O CORAÇÃO DO SOLDADO LIBERTADOR

A paradigmática presença, em solo brasileiro, da urna contendo o coração de Dom Pedro (1798 – 1834), que cá é I, com o título de O Libertador, e, na Metrópole, IV, como O Rei Soldado, foi, naturalmente, um dos momentos marcantes nos festejos de 200 anos da Independência do País – comemorada em 7 de setembro último, inclusive com a reinauguração do monumental Museu do Ipiranga, junto ao riacho do histórico bairro paulistano.

A vinda, pela primeira vez ao Brasil, do coração de Dom Pedro, guardado a cinco chaves na invicta cidade do Porto, na Capela-Mor da Igreja de Nossa Senhora da Lapa, é um evento que, para além de assinalar a celebração de dois séculos da Independência, lança um extraordinário facho de luz nos memoráveis desígnios da trajetória de Portugal e Brasil ao longo de 522 anos. O coração foi doado à Diocese do Porto a pedido do próprio monarca, que expressou o desejo em testamento.

A cidade que dá nome a Portugal foi o ponto de partida de sua luta à frente dos liberais contra o ‘absolutismo’ do irmão Dom Miguel I (1802 – 1866) – razão também da proclamação de Independência. Dom Pedro é cultuado nas duas margens do Atlântico. Tornou-se, sem dúvida, a mais emblemática figura nacional dos dois países nestes 200 anos. Originou, ainda, os ramos dinásticos que mantiveram no trono a Sereníssima Casa de Bragança em Lisboa e no Rio de Janeiro.   

Sua filha, Dona Maria II (1819 – 1853), A Educadora, daria continuidade aos bragantinos na Europa, e o filho, Dom Pedro II (1825 – 1891), O Magnânimo, ao Império brasileiro nas Américas. As duas linhagens perderam a Coroa, respectivamente, em 1910 e 1889. Mas os atuais herdeiros, igualmente, descendem de Dona Maria II e de Dom Pedro II e postulam o restabelecimento da Monarquia: Dom Duarte, de 77 anos, em Portugal, e Dom Bertrand, 81 anos, no Brasil.

O valoroso Dom Pedro era neto da indomável Rainha Dona Maria I (1734 – 1816), conhecida pelos epítetos de A Piedosa e A Louca, e filho do Rei Dom João VI (1767 – 1816), O Clemente, criador do Reino Unido Portugal e Brasil, em 1815 – data em que a antiga colônia ganhou, na verdade, a independência. Tendo em comum apenas o fato de serem governados por um só monarca – como nos ensina um dos maiores historiadores brasileiros, o baiano Pedro Calmon (1902 – 1985), na sua portentosa obra em sete volumes da “História do Brasil”.

Semelhante, portanto, ao Reino Unido Britânico, que congrega Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. Ou ao Império Austro-Húngaro, que englobou, entre os séculos XIX e XX, territórios de onze países da Europa Central. Ou ainda do Império Português que, após o desaparecimento do Rei Dom Sebastião (1554 – 1578), O Desejado, passou a ser comandado, no período de 1580 a 1640, pelo ramo madrilenho da Casa dos Habsburgos. Acumulando a administração do Brasil, bem como de todas as Áfricas e das imensas áreas no continente asiático, dentre as quais, a Índia.  

Convém enfatizar duas transcendentais questões históricas que não podem ser esquecidas nos 200 anos de Independência. A primeira é que, a rigor, a rigor mesmo, o Brasil ficou independente em 1815, como vimos, com a instituição do Reino Unido. A segunda, talvez, a mais importante, é que a Independência se dá justamente no contexto do início da guerra civil entre os filhos de Dom João VI, divididos, como observamos, pelos valores liberais e conservadores. E não, ao contrário do que alguns pesquisadores apregoam, consequência de uma guerra patriótica contra os “colonizadores” lusitanos. Prova disso é que, aqui como lá, prevaleceu e reverenciamos o coração liberal de Dom Pedro.  

ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)

Albino Castro é jornalista e historiador

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