É O TEMPO DAS MENTIRAS

CHARGE DE MIGUEL PAIVA

O período eleitoral é tempo de mentiras. De promessas que nunca são cumpridas, porque irrealizáveis, mas que surtem efeito no populismo. Mente-se com a maior cara de pau. Quando se usam números, as mentiras ganham ar de credibilidade inconteste. Mas em nada a essência muda. “Não, não são mentiras”, dizem as narrativas, distorcendo os fatos. Como ensinou logo no início do governo de Donald Trump seu primeiro porta-voz, Joe Spicer, “são fatos alternativos”. Dá para engolir essa, ministro Alexandre Moraes, que também é o árbitro das eleições no comando do Tribunal Superior Eleitoral? Algo como as desculpas esfarrapadas que os criminosos dão perante o juiz, com a colaboração de testemunhas “compradas” ou coagidas pelo poderio financeiro ou bélico dos acusados.

A proteção às testemunhas é uma garantia que a Justiça costuma oferecer para poder levar um criminoso à condenação e à cadeia. Na Itália, isso não bastou para barrar a atuação da máfia (em suas diversas configurações). Então, na Operação Mãos Limpas (“mani pulite”), do procurador Antonio di Pietro, foi possível desbaratar a atuação da máfia e desvendar suas inter-relações com muitos políticos, sobretudo da Democracia Cristã. Reputações que se apoiavam em Cristo e no catolicismo caíram por terra. Mas é preciso destacar que a colaboração de criminosos como Tomaso Buscheta, preso no Brasil, foi fundamental para uma limpeza temporária no crime e na política italianas, incluindo a Máfia, o Banco do Vaticano e a Loja Maçônica.

A criação do “Disque Denúncia”, ideia do meu saudoso amigo Zeca Borges, permitiu que a polícia carioca, de todo o Estado do Rio de Janeiro (é sempre bom lembrar que o gentílico “carioca” se aplica apenas a quem nasceu ou vive na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro) e do Brasil desvendasse a atuação de grandes quadrilhas. A proteção da denúncia anônima encorajou muita gente a delatar o traficante, o atravessador de mercadorias roubadas, a teia em que se apoia o quase inocente roubo de um celular. O celular é uma mercadoria de grande valia para as organizações criminosas que continuam a agir comodamente nas cadeias. O roubo na rua é a ponta de um “iceberg”.

Por isso, causa-me estranheza como tanta gente tenha embarcado na narrativa de que o instrumento da “delação premiada”, utilizada na Operação Lava-Jato, tenha sido causa e não consequência da crise político-econômica do governo Dilma e que levou ao seu “impeachment”. Quando morreu o ex-diretor de Abastecimento e Refino da Petrobras, Paulo Roberto Costa, em respeito ao luto da família que perdeu alguém para o câncer, não carreguei nas tintas por ocasião de seu obituário, há algumas semanas. Engenheiro da Petrobras e um quadro indicado pelo PP, Costa foi diretor responsável pelas principais obras de expansão do parque de refino (todas as refinarias concebidas a usar petróleo mais leve, importado, passaram por adaptações para poderem utilizar mais o petróleo nacional, mais pesado, e de dutos da Petrobras, além das novas refinarias (como a Abreu e Lima–PE e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro–Comperj), e das refinarias do Ceará e do Maranhão, lançadas na campanha eleitoral de 2010, só para costurar alianças, e que ficaram apenas nos gastos (e que gastos!) de terraplanagem, eram da responsabilidade dele. A diretoria era uma fábrica de projetos de ”contas de padeiro”, como ele próprio definiu, e superfaturamentos para encaixar propinas para grupos políticos.

Costa depôs inicialmente na CPI Mista (chapa branca) do Congresso, em 2014, instalada antes da eleição daquele ano, quando disse solenemente: “Senhores, a Petrobras é uma empresa séria”. Como era chapa branca, a CPMI deu em nada. Mas, quando a operação Lava-Jato localizou contas no exterior em nome da filha e do genro, Costa abriu o bico e recorreu à delação premiada para tentar atenuar sua pena. Lembro que muita gente caiu de pau em cima dele na época. E eu estranhei que tanto ele quanto Pedro Barusco, gerente que cuidava de afretamentos de navios e plataformas, tenham sido os maiores alvos de críticas, quando os grandes vilões eram as empreiteiras e empresas de arrendamentos de equipamentos que superfaturavam para molhar a mão de políticos e partidos. As empreiteiras tomaram conta do país e induziram o governo a aproveitar a produção de petróleo em alta escala do pré-sal para criar novos estaleiros nacionais fora do Rio de Janeiro, berço natural da construção naval. Para produzir no Brasil a maior parte dos equipamentos (na verdade muitos equipamentos continuariam sendo importados), foram criados novos estaleiros em Pernambuco, Bahia, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Mesmo associados a grandes estaleiros internacionais, os estaleiros fracassaram (o navio, batizado com o nome do Almirante João Cândido, herói da “revolta da chibata”, foi posto na água sem estar pronto, só para servir de palanque à eleição de Dilma, em 2018, e precisou estender reparos no estaleiro por quase dois anos. O estaleiro foi fechado, como vários outros, e o navio petroleiro circula apenas entre o Brasil e a Nigéria, pois não cumpre especificações técnicas para ancorar em portos da Europa, Estados Unidos e Ásia.

Curva de aprendizado

O mais irritante é que os erros, os atrasos e os superfaturamentos (nos navios e plataformas, nas refinarias e nos oleodutos e gasodutos) eram atribuídos à “curva do aprendizado”, eufemismo dentro do qual cabia tudo, da incompetência à rapinagem articulada. As revelações das delações premiadas foram confirmadas por vários outros depoimentos no colar de empreiteiras (no Brasil e no exterior, onde a Odebrecht, a Camargo Correa, a Andrade Gutierrez e a Queirós Galvão, para citar algumas) foram condenadas a multas pesadas. A narrativa de que só pessoas em postos chave da Petrobras eram corruptas é só um lado da moeda. As empresas e seus dirigentes e donos se locupletaram a valer, e sabiam muito bem as regras do jogo. Tudo foi facilitado com a nefasta reserva de mercado garantida pela Constituinte às empreiteiras nas concorrências internacionais (o Banco Mundial queria derrubar isso na metade dos anos 80, alegando que o cartel das empreiteiras brasileiras permitia-lhes onerar em pelo menos 15% os preços sem a concorrência de empresas estrangeiras). De lá para cá as margens dos sobrepreços quase dobraram. O cartel bancário conseguiu evitar a entrada de bancos estrangeiros. E quem manobrou isso no Congresso: o Centrão, arremedo de interesses difusos cooptados no baixo clero e nos políticos especializados em fazer “lobbies”. O Centrão nasceu assim. E como diz o velho ditado,”pau que nasce torto, não tem jeito, morre torto”. Ou como dizia o Barão de Itararé: “De onde não se espera nada, é que não vem nada mesmo” [que preste, digo eu]. De lá pra cá, só piorou o Centrão.

Por isso, os candidatos mais bem situados nas pesquisas podem fazer algum reconhecimento de corrupção em seus governos, mas tentam limpar as mãos sobre a sua culpabilidade, transferindo as culpas às pessoas, como se eles não fossem os chefes do Executivo, os maiores responsáveis por tudo.

Lula começou, finalmente, a reconhecer a corrupção em seu governo e nas gestões do PT; Bolsonaro admitiu que a culpa é de quem se envolveu em corrupção, já não garantindo mais não ter havido corrupção em seu governo.

Mas ele sempre se mostra uma metamorfose ambulante e incongruente. Em palestra a empresários, em São Paulo, o chefe do Executivo desabafou esta semana que ”sentar na cadeira presidencial é uma merda”. Uma falta de sutileza e educação total. Tom Jobim, que era a expressão do Brasil que deu certo, no tempo da delicadeza, costumava dizer nas rodas de amigos aos sábados, na Cobal do Leblon, sobre sua frequente ponte aérea entre o Rio e os Estados Unidos: ”Os Estados Unidos é ótimo, tudo funciona, mas é uma merda; o Brasil é uma merda, mas é ótimo”. A declaração de Jair Bolsonaro, chefe do Executivo – equivalente no meio empresarial a um desabafo de igual teor de um CEO (Chief Executive Officer) perante o Conselho de Administração da companhia, geraria o imediato pedido de que se demitisse. Ou em linguagem truculenta mais próxima ao entendimento do presidente da República, à famosa fala do Capitão Nascimento, do Bope: “Se não está satisfeito, pede para sair”. No entanto, Bolsonaro quer voto dos empresários para a sua reeleição.

Estelionato de 2014 dá bis em 2022

Não se pode atribuir, portanto, ao “SPA” corretivo a que foram submetidas as gulosas e obesas empreiteiras brasileiras, a existência de quase 4 milhões de demissões em 2015 e 2016. A recessão foi consequência do “estelionato eleitoral” para a reeleição de Dilma em 2014. Ela reduziu artificialmente as tarifas de energia elétrica em 2012 e 2013, congelou os combustíveis em 2013 e 2014, quando segurou o câmbio e os juros. Tão logo foi reeleita, o Banco Central subiu os juros, deixou o câmbio desvalorizar (o dólar subiu 48% em 2015, a energia elétrica encareceu 51% em 2015, os combustíveis subiram 26% e a inflação disparou para 10,67%. Esses fatores somados explicam as perdas de 4 milhões de postos de trabalho. A contribuição da crise das empreiteiras não chegaria a 500 mil postos diretos e indiretos. Os erros acumulados e a gula desmedida dos nossos empreiteiros – quem dera que seguissem os exemplos dos Chaebol da Coreia do Sul, as empreiteiras contratadas para a reconstrução do país no fim dos anos 50 e na década de 60 são a origem dos grandes conglomerados Samsung, Hyunday, LG, que usaram a mão de obra capacitada fomentada pela reforma do ensino para darem um salto tecnológico, do qual carecemos (a educação, ao lado da reforma agrária, o Sul era agrário e a indústria estava no Norte, comunista) – fizeram a pequena Coreia ser um “milagre asiático” e o Brasil perder a oportunidade de ser o grande parque supridor de equipamentos em série para a exploração do pré-sal. Cada navio plataforma FPSO, construído na China, em Singapura, ou na Coreia está gerando lá milhares de empregos diretos e indiretos que poderiam ser gerados aqui.

Esta “mea-culpa” tem de ser feita por Lula e pelo PT para terem autoridade para denunciar que o pacote de benesses eleitorais temporárias (até 31 de dezembro deste ano) de mais de R$ 100 bilhões do governo Bolsonaro, em isenções tributárias e a injeção de R$ 41,2 bilhões diretamente no bolso dos eleitores, tem a gênese do ”estelionato eleitoral” de Dilma em 2014. O jogo ficaria mais claro e limpo, até para o eleitor fazer suas escolhas. Neste sentido, o debate entre os principais candidatos neste domingo, na TV Bandeirantes, será muito importante para definições e para o eleitor fazer melhor juízo de quem tem as propostas mais sensatas e factíveis para tirar o país da crise. Embora há quem negue até que exista fome no Brasil (o presidente Bolsonaro negou 6ª feira, mas, como quase sempre, voltou atrás e reconheceu ontem, na Bahia, que há fome, sim). Basta comparar a alta dos preços dos alimentos (o leite, os ovos, a carne de frango, o açúcar, o café, o óleo de soja, o arroz e o feijão subiram de 15% a 20% nos últimos 12 meses, e a carne bovina saiu do alcance dos pobres e da classe média baixa). Baixar a gasolina derruba o índice oficial de inflação, mas não é item de consumo de quem ganha até dois salários mínimos (R$ 2.424), a imensa maioria da população.

GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *