“Difícil imaginar ‘as estrelas’ de hoje numa situação como esta. Mas é uma bela recordação”.
Esta fotografia viralizou, recentemente, nas redes sociais. Recebia-a por zap de alguns amigos e, como pesquisador de futebol, fui questionado se a conhecia. “Esta é a Seleção Brasileira de 1958, esperando o trem em Poços de Caldas-MG, antes da copa do mundo de 1958”, era o título da foto, seguido dos nomes dos onze jogadores, que constam na sua legenda. O subtítulo, bastante provocador, acrescentava: “Difícil imaginar ‘as estrelas’ de hoje numa situação como esta. Mas é uma bela recordação”.
Detalhista que sou, verifiquei, primeiro, se os nomes dos jogadores estavam corretos. Encontrei dois equívocos: Castilho e Carlos Alberto Cavalheiro eram identificados, erradamente, como Gilmar e Garrincha.
Na estância hidromineral deram continuidade aos exames médicos e dentários e foram realizados os primeiros treinamentos individuais e coletivos. A seleção brasileira inovava com a formação de uma Comissão Técnica, composta pelo treinador (Feola), médico (Hilton Gosling), preparador físico (Paulo Amaral) e supervisor (Carlos Nascimento).
Havia até um psicólogo (Carvalhaes), que para avaliar a inteligência e o equilíbrio psicológico dos jogadores, aplicava testes psicotécnicos utilizados na admissão de motoristas e cobradores da Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC) de São Paulo.
A inclusão de um dentista, Dr. Mario Trigo, também foi fundamental, com as inúmeras extrações realizadas para debelar focos dentários. Só Oreco, lateral do Corinthians, fez onze. O dentista participou da delegação que foi à Suécia, não mais para prestar serviços odontológicos, já realizados no Brasil, mas, agora, na função de animador do grupo, como contador de piadas.
Nem todos os trinta e três jogadores inicialmente convocados seguiram para Poços. Garrincha e Orlando permaneceram no Rio para operarem as amígdalas e se incorporaram à seleção só na fase seguinte de treinamentos, em Araxá. Mané, portanto, não poderia estar na foto.
O “anjo das pernas tortas” foi confundido com o goleiro Carlos Alberto Cavalheiro, da Portuguesa de Desportos, posteriormente cortado, assim como Êrnani, do Bangu, da mesma posição. Além desses dois goleiros, foram dispensados, também, Cacá e Altair (Fluminense), Jadir (Flamengo), Pampolini (Botafogo), Roberto Belangero (Corinthians), Formiga (Santos), Almir Pernambuquinho (Vasco), Gino e Canhoteiro (São Paulo).
Seguiram como arqueiros para a Suécia, Gilmar, então no Corinthians, como titular, e Castilho, do Fluminense, como reserva, justamente os que foram, também, confundidos. Todos os demais jogadores da foto foram para a Copa e atuaram em pelo menos um jogo, a menos de Moacir (Flamengo).
O outro grande equívoco da foto foi situá-la numa estação de trem, acentuando “a simplicidade e humildade dos nossos craques, sentadinhos, esperando um transporte”, conforme comentário em postagem no Facebook, complementado por “naquela época, muito futebol e pouca ostentação”.
O subtítulo da foto – ‘Difícil imaginar “as estrelas” de hoje numa situação como esta’- evidencia a preocupação da grande maioria dos craques atuais com badalações, carrões, mansões, jatinhos particulares e, como agora na Copa do Qatar, em consumir picanha folheada a ouro
O local em que se encontram os jogadores é, na verdade, a frente do Hotel Palace, em que estava hospedada a delegação. Este engano já tinha sido apontado pelo jornalista poços-caldense Luis Nassif, em postagem antiga do Instagram e, recentemente, no Programa do Conde, na TV GGN, de 01/12. Ele vivenciou a estada da seleção em Poços, e conta, como “causo”, que não identificou o atacante Mazzola (Palmeiras) num treino, confundindo-o, pela complexão física, com o filho do padeiro da cidade.
Para tentar descobrir a origem da foto pesquisei nos acervos virtuais de jornais da época e na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Encontrei-a na edição do matutino carioca “Correio da Manhã”, de 13/04/1958, com a legenda: “À direita: uma verdadeira equipe (onze) à porta do hotel”.
Estava descartada, assim, a estação de trem como cenário da fotografia dos jogadores, que, não sendo nomeados individualmente, tornou possível sua identificação equivocada, posteriormente. Vale salientar que a seleção desembarcou para os treinos em Poços de Caldas nas asas da Real Aerovias.
Outro caso de equívoco na identificação de imagens apontei na minha crônica de estreia neste Jornal GGN – “Se a lenda supera o fato imprima-se a lenda” – https://jornalggn.com.br/destaque-secundario/se-a-lenda-supera-o-fato-imprima-se-a-lenda-por-jose-carlos-faria/
Trata-se de foto do primeiro jogo do Brasil na Copa de 62, contra o México, divulgada em várias mídias, em que um solitário atacante brasileiro aparece cercado, na grande área, por oito adversários. Uma das publicações foi no livro biográfico do jogador, “Estrela Solitária”, de Ruy Castro (pag. 259), com a legenda: “Muralha azteca: oito mexicanos tentam marcar Garrincha”
A imagem original, publicada na Revista O CRUZEIRO, de 16/06/1962, tem como legenda: “Na foto aparecem nove mexicanos, contando com o goleiro Carbajal, que está atento a uma manobra de VAVÁ”. Desta maneira, o centroavante Vavá foi suprimido da famosa jogada e substituído pelo Mané.
Esta última imagem, portanto, não serve para comprovar a genialidade do Mané, da mesma forma que, para se demonstrar a simplicidade dos jogadores de outrora, comparativamente à ostentação dos atuais, a foto da “estação do trem” não serve. Em ambos os casos, eu quis apenas reconstituir a verdade histórica do documento fotográfico.
JOSÉ CARLOS FARIA ” JORNAL GGN” ( BRASIL)