Muitos se surpreenderam, em 2021, quando ouviram o arrebatador hino A Portuguesa ser executado na abertura dos festejos de 478º aniversário da fundação da cidade portuária japonesa de Nagasaki – tristemente lembrada, nas últimas sete décadas, pelo bombardeio atômico que sofreu dos Estados Unidos, no final da Segunda Guerra (1940 – 1945), juntamente com Hiroshima.
A memorável A Portuguesa não foi uma mera e especial deferência dos nipônicos ao distante povo do País mais Ocidental da Europa. Era, sim, o reconhecimento aos valorosos lusitanos que, com seus missionários da Companhia de Jesus, ergueram a cidade em 1543. Nenhuma surpresa ocorreria, entretanto, se o hino dos portugueses fosse ouvido nas comemorações natalícias, por exemplo, de outra cidade da Ásia, igualmente portuária como Nagasaki, fundada no mesmo ano de 1543, a indiana Vasco da Gama, no Estado de Goa, que durante quase 500 anos foi a metrópole do Império Português do Oriente.
Nada é mais português, obviamente, do que o legendário Almirante Vasco da Gama (1469 – 1524), nome, inclusive, de uma querida e popular equipe de futebol – o mítico clube carioca da Cruz de Cristo, aqui, denominada Cruz de Malta. O nome Vasco da Gama nos remete imediatamente ao indomável comandante que, em 1498, a mando do Rei Dom Manuel I (1469 – 1521), O Venturoso, chegou à Índia, após realizar, pela primeira vez, a proeza de navegar Atlântico abaixo, margeando as Áfricas, cruzar o Cabo das Tormentas, rebatizado por seus compatriotas para Cabo da Boa Esperança, e, depois, alcançar as águas do Oceano Índico. O feito de Vasco da Gama, como sabemos, mudaria para sempre as cartas marítimas.
A cidade de Vasco da Gama está localizada na Península de Mormugão, na foz do Rio Zuari, na região central de Goa, a cerca de 30 quilômetros de Pangim, capital do Estado. É a mais populosa da província – tem aproximadamente 100 mil habitantes, quase todos católicos e com nomes e sobrenomes portugueses. Marca indelével da presença dos lusitanos no país de maioria religiosa hindu e muçulmana, que ali permaneceram até 1961. Mas, curiosamente, apesar de estarem preservados inúmeros símbolos dessa convivência de cinco séculos, na rica arquitetura de estilo Barroco de seus casarios e esplêndidas igrejas, muitos são, mesmo entre estudiosos, os que associam exclusivamente à Inglaterra a colonização da Índia.
Mais curioso é constatar que foram justamente os portugueses, no século XVII, a conduzir os primeiros ingleses aos territórios de seu Império do Oriente. Foi um dos dotes oferecidos, em 1661, à Corte dos Stuart pelo Rei Dom Afonso VI (1643 – 1683), O Vitorioso, filho de Dom João IV (1604 – 1656), O Restaurador, devido ao casamento, em 1661, de sua irmã, a Infanta Catarina de Bragança (1638 – 1705), com o soberano da Inglaterra Charles II (1630 – 1685). Nascido no coração da capital inglesa, no Palácio de St James, o noivo receberia a indiana Bombaim – corruptela da lusitaníssima expressão ‘Boa Baía’. Dom Afonso VI concederia ainda, no dote, a marroquina Tânger, no Estreito de Gibraltar. Londres renunciaria, em pouco tempo, a essa possessão, optando por se fixar na margem europeia, no penhasco espanhol que dá nome ao canal.
É de família luso-indiana católica, proveniente do Estado de Goa, o atual Primeiro-Ministro de Portugal, o socialista António Costa, 60 anos, natural de Lisboa – à frente do governo desde 2015. Também no Reino Unido, hoje, o Primeiro-Ministro é de origem indiana, Rish Sunak, 41 anos, do Partido Conservador, herdeiro de uma abastada família hinduísta, nascido na cidade inglesa de Southampton. Dois destacados líderes europeus que evocam a grandeza das façanhas da Coroa de Lisboa – imortalizada na goesa Vasco da Gama.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador