A ABSTENÇÃO PODE DECIDIR A ELEIÇÃO

CHARGE DE AROEIRA

Quem está fazendo cálculos e projeções com base nas pesquisas eleitorais desta semana, em especial da última pesquisa Datafolha, realizada entre os dias 8 e 9 de setembro – já captando os impactos dos abusivos atos de Bolsonaro no 7 de setembro e a nova queda de 0,36% na inflação de agosto (1,042% em dois meses), divulgada pelo IBGE na 6ª feira -, está esquecendo um dado muito importante, que pode mudar a tendência de 45% em Lula e de 34% em Bolsonaro: a abstenção dos eleitores no 1º turno de 2018 foi de 20,3%. No 2º turno, quando há menos cabos eleitorais trazendo os eleitores às urnas, a abstenção cresceu e foi a 21,3%. É verdade que a militância de esquerda, em particular do PT, ficou desanimada com a substituição forçada de Lula (que era o favorito e ficou preso em Curitiba) por Fernando Haddad, o que pode justificar os altos percentuais de não comparecimento dos eleitores às urnas.

Mas a soma de 4% de brancos e nulos com os 3% de eleitores que não sabem em quem votar, apontada no último Datafolha, é bem menos do que a metade do histórico das últimas eleições. Ou seja, os cálculos de que Lula estava conquistando 48% dos votos válidos contra 36% de Bolsonaro (excluídos as indicações de voto em branco ou nulo ou o “não sabe”), e que, portanto, estava com chances ainda de vencer a fatura no 1º turno, podem estar muito longe da realidade. As projeções estão sendo feitas em torno de 90% de votos válidos (nas pesquisas), quando nas últimas eleições compareceram menos de 80% dos eleitores e ainda houve votos brancos e nulos. Os não votos somaram 28,9% em 2018.

Um dos grandes temores de Donald Trump nas eleições de novembro de 2020 era exatamente o maciço engajamento do eleitor Democrata ou não Republicano a partir do apelo ao voto pelo correio (velha prática americana, num país em que o voto não é obrigatório como no Brasil). Com a recomendação de que as aglomerações fossem evitadas na Covid-19 (a vacinação nos Estados Unidos só começou em dezembro), o voto pelo correio ganhou grande adesão e terminou por derrotar Trump por quase 7 milhões de de diferença na votação popular, e Biden ganhou no Colégio Eleitoral por 306 a 232 votos. Por isso, antes mesmo de começarem as votações (que não se restringiram a um dia só, como no Brasil), Trump começou a estrilar. Alegava o voto pelo correio (precaução de quem não queria ser contaminado pela Covid-19 nas filas de votação – a incidência foi bem maior entre os republicanos, que depois ficaram recalcitrantes às vacinas).

Foi num crescendo até promover a infame invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, quando o vice-presidente, Mike Pence, presidia a sessão do Congresso para diplomação do presidente eleito, Joe Biden, e da vice, Kamala Harris. Um dos insufladores do ataque a um dos pilares da democracia americana, o ex-assessor e líder direitista Steve Bannon, se entregou 6ª feira à Justiça para ser julgado pelas articulações e o desvio de fundos que iriam financiar a construção do muro para impedir a entrada de mexicanos e latinos nos EUA (e pode ter sido desviado para financiar a ação de direitistas e apoiadores de Trump). Por coincidência, na véspera de sua prisão (e do 7 de setembro), Bannon, um dos líderes da QAnom e do “Movimento”, conversou com o filho 02 do presidente Jair Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que lidera esse grupo ultradireitista no Brasil, para traçar estratégias para a campanha eleitoral de outubro.

O tempo joga contra Lula

Os estratos das recentes pesquisas eleitorais vêm mostrando que, aos poucos, as medidas adotadas pelo governo Bolsonaro para turbinar a economia desde maio estão fazendo mudar o humor de parte dos eleitores. Mas não na velocidade esperada pelos coordenadores de campanha. O governo mobilizou um arsenal pesado para derrubar a inflação a canetadas, mirando a energia elétrica e os combustíveis. Mas esqueceu que o que pesa mais no bolso da população de menor renda (até dois salários mínimos – R$ 2.424) são os gastos com a alimentação e bebidas e os transportes públicos.

Em maio e junho houve antecipação do 13º dos aposentados e pensionistas do INSS (não será no Natal) e liberação de R$ 21 bilhões em saques individuais do FGTS até R$ 1 mil, além de redução de IPI. A circulação de recursos turbinou o Produto Interno Bruto no 2º trimestre (abril a junho) para 1,2%, puxado pelo crescimento de 1,3% do setor de serviços (que retomou a normalidade e representa 70% do PIB). Foi apostando nisso, com resultados pró Bolsonaro a partir de junho e julho, e inversão da curva liderada por Lula, já em agosto, que o estado-maior do governo conseguiu, com apoio descarado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que facilitou a votação em julho, antes do recesso, do “estado de emergência” para furar o teto e autorizar gastos no período eleitoral, com votação remota via celular até do próprio estado do deputado (idem no Senado).

Por sinal, 6ª feira, em solenidade no Congresso pelo Bicentenário da Independência (no 7 de Setembro, quando usou o aparato do Estado brasileiro, incluindo as Forças Armadas, em Brasília e em Copacabana, no Rio de Janeiro, como peças de sua campanha, Bolsonaro praticamente ignorou o Bicentenário), o presidente do Senado agradeceu muito a Arthur Lira.

Graças ao “pacote de emergência”, foram aprovados uma renúncia fiscal de R$ 100 bilhões e o rompimento do teto de gastos com a declaração do “estado de emergência”, até 31 de dezembro. O pacote envolveu caridade com o chapéu alheio (o ICMS cobrado pelos estados e repassados aos municípios para atendimento da saúde, educação e segurança pública, sobre energia elétrica, comunicações e combustíveis). E estes, cuja subida de preços tinha engordada a arrecadação federal e dos estados, ganharam o empurrão extra da zeragem do PIS/Cofins e da Cide sobre a gasolina, etanol, diesel, GLP e GNV, que levou à ampliação do Auxílio Brasil para R$ 600 a partir de junho e agosto, junto com mesadas de R$ 1 mil a caminhoneiros autônomos e taxistas, além do vale gás mensal, numa injeção de R$ 41,2 bilhões no bolso dos eleitores.

De quebra, após trocar o comando da pasta de Minas e Energia e da Petrobras, o governo aproveitou todas as janelas de oportunidades de quedas do petróleo no mercado internacional para derrubar o preço da gasolina, que tem grande peso na inflação. Chegou a 26,50% a queda acumulada da gasolina no IPCA de julho e agosto.

Havia dois objetivos na estratégia: 1 – derrubar a canetadas inflação oficial (medida pelo IPCA, que capta as despesas das famílias com renda até 40 salários mínimos – R$ 48.480; 2 – com a larga distribuição de dinheiro até dezembro para milhões de famílias, conseguir mudar as intenções de votos dos eleitores que pendiam para o ex-presidente Lula.

Os coordenadores da campanha de Bolsonaro (o filho 01, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, senador licenciado pelo PP-PI, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o presidente do PL, o notório Valdemar Costa Neto) acreditavam que as benesses mudariam o jogo em agosto. Estamos no primeiro decêndio de setembro e a 21 dias do 1º turno e, embora Bolsonaro tenha avançado, Lula segue na liderança. Há pouco tempo para mudar o jogo no 1º turno, mas até 30 de outubro, quando pode haver o 2º turno, aconteceria nova desaceleração da inflação e outra rodada de pagamento de benefícios para favorecer a reeleição do presidente.

Lula luta contra o tempo para alertar os eleitores da isca eleitoreira montada por Bolsonaro para criar uma sensação de melhoria na economia. As previsões para 2023 são bem sombrias, com a volta dos impostos e forte desaceleração do crescimento. Após alta de 2% a 2,7% este ano, o PIB deve murchar no ano que vem (segundo as previsões de bancos e consultorias, para a faixa de 0,5% a 0,8%). Isso com mais desemprego, gasolina e juros em patamares elevados.

Ninguém come gasolina

A estratégia do governo para alardear a queda da inflação deu certo, em parte. No IPCA, o item Transporte tem o maior peso na cesta de consumo (20,6%, superando os 19,3% gastos em Alimentação e Bebidas e os 15,6% de Habitação). A ida do ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, para o Ministério das Minas e Energia, em maio, facilitou a estratégia do governo de derrubar, a canetadas, a inflação do IPCA. No acumulado de 12 meses, ela atingiu o ápice de 12,13% em abril e estava em 11,89% em junho. Com a queda do ICMS em julho, o IPCA baixou para 10,07% em julho e agora para 8,73% em agosto, na 1ª queda abaixo de dois dígitos em um ano.

Economista egresso do Ipea, Sachsida era responsável por acompanhar a inflação na pasta de Paulo Guedes. Com o controle dos preços que mais pesam no IPCA em suas mãos (combustíveis, em Transporte, liderados pela gasolina e o etanol) e energia elétrica, em Habitação), era mais eficaz para Sachsida e Guedes atacarem os itens Transportes e Habitação para derrubar o IPCA e tentar influir positivamente em favor da reeleição do presidente Jair Bolsonaro, do que o Banco Central continuar elevando os juros, movimento que freia o consumo, inibe o investimento e endivida as famílias.

Acontece que há outras pesquisas, não eleitorais – no caso a de Orçamento Familiar do IBGE (POF-2018) -, que indicam que as famílias com rendimento de até dois salários mínimos (o grosso do eleitorado) comprometiam 61,2% de seu orçamento em despesas com Alimentação (22%) e Habitação (39,2%), praticamente o dobro dos 30,2% gastos pelas famílias com rendimentos superiores a 25 salários mínimos, que comprometiam 7,6% com Alimentação e 22,6% com Habitação. Desde 2018, os alimentos dispararam. Mas o governo mirou nos combustíveis e na energia. Os preços caíram no IPCA. No item Transportes, com alta de 20,12% em 12 meses e 7,38% no 1º semestre, os transportes públicos subiam 20,99% em 12 meses e 3,38% no ano, enquanto os combustíveis subiam 26,47% em 12 meses e 7,53% de janeiro a junho. Em Habitação, os combustíveis domésticos (gás natural e GLP) subiam 26,82% em 12 meses e 8% no ano.

As reduções dos combustíveis em Transportes somaram 26,50% nos últimos dois meses (fora setembro), sendo 14,15% em julho e 10,82% em agosto. Isso provocou queda acumulada de 8,031% no Item Transportes (o de maior peso no IPCA). O fato pode ter animado a militância com alta renda, os donos de motos, automóveis, caminhoneiros e taxistas (que não transferiram as benesses do governo para os consumidores – as tarifas de táxi, por exemplo, não baixaram!). Entretanto, ninguém come gasolina. No item Habitação, a energia elétrica baixou 7,123% em dois meses (5,78% em julho e 1,27% em agosto), gerando queda acumulada de 0,951% no item Habitação no período.

Em compensação, a inflação dos alimentos (que pesa mais nas despesas das famílias com renda de até 2 salários mínimos (R$ 2.424) subiu 1,54% nos últimos dois meses do IPCA (1,30% em julho e 0,24% em agosto). E acumulou 13,43% em 12 meses e 10,10% de janeiro a agosto. No INPC, que mede as despesas das famílias com renda até 5 salários mínimos (R$ 6.060), o item Alimentação e Bebidas pesa bem mais do que os Transportes. O combustível para veículo próprio é um item raro nas famílias de menor renda. O que pesa mais nessa faixa de renda é o transporte público, cujas taxas de variação chegam a ultrapassar o acumulado de 20% na média nacional. Em Curitiba subiram mais de 30%. No Rio, 11,12%.

A eleição e a inflação

Isto explica por que as pesquisas eleitorais têm mostrado resiliência na preferência dos eleitores com renda até dois salários mínimos (R$ 2.424) pelo ex-presidente Lula, enquanto o presidente Jair Bolsonaro conseguiu conquistar mais votos nas camadas com renda acima de cinco salários mínimos (R$ 6.060). De acordo com o último Datafolha, na faixa até 2 SM, Lula vence por 54% a 26% de Bolsonaro. Já o presidente vencia por 49% a 34% entre os eleitores com renda entre dois e cinco salários mínimos e por 42% a 29% entre os que ganham mais de 10 salários mínimos (R$ 22.120).

A equipe de campanha de Bolsonaro estava apostando que as benesses eleitoreiras temporárias e mais o Auxílio Brasil turbinado de R$ 400 para R$ 600 iriam carrear votos para Bolsonaro. Mas a pesquisa Datafolha, feita junto com 2.676 eleitores de 191 municípios, indicou que entre os beneficiários diretos e indiretos do Auxílio Brasil a preferência seguia firme com 56% para Lula e 26% (quase metade) para o presidente Jair Bolsonaro. No Nordeste (26,9% dos eleitores), Lula vence por 60% a 23% e leva vantagem de 41% a 36% no Sudeste (que concentra 42,9% do eleitorado). Entre as mulheres, que somam 53% dos eleitores, Lula vencia por 47% a 29%. E a rejeição a Bolsonaro se manteve em 51%, contra 39% para Lula. Detalhe importante: os mais ricos têm mais facilidade para ir às urnas votar do que os mais pobres.

Lugar de fala, ou de falo?

Na reta final da eleição, as palavras ditas, na empolgação dos eventos, podem trair a estratégia de campanha e o marketing estudado para distribuir as peças pré-gravadas na campanha eleitoral do rádio e TV e se virar contra o candidato. Bolsonaro tem rejeição alta entre as mulheres (53% do eleitorado). E entre os mais pobres (incluindo negros e pardos, que chegam a 56% do eleitorado).

Sua fala machista e grosseira, em louvor ao próprio pênis, no 7 de Setembro, em Brasília, pode ter agradado a bolsonaristas machistas. Mas, certamente, ampliou a rejeição entre as eleitoras. Por sua preferência pelos evangélicos, Bolsonaro tem maior rejeição entre os católicos, enquanto Lula tem fragilidades para conquistar votos dos evangélicos.

[Vale lembrar que os pastores, além de grandes cabos eleitorais que tangem o rebanho de fiéis, como faziam os “coronéis” dos rincões no tempo do voto em cédulas, parecem ter assumido a função de intermediários na captação de doações junto a empresários apoiadores para bancar eventos políticos, driblando as restrições da Justiça Eleitoral – a atuação do pastor Silas Malafaia, que alugou o trio elétrico onde Bolsonaro discursou em Copacabana é um exemplo disso e deveria ser investigada pelo Tribunal Superior Eleitoral e até pela Receita Federal, agora que o PIX tornou as transferências de recursos bem mais fáceis e imediatas]. Alô, ministro Alexandre de Moraes.

Outro ponto fraco de Lula era no eleitorado dos estados dominados pela atuação do agronegócio, face à histórica ligação do ex-presidente com o MST. O eleitorado do agronegócio tem forte presença no Sul (onde estão 14,8% dos eleitores) e no Centro-Oeste (7,4% dos eleitores do país). Nos levantamentos do Datafolha, Lula vinha se saindo bem nas duas regiões (onde Bolsonaro mostrou grande força em 2018). Na pesquisa de 1º de setembro, Lula levava pequena vantagem de 37% a 35% no Sul e por 39% a 37% no Centro-Oeste (ainda que, pela margem de erro de 2 pontos percentuais para cima ou para baixo nas pesquisas, os resultados pudessem caracterizar empates técnicos).

Mas Lula avançou o sinal em reunião com o MST, no começo do mês, ao taxar de “fascistas” alguns empresários do agronegócio. A campanha de Bolsonaro amplificou as acusações, revivendo as ameaças de invasão de terras no campo e propriedades nas cidades (Movimento dos Sem Teto). Resultado: na pesquisa do Datafolha divulgada dia 9 de setembro, Lula manteve os 37% no Sul, mas Bolsonaro avançou de 35% para 39% (ainda um empate técnico, mas as peças se mexeram no tabuleiro). Pior aconteceu no Centro-Oeste, para onde se dirigiram as críticas do candidato do PT: Lula despencou nove pontos, de 39% para 30%, enquanto Bolsonaro avançou 10 pontos, de 37% para 47%.

Com tropeçadas assim, os dois candidatos, que alijaram os demais disputantes, trazem o 2º turno do dia 30 para 2 de outubro. Ciro Gomes, PDT, que criticou Lula, perdeu dois pontos, caindo a 7% (coincidentemente Bolsonaro ganhou dois pontos, que não eram os de Ciro, por certo) e Simone Tebet (MDB) manteve os 5%. Bolsonaro quer evitar desfecho no 1º turno, tentando ganhar votos com nova baixa na inflação e rodada de benesses até 30 de outubro. Lula apela para o voto útil para liquidar a fatura antes que o tempo favoreça o adversário. Por enquanto, Lula venceria por 53% a 39% no 2º turno.

O certo é que a temperatura vai esquentar daqui para a frente (e não apenas pela chegada da Primavera). Espera-se que o radicalismo não traga mais mortes (por ora, só no PT) e rachas entre amigos e até familiares.

GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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