pré-sal, de grande produção e baixo custo de extração.
Por que então não seguir a norma inteligente recente da Petrobras de vender ativos menos produtivos e reinvestir o rateio nos projetos do pré-sal ou das futuras áreas de diversificação energética? Essa parece ser a decisão mais estratégica e fundamental para a Petrobras e para o próprio futuro do Brasil.
Se o petróleo entrará em declínio como fonte de energia nos próximos anos, o que não faz sentido é continuar vendendo os ativos da Petrobras na bacia das almas para aumentar lucros (artificialmente) e distribuí-los quase todos aos acionistas. O correto e estratégico é redirecionar a Petrobras para a energia limpa, continuando a ser empresa fundamental ao país. Bem como o BNDES.
O maior investidor de Wall Street, Warren Buffet, o mago de Omaha, tem por hábito escolher empresas que tenham perspectivas de distribuir bons dividendos. Uma boa vaca leiteira dá leite o ano inteiro, desde que bem alimentada. Mas não é eterna. Envelhece e a produção cai. A genética pode ser transmitida às suas filhas. Numa empresa é preciso modernizar sempre.
Há um grupo de acionistas da Petrobras que cultua o touro de Wall Street. Só quer saber de bons dividendos para gastar em viagens a Miami. Pouco se importa se a demanda mundial de combustíveis mudar e não houver como a “vaca leiteira” da Petrobras seguir ativa. Esse pessoal foi derrotado com Bolsonaro. Que prevaleçam os planos modernizadores para a Petrobras.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)