O Brasil é mais feio do que eu pensava, podendo chegar a ser horroroso em alguns aspectos. Pensei nisto enquanto acompanhava surpreso, na noite de domingo, os primeiros resultados das eleições. O retrato que saia das urnas revelava uma carcaça de 522 anos carcomida, preconceituosa e reacionária. Uma realidade grotesca, irreconhecível para um turista irlandês ou sueco que aqui aportasse, iludido pela imagem de um país ensolarado, alegre e tropical, aberto as controvérsias e ao debate democrático.
Amanheci na segunda feira assombrado com essa visão panorâmica, de aceitação da política da morte, do assédio, do racismo. Desci para ir ao Pilates sentindo-me um marciano, perguntando que país horroroso era este em que vim parar. Dentro do elevador chequei as novidades no celular e constatei que é um país de merda, conforme já postavam os mais impacientes nos diversos grupos da Bolha.
A primeira pessoa com quem cruzei foi o porteiro Adauto. Ele me saudou com a maior efusão e alegria. “Ganhamos”, disse sorrindo e me desejando um bom dia. Caminhei ressabiado. Ao passar em frente ao prédio seguinte a mesma coisa. Barbosa fez o L de positivo com o polegar e o indicador e cantou: “Vamos na frente para o segundo turno”. O terceiro foi aquele que a Tereza deu a mão e confirmou os dois anteriores.
A Frente dos Porteiros Nordestinos me devolveu o rumo e a esperança. Na minha comunidade de pequenos burgueses ninguém prestara atenção que Lula vencera a eleição com uma folga de mais de seis milhões de votos de diferença. Não ter levado no primeiro turno e o crescimento inesperado, não captado pelas pesquisas, dos votos de Bolsonaro e seus asemelhados aberrantes, foi uma decepção estonteante. Amigos passaram a noite sem dormir.
Mas então que porra de país é este, vão querer saber os dublinenses e parisienses que nos visitam, certos de que estão chegando a um país tropical e logo perguntam pela “nêga chamada Tereza.” Jorge Ben Jor bem que podia lhes explicar o que está acontecendo em seu ex-rincão tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza.
Brasileiros, enrustidos e envergonhados, votaram no candidato que faz o elogio público da tortura. Algo repulsivo para ser assumido em família ou fora dela. Não se importam com a destruição da floresta amazônica e muito menos com a invasão das terras indígenas e o garimpo ilegal. Acolhem com bom humor atos de corrupção da família presidencial, como as rachadinhas e compras de apartamentos com dinheiro vivo. Corrupto é o outro, repetem de uma forma cínica mantras espalhados pelos gabinetes da mentira e do ódio.
Em sua maioria, são pessoas esquivas, conservadoras e reacionárias, (há os violentos) que despontaram das urnas numa escala bem maior do que se apregoava. Parte delas é filiada às igrejas neopentescostais, que por sua vez neste governo militar infiltraram-se nos gabinetes ministeriais. Pastores fazem lobby e em suas transações chegam a receber sua parte em jóias ou em dinheiro escondido em pneus.
Sua adesão às teses do candidato de extrema direita à reeleição é tal que os leva a relevar as quase 700 mil mortos na pandemia em decorrência do negativismo de seu chefe. Fazem de conta que não veem suas reiteradas ameaças à democracia, a roubalheifra do orçamento secreto que se quer protegido por um sigilo de 100 anos. Seu discurso de não reconhecer o resultado das eleições, fechar o STF e prender juízes que questionam suas ações.
Tudo isso acobertam. Este é do horror e a feiúra do Brasil aclamado por Bolsonaro e seus fanáticos seguidores. Fenômeno que ultrapassa o campo de estudos da sociologia para penetrar nas intrincadas teorias da escatologia, de final dos tempos. É visível neste cenário a existência de um delirante sentimento anti-petista profundo, assimilado por parcela da classe média, que se expande pelas correntes evangélicas. A Assembleia de Deus anunciou que vai punir pastor que apoiar candidatos de esquerda.
Uma rejeição trabalhada pacientemente durante anos pela direita reacionária e a elite dominante, em associação com a grande mídia, vinculando os governos do PT a escândalos de corrupção. O PT é o diabo, martelou-se subliminarmente desde o segundo governo Lula, quando em seus governos os escândalos do mensalão e do petrolão foram revelados e apurados.
Neste ambiente, apontar com pouca ênfase com o é feito os riscos que Bolsonaro representa para a democracia não é suficiente para fazer frente ao anti-petismo arraigado. O partido precisa reconhecer erros que foram cometidos e despetizar a ampla frente de Lula diante do eleitor e da sociedade, para manter seu espaço no futuro democrático do país.
Na visão da antropóloga Isabela Kalil, coordenadora do curso de Sociologia e Política da Fesp-SP, o bolsonarismo se destaca como um fenômeno político, social e cultural novo, que mistura militarismo e religião. Não pode ser chamado apenas de conservadorismo, pois se formou uma combinação original. “Conservadorismo religioso já existia antes, mas ele não estava combinado com a questão armamentista. O bolsonarismo não inventou a extrema direita radical, mas foi hábil em lhe dar contornos próprios e torná-la palatável para um público mais amplo.”
ALVARO CALDAS ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)
*Jornalista e escritor