A DEMOCRACIA SONHADA POR PEDRO PASSOS, DA EMPRESA NATURA

A lógica de câmbio e juros não pode ficar meramente a serviço do capital improdutivo

Lendo a declaração de Pedro Passos – de que o governo Bolsonaro tornou-se disfuncional para a economia -, lembrei-me de meu início como jornalista. Fui incumbido de entrevistar um brasilianista, não me lembro se Stanley Hilton. Direcionei as perguntas para a temática “a democracia é boa para a economia”.

Fui interrompido.

A democracia é um valor em si, indispensável para qualquer país civilizado. Não tem lógica buscar argumentos econômicos para defendê-la.

Voltei para a redação com a lição aprendida e com um alívio enorme: a defesa da democracia prescindia de justificativas econômicas ou quetais.

Aparentemente, Passos não teve a oportunidade de receber essa lição. Foi um dos fundadores da Natura, empresa altamente inovadora. Como os demais fundadores, enriqueceu, acumulou patrimônio, tornou-se grande investidor financeiro. E, para a cabeça financista, o que importa apenas são as variações dos ativos, a valorização dos fundos de investimento, um câmbio solto para permitir ganhos de arbitragem.

Tivesse ainda o punch industrial, se daria conta de que o problema de Bolsonaro não é a imprevisibilidade, mas ter dado sobrevida a um modelo inaugurado por Joaquim Levy, nos estertores do governo Dilma, aprofundado por Michel Temer e, depois, por Bolsonaro. O que os diferencia é apenas a maneira como usam os talheres nos banquetes.

Ocorreu uma queda generalizada do faturamento dos produtos de varejo, da Natura à Magazine Luiza. E por um conjunto de razões óbvias.

O primeiro, a queda de renda. Quando aplaudiram a redução dos direitos trabalhistas, pensando nos custos das suas folhas, não levaram em conta que a queda generalizada da renda se refletiria no mercado de consumo – e, consequentemente, na venda de seus produtos.

O segundo, as oscilações intermináveis do câmbio, que interessam apenas aos especuladores financeiros. Os investimentos produtivos demandam previsibilidade do câmbio. Na hora do investimento, o empresário vai estimar o faturamento e a rentabilidade futura em cima de variáveis sob controle – especialmente o câmbio. Quando o câmbio torna-se o fator de ajuste da inflação, cria-se essa loucura. Os juros caem, o capital financeiro sai provocando uma desvalorização do real. A desvalorização provoca inflação, levando o Banco Central a aumentar os juros para trazer de volta os dólares. Há uma nova valorização do real, tirando a competitividade das exportações, tornando as importações mais baratas, até a próxima fuga de capitais.

Não é difícil entender essa lógica. Com um pouco de esforço, o Pedro Passos consegue.

Mas, em um país de informação precária, o que vale é o bordão econômico, da mesma maneira que o terraplanismo científico. Se o doutor falou que o câmbio tem que ser livre, leve e solto, quem sou eu para questionar.

E assim vai, com a economia se arrastando e toda a lógica de câmbio e juros a serviço apenas do capital improdutivo – aquele que entra para operações de arbitragem, para adquirir empresas descapitalizadas e outros negócios que não agregam nem emprego, nem riqueza, nem capacidade de produção ao país.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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