Empresário investigado por indício de conspiração golpista enviou médico à cidade mineira no dia da facada ou suposta facada, e virou duque do bolsonarismo
Por que o milionário Meyer Nigri, dono da Tecnisa, tem tanto poder junto a Bolsonaro a ponto de bancar a nomeação de Augusto Aras para a Procuradoria Geral da República? Uma resposta possível é seu papel no episódio de Juiz de Fora em 6 de setembro de 2018, quando houve a facada ou suposta facada em Bolsonaro.
Foi ele quem mandou o advogado Victor Metta levar o médico Antônio Macedo de avião para Juiz de Fora e encaminhá-lo para o hospital Albert Einstein, e impedir que fosse atendido no Sírio Libanês. Nigri se mobilizou mais do que os filhos de Bolsonaro Flávio e Eduardo.
Logo depois da notícia, Flávio deu entrevista para dizer que a facada ou suposta facada tinha sido sem gravidade. Eduardo continuou fazendo campanha para deputado enquanto Alexandre Frota, desesperado, ia de carro para a cidade mineira, mesmo sendo ele também candidato a uma vaga na Câmara dos Deputados.
Foi o próprio Frota que me contou esta história.
O relacionamento de Nigri com Bolsonaro começa antes, no entanto. Ele teria apresentado empresários da comunidade judaica ao então pré-candidato, em 2016.
Em maio de 2018, segundo revelou o jornalista Elio Gaspari, Bolsonaro teve um encontro secreto com o bilionário Sheldon Adelson, dono de cassinos em Las Vegas, Macau e Cingapura.
Sheldon era o 24o homem rico do mundo (segundo a revista Forbes) quando recebeu Bolsonaro, acompanhado de Paulo Guedes, no hotel Copacabana Palace.
“Bolsonaro entrou pela cozinha”, escreveu Gaspari. Não queria ser visto com Sheldon, em razão da proximidade que mantinha com o eleitorado evangélico, a ponto de ser batizado no Jordão, em 2016, pelo pastor Everaldo Dias Pereira, da Assembleia de Deus, que seria preso por suspeita de corrupção em agosto de 2020.
Sheldon fez fortuna com empreendimentos na área de jogos de azar, visto como pecado pelos evangélicos.
O empresário faleceu em janeiro do ano passado, depois de demonstrar poder em governos de extrema direita, como Donald Trump nos Estados Unidos, Benjamin Netanyahu em Israel e Bolsonaro no Brasil.
Foi Sheldon quem convenceu Trump a transferir a Embaixada dos EUA de Telaviv para Jerusalém, o que fez aumentar a tensão no Oriente Médio.
Segundo reportagem da rádio pública de Nova York, a MNYC, Sheldon também persuadiu Trump a cortar o financiamento a refugiados palestinos e a revogar o acordo com o Irã sobre pesquisas na área nuclear.
Bolsonaro também queria transferir a Embaixada do Brasil para Jerusalém, porém ficou no meio do caminho: instalou em Jerusalém um escritório de representação comercial e manteve a embaixada em Telaviv, que a ONU considera a capital de Israel.
Isso não significa que Bolsonaro se afastou de Sheldon. Em março de 2020, seu governo anunciou que estimularia no Congresso Nacional o debate sobre a legalização de jogos de azar no Brasil, nos moldes pretendidos pelo empresário.
Três dias antes, em viagem aos Estados Unidos, Bolsonaro tinha conversado com Donald Trump sobre esse tema, como publicou o jornal O Estado de S. Paulo.
Não há registro público de encontro entre Meyer Nigri e Sheldon, mas o dono da Tecnisa defendeu a legalização de jogos no Brasil exatamente depois do encontro entre Trump, que teve a campanha de 2016 financiada por Sheldon, e Bolsonaro.
Veja publicou reportagem sobre ele com título que é um trocadilho: “O empresário que dá as cartas”. O repórter Daniel Pereira perguntou a Nigri: “Por que o senhor é a favor da liberação dos jogos de azar e dos cassinos?”
A resposta dele:
“Como liberal, sou a favor de liberar o jogo. Não sou dono de cassino e não tenho vontade de ser. Não quero fazer nenhum empreendimento imobiliário, pelo menos até o momento, que envolva ter cassino ou ter jogo, nada. É simplesmente uma posição minha. Liberar é melhor do que proibir, porque com a proibição a pessoa joga escondido, vai para a contravenção. Também acho o jogo uma coisa muita instrutiva. Aprendi muito jogando, porque a maioria dos jogos é um exercício de probabilidade, uma aula de matemática. Se eu fosse professor de faculdade, daria um curso de pôquer na sala de aula, porque é o melhor jeito de ensinar business para alguém”.
No mesmo texto, Nigri foi apresentado como padrinho da nomeação de Nelson Teich para o Ministério da Saúde, além de Aras para a PGR.
O encontro de Bolsonaro com Trump nos EUA, o anúncio do Ministério do Turismo de que abriria o debate sobre a legalização de jogos e a reportagem sobre Meyer Nigri são, evidentemente, movimentos sincronizados.
Não se pode esquecer, também, de que, no intervalo entre um ato e outro, houve aquele famosa reunião ministerial, com muito palavrão, em que o ministro Paulo Guedes tentou convencer Damares Alves a não ser obstáculo para o projeto dos cassinos.
Guedes citou em sua fala os exemplos de Cingapura e Macal, onde Sheldon tinha aberto cassinos:
“A mesma coisa o nosso … o problema do jogo lá na … lá na … nos recursos integrados. Tem problema nenhum. São bilionários, são milionários. Executivo do mundo inteiro. O cara vem, é… fazem convenções … olha, a … o … o turismo saiu de cinco milhões em Cingapura pra trinta milhões por ano. O Brasil recebe seis. Uma pequena cidade recebe es … trinta milhões de turistas. O sonho do presidente de transformar o Rio de Janeiro em Cancún lá, Angra dos Reis em Cancún . Aquilo ali pode virar Cancún rápido. Entendeu? A mesma coisa aí Espanha. Espanha recebe trinta, quarenta milhões de turistas. Isso aí é uma cidade da Ásia. Macau recebe vinte e seis milhões hoje na … na China. Só por causa desse negócio. É um centro de negócios. É só maior de idade. O cara entra, deixa grana lá que ele ganhou anteontem, – ele deixa aquilo lá, bebe, sai feliz da vida. Aquilo ali num atrapalha ninguém. Aquilo não atrapalha ninguém. Deixa cada um se foder. Ô Damares. Damares. Damares. Deixa cada um … Damares. Damares. O presidente, o presidente fala em liberdade. Deixa cada um se foder do jeito que quiser. Principalmente se o cara é maior, vacinado e bilionário. Deixa o cara se foder, pô! Não tem … lá não entra nenhum, lá não entra nenhum brasileirinho. Não entra nenhum brasileirinho desprotegido. Entendeu?”
O falecimento de Sheldon não tirou o poder de influência do grupo empresarial, que é controlado pela viúva, Miriam Adelson. Para a indústria dos jogos, o Brasil é uma fronteira a ser explorada.
E nesse jogo do falecido Sheldon, que mistura entretenimento, geopolítica e religião, Bolsonaro tem papel relevante, desde que se reeleja. Isso explicaria o ímpeto golpista dos empresários, entre eles Meyer Nigri, agora investigados pela Polícia Federal?
Pode ser.
Como diria Cazuza: “Transformam um país inteiro num puteiro, pois assim se ganha mais dinheiro”.
Ah, é preciso dizer ainda:
O ministro que anunciou que o governo Bolsonaro apoiaria a iniciativa de legalização de jogos (nos moldes pretendidos por Sheldon) foi Marcelo Álvaro Antônio, que em setembro de 2018 organizou a visita de Bolsonaro a Juiz de Fora, onde houve a facada ou suposta facada.
Também é preciso dizer que, embora promovesse e enriquecesse com o que, para os evangélicos, é considerado pecado, Sheldon financiava um grupo de pastores ligados à Casa Branca, no tempo de Trump, para convencer lideranças religiosas latino-americanas de seu projeto político e empresarial.
O bispo da Universal do Reino de Deus Marcelo Crivella, quando prefeito do Rio de Janeiro, se encontrou com ele e ficou encantado: defendeu publicamente a legalização de jogos e a construção de um resort integrado com cassino na capital fluminense.
Alguém sempre banca a festa… e as milícias digitais. Seria Sheldon quando vivo? Com Meyer Nigri? A conferir no inquérito que Augusto Aras, certamente, quer ver extinto.
JOAQUIM DE CARVALHO ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)