PORQUE MALU GASPAR ACHA HADDAD ARROGANTE

Ricardo Stuckert

Em breve, outros comentaristas passarão a “achar” que o mercado acha o que a Malu acha que a sua fonte acha que o Haddad é.

Em duas oportunidades, a bem informada repórter Malu Gaspar afirmou que o mercado (Nota: coletivo de operadores no exercício de comprar e vender papéis) acha Fernando Haddad “arrogante” e “professor de Deus”. Em uma oportunidade, a comentarista Ana Flor, da Globonews, leu Malu Gaspar e garantiu que o mercado “acha” Haddad arrogante e professor de Deus. Em breve, outros comentaristas passarão a “achar” que o mercado acha o que a Malu acha que a sua fonte acha que o Haddad é.

É curioso um exercício de dedução lógica sobre quem é o tal de mercado e como uma repórter chega a tal julgamento sobre uma pessoa pública.

Pista 1 – como Haddad nunca tratou com o mercado, em qualquer função pública que exerceu, a repórter teve acesso a UMA  fonte que teve acesso a Haddad em uma circunstância específica. Portanto, até agora eles não teve acesso a Haddad para formar um julgamento próprio.

Pista 2 – a fonte afirma que Haddad nada sabe de economia e, mesmo assim, é arrogante. Como a própria jornalista informa que a fonte é do mercado, obviamente a fonte refere-se ao conhecimento consolidado em mercado, aquela soma de lugares-comuns que vêm sendo repetidos há décadas por supostos “especialistas” em mercado.

Pista 3 –  o que teria acontecido para essa impressão? Antes de ser político, Haddad é essencialmente um intelectual, que não apenas colecionou vários diplomas – Economia, Direito, Ciências Sociais – mas acumulou conhecimento. Seu hobby preferido são grandes discussões acadêmicas com intelectuais do porte de Luiz Felipe Alencastro, Marcos Nobre e Eugênio Bucci. E intelectual tem uma mania detestável (para o pessoal de pensamento uniforme) que é o questionamento permanente de conceitos. Imagino Malu assistindo uma discussão dos quatro: diria que o mercado acha os 4 arrogantes.

Recentemente, testemunhei uma conversa entre Haddad e o internacionalmente respeitado cientista político português  Boaventura Santos sobre biologia econômica. Não conhecia nenhum dos autores citados. Poderia arrumar um álibi para minha ignorância, dizendo que Haddad foi arrogante em mencionar, na minha frente, autores que eu não conhecia. Preferi outro tipo de sentimento: beber nas ponderações de lado a lado e assimilar alguns centavos de conhecimento novo.

Pista 4 – a partir das elucubrações da Pista 3, chegamos ao perfil da fonte da Malu. Haddad nunca tratou com o mercado financeiro como um todo. Pode ter tratado de alguns temas específicos com financistas que queriam tirar alguma casquinha da Prefeitura, mas não mais que isso. Logo, o que deve ter ocorrido foi um encontro social, no qual a fonte da Malu Gaspar tentou discutir com Haddad levantando alguns pontos do raciocínio padrão de mercado. E deve ter sofrido alguns questionamentos que vão além do bê-a-bá do mercado. Por exemplo, o questionamento sobre o quantitative easinga teoria segundo a qual a quantidade de moeda em circulação pode interferir na inflação e no crescimento. Provavelmente Haddad deve ter colocado a questão incômoda: porque os EUA não experimentaram inflação, com o FED fazendo a maior emissão da história para superar a crise de 2008? São perguntas chatas de intelectuais que tiram os “especialistas de tema único” do mercado da zona de conforto.

Provavelmente a partir daí, a fonte da Malu confirmou uma máxima da psicologia: a maior inveja de uma pessoa não é financeira, nem de status, mas a inveja intelectual. 

De fato, a fonte era tão pobre, mas tão pobre que a única coisa que tinha era dinheiro. E, obviamente, acesso privilegiado a uma das grandes repórteres da atualidade que, para valorizar a informação, valeu-se de um truque comum na profissão, de tratar a parte – o financista que foi humilhado em uma discussão – pelo todo – o mercado. 

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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