O tom conformado do presidente Bolsonaro com as diversas pesquisas eleitorais que apontam queda ou estabilidade em suas intenções de votos, contra estabilidade ou ligeira alta do ex-presidente Lula, sobretudo no Sudeste (42,9% do eleitorado) e Nordeste (26,9%) e entre as pessoas que recebem até dois salários mínimos (R$ 2.424) – a maioria do eleitorado – será posto à prova amanhã nos atos de sua campanha no 7 de setembro, que comemora o Bicentenário da Independência do Brasil de Portugal (esvaziado em função da campanha de reeleição).
Ontem, após o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal suspender trechos dos decretos presidenciais que flexibilizavam o porte de armas e a compra de munições por cidadãos comuns, o presidente reagiu de forma condicional, em entrevista à Jovem Pan (emissora privada chapa-branca): dizendo que revogaria os atos do ministro do Supremo “se for reeleito”. [Um dos motivos da restrição do STF é evitar que se repitam aqui atos como o dos asseclas de Trump, que invadiram o Capitólio, para impedir a diplomação de Joe Biden e Kamala Herris, sob a alegação de fraude nas eleições].
Amanhã, no 7 de setembro, veremos o comportamento do candidato à reeleição nos atos de Brasília e Rio de Janeiro. Há um ano, no 7 de setembro de 2021, comemorado em Brasília e em São Paulo, o presidente Jair Bolsonaro rugiu que “não mais acataria decisões do ministro Alexandre de Moraes”, que conduzia no STF os inquéritos das “fake news” e dos financiamentos de sites e blogs que usam robôs para disseminar notícias inverídicas.
Dois dias depois, com a intermediação do ex-presidente Michel Temer, Bolsonaro redigiu carta dando o dito por não dito e pediu pessoalmente desculpas a Moraes em contato mediado por Temer, responsável pela indicação do ministro à cadeira no Supremo. Desde 1º de setembro, Alexandre de Moraes substituiu Edson Fachin na presidência do Tribunal Superior Eleitoral e comanda a regulação e o acompanhamento da campanha eleitoral.
Pobres não reagem às benesses
O estado-maior da campanha de reeleição de Jair Bolsonaro (agora pelo PL-22) já não sabe o que mais inventar para tentar mudar as intenções de votos dos eleitores. Em abril, o grupo integrado pelo filho 01, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) que coordena a campanha, junto com o chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, senador licenciado do PP-PI, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o candidato a vice-presidente na chapa, o general Walter Braga Neto, e o presidente do PL, o notório Valdemar Costa Neto, condenado e preso no Mensalão e acusado no Petrolão, imaginou que, com benesses eleitoreiras, o quadro começaria a mudar em maio.
Assim, o governo antecipou para maio e junho o pagamento do 13º dos aposentados e pensionistas, além de liberar saques do FGTS até R$ 1 mil por titular, e promoveu redução de IPI de vários produtos. As pesquisas não mudaram. Embora o PIB tenha ganho um novo fôlego, como mostrou o crescimento de 1,2% no 2º trimestre, muito em função da normalização das atividades do setor de serviços (sobretudo lazer, bares e restaurantes e turismo) com o avanço da vacinação e a consequente queda dos casos de Covid-19.
Um dos motivos da forte insatisfação da população em relação ao governo Bolsonaro diz respeito à inflação, mais sentida pela carestia dos alimentos. Imaginando intervir nos preços dos combustíveis, da energia elétrica e das comunicações com o chapéu alheio (redução do ICMS, arrecadado pelos estados e repassado aos municípios, para custear, saúde, educação e segurança pública), Bolsonaro conseguiu o apoio descarado do Congresso. Mas a oposição fez restrições e as respostas nas pesquisas foram sendo adiadas para junho, julho e agosto. Para forçar baixa maior do IPCA a canetadas, o governo federal abriu mão do PIS/Cofins e da Cide em combustíveis e no etanol.
Com manipulação de votação pelo presidente da Câmara (deputados votaram de fora do plenário, até dos estados, por celular) antes do recesso parlamentar, em 18 de julho, a decretação de “Estado de Emergência” (causado pela alta de preços da energia e alimentos após a invasão da Ucrânia pela Rússia, em 18 de fevereiro) permitiu legalmente (por decisão do Congresso) que e os tetos de gastos fossem revogados e aprovado um pacote de distribuição temporária de benesses até 31 de dezembro. Incluindo renúncias fiscais, o pacote atingiu R$ 100 bilhões, sendo R$ 41,2 bilhões diretamente distribuídos aos bolsos de diversas faixas de eleitores, a partir de 9 de agosto.
Graças à revogação do teto de gastos, num ambiente de “estado de emergência”, começaram os pagamentos do Auxílio Brasil (o antigo Bolsa Família, que fundido ao Auxílio Emergencial, que já estava em R$ 400, foi turbinado para R$ 600) e Auxílio Gás ampliados e a ajuda (R$ 1 mil mensais) aos caminhoneiros e taxistas”. Tudo valendo até 31 de dezembro de 2022, sendo que, em agosto, seriam dois pagamentos, incluindo julho. E Bolsonaro, ao emplacar novos dirigentes na Petrobras, aproveitou que o petróleo e os combustíveis tiveram baixa no mercado internacional no fim de julho e em agosto para promover quatro reduções nos preços da gasolina nas refinarias.
Com todo esse pacote, o estado-maior da campanha tinha certeza de que, com a entrada da campanha eleitoral gratuita do rádio e na TV, em 26 de agosto, a reação de Bolsonaro nas pesquisas teria início ainda em agosto. Estamos em setembro, a menos de quatro semanas do 1º turno em 2 de outubro, e as pesquisas da FSB/BTG-Pactual e do IPEC (antigo Ibope) realizadas após o primeiro ciclo duplo de pagamentos de benesses, o começo da campanha e o debate entre os candidatos na Band, dia 28 de agosto, mostraram estabilidade ou pequena alta de Lula e pequena baixa de Bolsonaro.
Os erros do machismo
Um dos graves erros da campanha de Bolsonaro é ignorar o peso e o papel da mulher na formação da opinião pública. Representado 53% do eleitorado, são elas que lidam mais diretamente com o custo de vida (nos mercados e supermercados, nas padarias, nas farmácias e nos salões de beleza). Os homens, que são 47% dos eleitores, apoiam Bolsonaro em sua maioria e podem até estar agradecidos pela baixa nos preços dos combustíveis. Mas eles só reduzem a inflação oficial e podem servir de mote para a propaganda oficial, junto com o aumento do PIB e a redução da desocupação.
Como diz o ex-ministro Delfim Neto, “a parte mais sensível do corpo humano é o bolso”, que continua a sentir o aumento dos alimentos (que estava rodando na tarifa de 14,74% em 12 meses em junho, e de 17% no vestuário, ou de 12% nos medicamentos).
Para piorar a rejeição majoritária das mulheres, que não perdoam a insensibilidade do presidente Bolsonaro diante das mortes de familiares e amigos pela Covid-19 (685 mil mortes até aqui), sua política armamentista e seus rompantes de machismo, toda a imagem de um “Bolsonaro paz e amor” – que queria se aproximar do eleitorado feminino pelas mãos e declarações da primeira-dama Michele Bolsonaro -, caíu por terra no debate da Band, no festival de grosseria contra a jornalista Vera Magalhães e a candidata do MDB, senadora Simone Tebet, que, ao intervir em favor da jornalista, recebeu um rude “e você cala a boca”, do presidente.
Estado de Calamidade, onde?
Pois o mais importante cabo eleitoral de Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, que já queimou vários cartuchos, sem sucesso, deixou escapar, na semana passada, uma “bala de prata” que o governo esconde na manga para tentar reverter a desconfiança dos beneficiados pelos auxílios temporários até 31 de dezembro: o governo poderia recorrer ao Congresso com Decreto de “Estado de Calamidade”, como foi feito na pandemia em 2020, para prolongar o furo no teto dos gastos e garantir para 2023 o Auxílio Brasil de R$ 600, que não está contemplado no Projeto de Lei Orçamentária Anual 2023 (onde consta gasto médio de apenas R$ 405 para o AB).
Ora, se o governo proclama aos quatro ventos que derrubou a inflação do IPCA (nas estimativas da última Pesquisa Focus do Banco Central está abaixo de 7%), que o PIB cresceu 2,5% no 1º semestre e tende a fechar o ano próximo a 3%, e o desemprego está baixando, onde está o “Estado de Calamidade”? Seria então irresponsabilidade a baixa dos combustíveis (nas duas últimas semanas as cotações do petróleo voltaram a subir, com restrições de oferta da OPEP)? Ou tudo não passa de uma fraude eleitoral urdida por Bolsonaro para enganar o eleitor?
Um bis do estelionato eleitoral de Dilma em 2013/14, quando ela segurou o câmbio, os juros e os combustíveis da Petrobras e baixou a energia elétrica, para tudo disparar após o resultado das urnas em fins de outubro, o que levou o país a dois anos de recessão em 2015 e em 2016? Por sinal, as previsões para o PIB de 2023 são de queda para um crescimento de apenas 0,5% a 0,8%. Os gráficos apresentados ontem pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, na entrega do prêmio “Valor 1000” pelo jornal “Valor Econômico”, em São Paulo, mostram que a memória da população em relação à alta dos alimentos (e da inflação) desde a Covid-19 ainda fala mais alto que promessas.
O eleitor está respondendo nas pesquisas que o “estado de calamidade” é o governo Bolsonaro.
GILBERTO MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)