E no breve período em que esteve em Londres (domingo, 18, e 2ª feira, 19 de setembro) para representar o Brasil nas cerimônias de exéquias para a Rainha Elisabeth II, que, paralelamente, serviam para reforçar o papel da monarquia da Casa de Windsor, agora sob a liderança do Rei Charles III, o presidente Jair Bolsonaro fez o Brasil passar um tremendo vexame internacional, com sucessivos deslizes na postura recomendada para os 10 dias de luto do Reino Unido. Menos mal que o presidente brasileiro, em campanha de reeleição cada vez mais difícil pela majoritária rejeição demonstrada pelos eleitores nas pesquisas dos mais diversos institutos, desvencilhou-se de seu folclórico papagaio de pirata que traja um exuberante terno verde com berrante gravata amarela, o dono das Lojas Havan, Luciano Hang. Pensava-se que os diplomatas do Itamaraty tivessem explicado e convencido o presidente sobre a rigidez do protocolo. Ledo engano. Bolsonaro era o próprio papagaio de pirata em todas as cerimônias em homenagem à soberana que reinou por mais de 70 anos, pois pretendia usar em sua propaganda eleitoral as suas aparições em meio a Chefes de Estado de todo o mundo que foram reverenciar Elisabeth II.
Mas tal e qual um desajeitado e sem noção, que conta piadas e gargalha no velório, ao lado do caixão do defunto, como a rigidez do protocoloco não permitia a ninguém além da própria estrutura da Realeza e do Foreign Affairs, Jair Bolsonaro foi flagrado no momento em que trocava palavras (com ajuda de intérprete, claro) com o novo Soberano do Reino Unido, que estava seguidamente expressando o luto pela perda da mãe, Rainha Elisabeth II, cometendo duas gafes grotescas. Na foto distribuída pelo Foreign Affairs (o Rei Charles III está de costas e pouco identificado), o presidente brasileiro, além de desrespeitar o protocolo e estender a mão direita para abraçar sua Majestade, como se fosse um correligionário ou apoiador, estampa um sorriso totalmente inadequado para o momento solene e que pedia contenção.
Noutra cerimônia, na qual está acompanhado da primeira dama Michele Bolsonaro, adequadamente trajada, Jair Bolsonaro deixou claro qual era seu objetivo na visita de Chefe de Estado ao funeral da Rainha: obter imagens para reforçar sua posição junto ao eleitorado. Por isso, incorporou à comitiva que fazia uma escala em Londres antes de rumar no dia seguinte a Nova Iorque, para, mais uma vez, representar o Brasil (tradição desde 1953) no discurso de abertura dos trabalhos da Conferência das Nações Unidas, aberta pelo próprio Secretário-Geral, António Guterres, o presidente, em campanha de reeleição, levou um padre católico (grupo religioso majoritário que dá ampla preferência ao ex-presidente Lula) e o pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo e um dos mais ativos apoiadores do candidato do PL de Valdemar Costa Neto entre o eleitorado evangélico (cerca de 30% do total), que tem preferência pelo atual presidente, para, em sua companhia, desfilarem compungidos ante o esquife da Rainha Elisabeth II.
Como os registros disponíveis eram apenas das câmeras de TV e de fotografias do governo britânico, a sobriedade para inglês e, sobretudo, para o eleitorado brasileiro ver, não foi capaz de apagar o escandaloso comício na sacada da embaixada brasileira, no aristocrático bairro de Mayfair, onde, por sinal, nascera a Rainha. Se em dias comuns, a manifestação ruidosa dos apoiadores já seria uma quebra de rotina no pacato quarteirão, o ruidoso rompimento do silêncio em meio ao luto profundo dos cidadãos britânicos e demais súditos de Elisabeth II espalhados pelo mundo chocou a imprensa britânica e a mídia mundial, que registraram o episódio como afronta. Mal acostumados aos insultos diários do seu líder à imprensa no cercadinho do Alvorada, os bolsonaristas mais radicais investiram contra jornalistas da BBC, a emissora estatal britânica de rádio, TV e mídias instantâneas. Um britânico aposentado, Chris Harvey, de 61 anos, assistiu estupefato à cena e interferiu, indignado e enérgico, pedindo respeito e compostura à turba ensandecida, lembrando que todos estavam guardando luto e recato pela morte da Rainha.
O abismo civilizatório revelado por Bolsonaro e seus seguidores fanáticos depõe fortemente contra o Brasil e os brasileiros em geral. Muitos vão compreender que o desprezo pelo meio ambiente, aos povos originais que ainda habitam reservas indígenas pelo país afora e especialmente na Amazônia, é a ponta de um iceberg muito mais perigoso. Graças à fibra de um bravo herói britânico, o primeiro-ministro Winston Churchill, que serviu ao pai da Rainha Elizabeth II, o Rei George VI, o mundo não se rendeu ao totalitarismo nazista de Adolf Hitler. Não seria agora, em pleno ano de 2022, no 3º milênio, que os britânicos iriam aceitar tamanha afronta ao cerimonial cuidadosamente preparado para que a sucessão de Elisabeth II garantisse vida longa à Casa de Windsor. Só que os britânicos não imaginavam que estariam diante de “Um Convidado bem Trapalhão”, mais caricato e desastrado que o famoso personagem que imortalizou no cinema o ator Peter Sellers. Se o Foreign Affairs, tão meticuloso na triagem dos convidados e nas medidas de segurança em torno do funeral, tivesse pesquisado um pouco mais sobre o presidente brasileiro, saberia que ele celebrou e ainda celebra a tortura, reverenciando o coronel Brilhante D’Ustra. Que não se condoeu pelas mortes na Covid-19 (que levaram mais de 685 mil brasileiros). Que chegou a debochar da crise de falta de oxigênio dos enfermos da Covid-19 (como asmático, imagino o drama de cada um). E pouco se empenhou pelas vacinas, as quais destratou, no começo de 2021, perante o então Príncipe de Gales, incluindo a da AstraZeneca, desenvolvida nos laboratórios da incubadora de negócios da Universidade de Oxford e que foi replicada no Brasil pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Enfim, Bolsonaro é aquele indivíduo que ignora no Maracanã o minuto de silêncio pelos mortos na pandemia. Sua única veneração é ao Hino Nacional, quando assume o ar compungido de falso guardião dos valores brasileiros. Seu discurso canhestro e extemporâneo na sacada da embaixada foi corretamente barrado de ser reproduzido na campanha eleitoral pelo ministro corregedor do Tribunal Superior Eleitoral, pois exibia o uso de um próprio nacional para fins privados (a reeleição).
Mas não sei se você, caro leitor, teve a mesma impressão do que eu: a postura impassível do pastor Silas Malafaia ao lado de Bolsonaro, na varanda, me fez voltar àqueles números circenses, também usados na TV nos velhos tempos em que um ventríloquo punha um boneco no colo que desautorizava, com uma sucessão de disparates, tudo o que o próprio falava, com ar sério. No caso, Malafaia não mexia um músculo ou sequer esboçava um leve sorriso, mas Jair Bolsonaro repetia tudo o que a cartilha do pastor mandava. Era tudo marketing de campanha, em meio ao funeral da Rainha. Comportamento que não condiz com a tradição brasileira.
Na ONU, um comício para o Brasil
Seria injusto se este colunista atribuísse apenas a Jair Bolsonaro a primazia de discursar na abertura dos trabalhos da Conferência Anual da Organização das Nações Unidas falando de questões domésticas, que se sobrepõem aos recados que se espera que uma nação tão grande e influente como o Brasil (5º país do mundo em extensão territorial, o 6º mais populoso, após China, índia, Estados Unidos, Indonésia e Paquistão, e à frente Nigéria, única nação que supera o Brasil em contingente de negros) queira dar ao mundo. Desde que Oswaldo Aranha assomou ao púlpito da então iniciante ONU, que substituía a fracassada Liga das Nações, em 1948, com intervenção decisiva pela criação do Estado de Israel na Palestina que era domínio britânico no Oriente Médio, o Brasil se credenciou para ser um dos membros, em sistema de rodízio, do colegiado ampliado do Conselho de Segurança da ONU, originalmente composto por representantes dos Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia (antes de 1991 era a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) e a China. Vale dizer, nações com arsenal nuclear e alto poder de destruição do Planeta, sob supervisão de uma governança equilibrada e responsável.
Nos tempos posteriores à dissolução da URSS, que foram precedidos pelo histórico acordo de desnuclearização, o conjunto das nações passou a ver outra ameaça latente ao Planeta Terra: o aquecimento global, como efeito da poluição causada pela atividade humana, em especial pelo uso de combustíveis fósseis. Para não ser injusto em relação a Bolsonaro, a única pauta comum entre todos os presidentes que discursaram na ONU, desde a redemocratização em 1985, foi a reivindicação de alargamento, de modo permanente, do Colegiado do Conselho de Segurança da ONU, que ele reiterou, com a inclusão de Brasil, Índia, África do Sul e mais um representante do Oriente Médio ou da Ásia.
O provincianismo de usar o púlpito para falar para a gente brasileira se torna uma tentação quando a abertura dos trabalhos da ONU coincide com o ano eleitoral, com eleições em outubro. O cenário da ONU, muitas vezes com o auditório deserto, como este ano, pois o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que sempre intervém após a fala do representante brasileiro, na 3ª feira (e atrai muitos chefes de governos, diplomatas e jornalistas para acompanhar o plenário), optou por falar no dia seguinte, 4ª feira. Ávido por criar cenários e falas para serem mostrados no seu programa eleitoral, o boneco do ventríloquo Silas Malafaia estava mais loquaz do nunca, ainda que a sintaxe e a entonação das frases e palavras de ordem nada ficassem a dever a um boneco de verdade. Mais uma vez, o TSE cortou muito da verborragia.
Mas aqui faço justiça a Jair Bolsonaro. Leon Tolstoi, o genial escritor russo, já dizia: ”Fale de sua aldeia e estará falando para o mundo”. Descontando as mentiras, que dominavam boa parte das narrativas (com omissões equivalentes de falhas graves), Jair Messias Bolsonaro repetiu um roteiro reinaugurado pelo presidente José Sarney (os generais do período militar se esquivavam da exposição na ONU, quando seriam cobrados pelas mortes e torturas de adversários políticos da ditadura), prorrogado por Collor, assim como Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma (que ousou dar receita de economia ao mundo, após a crise financeira mundial de 2008), Temer e o próprio Jair Bolsonaro.
Lula, quando assumiu o governo brasileiro pela primeira vez, em 2003, quis falar para o mundo do Programa Fome Zero. Diante das dificuldades da economia, que iria penar até meados de 2004 (quando o apetite comprador de alimentos, minérios e petróleo oxigenou a economia brasileira e gerou divisas e empregos), era o que podia oferecer de imediato. Mas o Fome Zero pretendia ”não dar o peixe, mas ensinar o pobre a pescar”. Foi um fracasso monumental o programa. O governo Lula conseguiu o objetivo de reduzir drasticamente a pobreza e afastar a fome – paradoxo vergonhoso num país que ampliava sucessivamente as safras agrícolas visando à exportação, mas não oferecia comida acessível a boa parte da população – com a fusão dos diversos programas assistenciais criados por Ruth Cardoso no governo de FHC, o Comunidade Solidária, que envolvia as lideranças locais da sociedade, no Bolsa Família. Foi o Bolsa Família e não o Fome Zero, que virou o grande sucesso da inclusão social dos governos Lula, quando o crescimento da economia propiciou valorização dos salários, a começar pelo piso mínimo, e debelar a fome no Brasil.
Por isso é chocante que duas décadas depois um presidente brasileiro suba ao púlpito das Nações Unidas para proclamar a excelência do Auxílio Brasil (novo nome do turbinado Bolsa Família), sem que a questão da fome tenha sido resolvida. Ao contrário, voltou com toda a intensidade, tendo alcançado 33 milhões de brasileiros em junho/julho. Como o governo turbinou o BF em AB a partir de agosto, aumentando o valor mensal de R$ 400 para R$ 600, o presidente Bolsonaro chegou ao desplante de dizer (felizmente apenas no Brasil) que “a rigor não existe fome para valer no Brasil”, mas desdisse todas as promessas feitas na Cop-26, a Conferência das Nações Unidas sobre o clima, realizada em Paris em outubro de 2021, quando o Brasil se comprometeu a reduzir as emissões de gás carbônico na atmosfera. Além de incentivar invasões a terras indígenas pelo garimpo, e o desmatamento e queimadas na Amazônia, Bolsonaro se jactou de ter baixado os impostos da gasolina (um dos mais nocivos combustíveis fósseis). Bolsonaro fez letra morta da Cop-26.
Entretanto, seu ministro da Economia, Paulo Guedes, alegando que o Auxílio Brasil e o pacote de bondades eleitorais, reforçados por reduções de impostos, vão transferir 1,5% do PIB (mais de R$ 100 bilhões) aos mais pobres, garantiu esta semana ser “mentira que haja 33 milhões de brasileiros passando fome”. A questão virou semântica eleitoral. Se não são 33 milhões, são 30 milhões ou 27 milhões. O que não muda é o fato de que o “país celeiro do mundo” não consiga dar emprego e dignidade alimentar a seu povo. Fruto do absoluto fracasso do liberalismo extremo de Guedes e da insensibilidade social de Jair Messias Bolsonaro, que só se lembrou do povo quando lhe faltaram votos. Por sinal, ao divulgar a pesquisa DataFolha na 5ª feira, com Lula avançando para 47% e Bolsonaro estacionado em 33%, um site saiu-se com este provocativo título, que cutuca o mito do “imbrochável”: “Na hora H, Lula cresce e Bolsonaro não sobe”. Pano rápido.
A Paz e a esperança
O mundo ficou em suspense esta semana depois que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, para tentar reverter os reveses na invasão da Ucrânia, fez uma ameaça ao ocidente que, liderado por Estados Unidos, Reino Unido, Europa, Canadá, Japão e Coreia do Sul, impôs sanções financeiras e comerciais à Rússia e suas grandes empresas: anunciou a convocação de 300 mil reservistas e ameaçou fazer uso de parte do gigantesco arsenal nuclear herdado da dissolução da URSS, em 1991.
O urso é um animal que quando acuado reage ferozmente. Espera-se que Putin, para não amargar uma derrota para o implacável “general inverno”, que derrotou déspotas e tiranos, como Napoleão e Hitler, não lance de armas que possam varrer a Humanidade da face da Terra. Por enquanto, carrega nas costas, além de russos e ucranianos mortos na invasão da Ucrânia, mais de uma dúzia de mortes misteriosas de altos funcionários que assumiram as gigantes russas do petróleo&gás após o fim da URSS, e que tiveram os fundos congelados, afetando a vida financeira de laranjas e seus prepostos. Os casos se assemelham, em muito, às execuções das máfias.
Do mesmo modo, na reta final da campanha do primeiro turno, desejo que a mensagem de Paz e esperança renovada ontem (26) pelo meu único exemplar de Ipê branco, que voltou a florir após o vendaval no fim da tarde que sacudiu e alagou São José do Vale do Rio Preto, município da região serrana onde tenho sítio, norteie os brasileiros para trazer renovação do ambiente brasileiro em 2023. No fim de agosto, o ipê floriu. Mas, suas flores, brancas como a paz, que costumam chegar em setembro, caíram totalmente em 3 de setembro. Imaginei que fosse um boicote ao 7 de Setembro de Bolsonaro. Ou que fosse influência do aquecimento global, pois o calendário dos ipês deste ano foi totalmente alterado (os rosa e roxos, que florescem de fim de maio a julho, se anteciparam um mês). Os amarelos, que reinam em julho e agosto, deixando setembro para o branco, soberano, estão atrasados (há um lindo amarelo aqui na Lagoa, lado Ipanema, na esquina de Epitácio Pessoa com Maria Quitéria).
Vejo agora que o recado é outro, de Paz e esperança na Primavera. Amém.
O boneco do ventríloquo Malafaia e o vexame no funeral da RainhaBolsonaro e o seu ‘ventríloquo’ pastor Malafaia na sacada da embaixada do Brasil na InglaterraO Ipê pinta de branco a paisagem de São José do Vale do Rio Preto
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)