Colunista Moisés Mendes faz referência ao TSE após o tribunal proibir Lula de chamar Bolsonaro de genocida e deixar o petista dizer que o oponente é mentiroso
Metade da população brasileira não sabe o que significa ao certo a palavra genocida. Metade dos cientistas brasileiros, de todas as ciências, se desentende com a outra metade sobre o que possa ser hoje um verdadeiro genocida.
Mas todos os brasileiros sabem o significado das palavras covarde e mentiroso. Não há como buscar sentidos diversos para as duas palavras, como buscam para genocida.
E Lula não pode chamar Bolsonaro de genocida, mas pode chamá-lo de covarde e mentiroso, segundo o TSE.
Todos os vídeos em que Lula se refere a Bolsonaro como genocida devem ser retirados das redes sociais.
Mas o mesmo TSE determina que vídeos em que Lula faz referências ao genocida como covarde e mentiroso podem ser mantidos.
Chegamos ao ponto em que não se sabe mais o que pode ser dito, de acordo com os limites estabelecidos pela Justiça Comum, pela Justiça Eleitoral, pelas altas cortes e por juízes de primeira instância.
Sempre foi assim, como diziam os filósofos existencialistas de Barbacena: em cada cabeça há uma sentença.
Mas as sentenças, desde muito antes do golpe de 2016, passaram a ser determinadas por cabeças tomadas por condicionantes políticos como nunca antes.
O lavajatismo levou para o debate de bar e de churrascadas coisas que o Brasil nunca havia discutido. Delação premiada, condução coercitiva, grampo ilegal, prisão preventiva.
Os justiceiros lavajatistas inspiraram, muito mais do que o sempre citado ativismo do Supremo, o uso do Judiciário como última instância de resolução de qualquer controvérsia. O Brasil ficou hermenêutico.
Há um tribunal em cada bar e em cada lar do Brasil. E tudo vai parar na Justiça, enquanto prosperam as justiças paralelas.
Temos agora, por deliberação unilateral, mas com poder de polícia e de justiça, ordens como as determinadas pelo YouTube para que a TV 247 remova vídeos que a plataforma considera inadequados.
O YouTube, que regula com suas regras a postura dos seus usuários comuns, tenta intrometer-se no espaço em que mais devem circular as liberdades, o ambiente do jornalismo profissional.
O YouTube, tomado pela mesma autoridade do juiz que diz se Lula pode ou não chamar Bolsonaro de genocida, tenta orientar o que o jornalismo deve ou não fazer.
YouTube, Facebook e todas as corporações do mundo virtual se defrontam com seus limites no controle do que publicam. E atacam o jornalismo para dizer que ninguém tem privilégios.
O que o YouTube fez, no caso extremo da censura ao 247, foi média com o fascismo. As corporações tentam dizer ao bolsonarismo que todos terão o mesmo tratamento.
O genocida e os jornalistas passam ser equiparados, como se fosse possível estabelecer equivalências.
Não há como equiparar o genocida e profissionais que trabalham – com todas as suas imperfeições – em defesa do direito à informação, sendo essa notícia ou opinião.
Chegamos ao ponto em que, por medo do bolsonarismo, alastra-se o sentimento de que todos podem fazer justiça de forma sumária e autoritária.
Por incompetência de robôs e de humanos que programam robôs, o Facebook pode impor punições a usuários que publicam, por exemplo, fotos de um grupo de crianças indígenas nuas numa tribo isolada da Amazônia.
A foto já apareceu no Jornal Nacional e no Fantástico, citando-se aqui um caso concreto. Mas pode ser considerada pelo Facebook uma imagem que sugere sexo grupal. O Facebook viu crianças libidinosas.
E se fossem crianças brancas nuas, não na floresta, mas em Ipanema?
O moralismo que pune sumariamente o direito de Lula de chamar Bolsonaro de genocida é o mesmo que censura indígenas vivendo como eles são.
E todo mundo sabe a diferença entre uma criança indígena e um genocida com a bunda de fora.
MOISÉS MENDES ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)