O aprofundamento da crise das democracias produz duas saídas: a mudança da democracia ou a inevitabilidade das ditaduras
A crise tem um papel fundamental na vida das pessoas e dos países. Pode levar a grandes tragédias, mas pode significar o início de grandes mudanças.
O início da industrialização brasileira decorreu de uma enorme crise cambial, que obrigou o recém empossado Getúlio Vargas a proibir o livre fluxo de capitais. Parte relevante foi direcionada, então, para levantar empresas.
40 anos de crises cambiais foram resolvidas com o acúmulo de reservas cambiais no governo Lula. E a crise de 2008 transformou Lula, de seguidor passivo da herança do real (com juros altos e câmbio apreciado), em um estadista reconhecido mundialmente.
Tem-se agora, duas crises que começam a promover mudanças no sistema mundial.
A primeira, a crise climática, levando à radicalização das metas de preservação ambiental.
A segunda, a enorme desigualdade acelerada a partir da crise de 2008 e da atuação do FED (o Banco Central americano) despejando trilhões de dólares para salvar o sistema financeiro, e deixando mutuários a descoberto.
Especialmente no Brasil, a explosão da miséria está produzindo uma revisão em um conjunto de dogmas que sustentou por décadas o primado da prioridade do mercado – e da rentabilidade rápida – sobre projetos de país.
Mesmo no tal do mercado, as cabeças mais lúcidas – em geral, gestores de fundos estrangeiros – já perceberam que a prioridade primeira das próximas políticas públicas deverá ser o combate à fome e à miséria.
Outro grande desafio será tirar o curto-prazismo. Há uma ignorância férrea, sólida, disseminada especialmente pela mídia, que coloca a distribuição de dividendos como único ponto de avaliação de executivos.
Desde que a financeirização espalhou-se pelo país, consagrando o estilo dos CEOs genéricos – aqueles que assumem empresas apenas pela habilidade com a Tesouraria, sem conhecimento maior do negócio – apenas poir sua habilidade em conseguir bons resultados nos balanços trimestrais.
Cortes de investimento melhoram os balanços e comprometem o futuro das empresas. Em outros tempos, vendia-se a ideia dos acionistas eternos de empresas, poupadores que adquiram ações do Banco do Brasil, da Petrobras, da Light, e guardavam permanentemente.
Com a expansão dos fundos de investimento, esses hábitos mudaram. A busca de resultados imediatos transformou o mercado de capitais em um grande bingo, induzindo os gestores de empresas a medidas que privilegiem o curto prazo.
O caso Petrobras é trágico – mesmo da ótica de empresa privada. Um setor que exige grandes investimentos para substituir o exaurimento de campos antigos, passou a distribuir dividendos em volume superior ao próprio lucro contábil. É uma morte a médio prazo, mas não mereceu uma condenação sequer da mídia.
O aprofundamento da crise das democracias produz duas saídas: a mudança da democracia ou a inevitabilidade das ditaduras. Como lembra Marcos Nobre, em livro recente, há um pudor em criticar as deficiências do modelo democrático, com receio de fortalecer os impulsos autoritários.
Na verdade, uma discussão tão relevante quanto a mudança do modelo econômico, da financeirização, será a reforma política. As consequências da tragédia bolsonarista não permitirão que se fuja do tema.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)