Os atores do jogo
Trata-se de um jogo intrincado, com troca de dossiês e tudo o que caracteriza guerras comerciais. Se mantido Paulo Rebello, consolida-se a influência da Rede D´Or no jogo. Se Serapieri emplacar um presidente, irá expor diretamente o governo Lula.
Primeiro, os atores do jogo, pessoas jurídicas e físicas, e que ajuda a explicar um pouco o carnaval em torno da carona para Lula chegar ao Egito, na reunião no COP 27.
O dono do avião, que deu a carona, é José Seripieri Junior, polêmico, fundador da Qualicorp, depois vendida, tentando retomar espaço no mercado de saúde com uma empresa, a QSaúde, que não decolou.
Por trás do carnaval, uma disputa entre grupos sobre a constituição da nova diretoria da Agência Nacional da Saúde (ANS) e sobre os despojos da Amil – o grupo de saúde recentemente vendido. E também o destino de milhares de segurados, de planos individuais, ameaçados de serem jogados ao mar.
Enfim, é um jogo de algumas centenas de milhões de reais.
O golpe do fim dos planos individuais da Amil
Esse jogo não começou agora. No depoimento número 7 do doleiro Lúcio Funaro à Procuradoria Geral da República (PGR), vem a informação de que a Rede D´Or teria feito um pagamento ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha, para aprovação da Medida Provisória 656/2014, governo Michel Temer, permitindo a participação majoritária de capital estrangeiro em hospitais, laboratórios médicos e planos de saúde. Na época, foram localizadas contribuições de R$ 25,8 milhões por empresas vinculadas à Amil e à Rede D´Or a deputados ligados ao PMDB. Na delação, é mencionado o nome do banco BTG Pactual.
“Que a 656/2014, sobre a liberação de empresas estrangeiras para participar de pla de saúde e hospitais, beneficiou a rede Copa D’Or, que é do grupo BTG, 10 Ministério Público Federal Procuradoria-Geral da República grupo Amil, de propriedade do Edson Bueno, também amigo de CUNHA; (página 10)”;
Falecido recentemente, Bueno era amigo pessoal de Michel Temer, o presidente que assinou a MP. Seu filho, Pedro, é o controlador da DASA, de análises clínicas.
Abriu-se espaço, então, para que a Amil fosse adquirida pela empresa americana United Health Group (UHG). Depois da aquisição, a UHG deu-se conta que os planos individuais, em um total de 330 mil, eram deficitários. Começou aí um jogo intrincado para se desfazer desses planos.
O caminho encontrado é um golpe conhecido e já aplicado outras vezes no país: a transferência dos ativos para uma pequena empresa que não daria conta do recado, mas eliminaria o passivo de seus verdadeiros responsáveis.
Os planos foram repassados, então, para a operadora Assistência Personalizada à Saúde (APS), integrante do mesmo grupo. Logo depois, em 1o de dezembro de 2021, foi celebrado um Contrato de Compra e Venda de Ações entre a Amil, a Fiord Capital Ltda, a Seferiun & Coelho Consultoria Empresarial Ltda e Henning Martin Von Koss, pelo qual a Amil transferiria os contratos individuais para a APS.
A operação foi diretamente conduzida por Richard Mattera, principal executivo da UHG no Brasil.
No dia 2 de fevereiro de 2022 deu-se o segundo passo, com a assinatura do Certificado de Primeiro Fechamento.
Ficou evidente a tentativa de fraude perpetrada pelo grupo UHG, principalmente considerando que o capital social da Fiord Capital Ltda era de apenas R$ 50 mil. Esse golpe foi preparado com conhecimento da alta cúpula da UHG, conforme registro das entradas de Richard Mattera no Brasil, em datas coincidentes com os eventos.
Em 8 de fevereiro de 2022, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), através de Reunião Extraordinária da Diretoria Colegiada, decretou a indisponibilidade das cotas do capital social da APS, suspendendo a operação.
O BTG/Pactual foi o banco escolhido para o suporte financeiro, através de seu executivo Joffre Munhoz Salies, mantendo contato telefônico direto com Mattera.
Mattera também manteve contatos frequentes com Paulo Mall, do Grupo D´Or, Pablo dos Santos Meneses, da Qualicorp (empresa adquirida pelo grupo D´Or) e Pedro Bueno, filho do fundador da Amil.
A disputa pela Amil
O veto da ANS, impedindo a consumação do golpe, deflagrou uma disputa no mercado para adquirir a Amil. Quem mais se empenhou foi o grupo D`Or, através de Pablo dos Santos Menezes, executivo da Qualicorp. Mas também viu-se interesse de Serapieri Jr, do QSaúde.
No dia 5 de junho de 2022 foi organizada uma reunião no hotel Tivoli, na Praia do Forte (Bahia) com a participação de vários executivos do setor, incluindo dirigentes da ANS. Nesse encontro, ocorreu uma aproximação entre Joffre, Pactual, Menezes e o presidente da ANS, Paulo Rebello – um funcionário público que saltou da assessoria do Ministério das Cidades para a presidência da ANS.
No dia 13 de junho, 8 dias depois, foi rastreado um documento tipo swift (o sistema de transações Internacionais) enviado por Joffre a Pablo. Com os dados levantados será possível rastrear a conta do favorecido pela operação.
Mas, aí, é trabalho para o COAF e a Polícia Federal. Pode não ser nada, ou pode ser a chave do mistério.
A expansão da Rede D´Or
Nesse mesmo período, a Rede D´Or iniciou uma expansão que contrariava todas as regras de direito econômico. Absorveu a Sulamérica Saúde, além de controlar a Qualicorp. A fusão das três empresas abrirá espaço para um gigante com absoluto controle de mercado.
No mesmo períodos, nove empresas – entre as quais os Hospitais AC Camargo, Sirio-Libanês, Albert Einstein, Beneficência Portuguesa, HCor, Oswaldo Cruz e Mater Dei, além de administradoras de benefícios, deverão entrar com pedido de impugnação no CADE (Conselho Administrativo de Direito Econômico).
Curiosamente, em vez de questionarem a concentração de mercado, denunciaram o uso de informações privilegiadas pela Rede D´Or, pelo fato de ser a controladora da Qualicorp. Com os planos da SulAmérica, além de oferecer condições especiais, a Qualicorp teria acesso a valores praticados por outros hospitais, ganhando vantagem competitiva.
Tudo teria que passar pela aprovação da ANS. No meio do processo, entrou um novo diretor, Jorge Antônio Aquino Lopes, assumindo a Diretoria de Normas e Habilitação das Operadoras da ANS, que se colocou contra a fusão. A Rede D´Or já ingressou com recurso administrativo para reverter em decisão colegiada. O atual presidente da ANS Paulo Rebello garante a maioria para a D´Or. Obviamente, sua troca derrubaria a maioria.
As partes estão acelerando para fechar a venda antes da posse do novo governo.
As partes estão acelerando para fechar a venda antes da posse do novo governo.
Trata-se de um jogo intrincado, com troca de dossiês e tudo o que caracteriza guerras comerciais. Se mantido Paulo Rebello, consolida-se a influência da Rede D´Or no jogo. Se Serapieri emplacar um presidente, irá expor diretamente o governo Lula.
E, sobre todo esse imbróglio, o destino de 350 mil planos individuais que ninguém quer.
Por aí se entende a guerra que se instalou em um setor que, nos últimos anos, não têm apresentado resultados favoráveis.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)