OBSERVAÇÕES MIÚDAS SOBRE O 11 DE AGOSTO NA FACULDADE DE DIREITO DA USP

Foto: Fábio de Oliveira Ribeiro

De maneira geral, os discursos se limitaram a valorizar a soberania popular e a defender a Justiça Eleitoral

Hoje de manhã, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, na região central de São Paulo, ocorreu o evento em defesa da democracia. Mas antes de falar sobre o ato político mais importante antes da eleição, gostaria de fazer algumas observações miúdas e eventualmente dolorosas.

Ao sair da estação da Sé do metrô por volta das 8:40, fiquei surpreso com a quantidade de pessoas dormindo na praça. Atingido pelo fio da água utilizada para lavar a rua na lateral da catedral, um deles despertou molhado e irritado protestando contra o tratamento cruel que recebeu.

Entre a estação de metrô e a Faculdade de Direito da USP passei por dezenas de pessoas em situação análoga. Deitadas no chão duro enroladas em cobertores sujos, elas dormiam ou tentavam apenas afugentar o frio sem se preocupar com o regime político de um Estado que não se preocupa com o bem-estar delas.

Democracia ou ditadura? A resposta a essa pergunta faz muita diferença para os organizadores e participantes do evento em defesa da democracia. Os desocupados, desempregados e miseráveis que habitam as veias abertas da pauliceia não têm tempo para debater política. Eles precisam comer e se aquecer, duas coisas que eles nem sempre conseguem fazer.

No evento, as vítimas do neolibarbarismo militar foram lembradas. Mas elas não estavam presentes. O abismo entre a sociedade paulista e os dejetos sociais que ela produz foi cuidadosamente mantido. É politicamente incorreto deixar mendigos maltrapilhos dizer o que pensam sobre o regime democrático?

Um pouco antes de começar o evento, gravei algumas palavras do renomado advogado criminalista Kakai. Disse ele

“Eu acho esse evento fundamental, veio em muito bora hora. Correto. Acho que os redatores [da carta em defesa da democracia] souberam usar um tom que mobilizou o Brasil. Não é fácil num momento como esse você colocar quase um milhão de pessoas a favor da democracia, porque na realidade esse é o objetivo: é falar que nós estamos aqui pela democracia, para impedir o golpe, para impedir que esse fascista possa quebrar essa regra constitucional, a regra institucional. Então foi um evento maravilhoso. Eu até brinquei numa live com os professores da USP, que se fosse eu a escrever [a carta em defesa da democracia] provavelmente nós teriamos apenas uns 30 seguidores somente porque eu teria feito uma coisa mais ácida, mas eles acertaram. É um evento que chama o Brasil para uma realidade absolutamente necessária, que é manter  o Estado Democrático de Direito.

A imprensa estava presente em peso e repercutiu a leitura da Carta em Defesa da Democracia de maneira apaixonada. De maneira geral, podemos dizer que o evento realizado hoje na Faculdade de Direito do Largo São Francisco foi um sucesso, pois reuniu representantes do capital e do trabalho, da elite e da plebe politicamente organizada. Alguns oradores foram enérgicos (a presidenta da OAB), outros proferiram discursos sonolentos (caso do economista Ermínio Fraga). Mas nenhum atacou pessoalmente o capitão golpista e genocida.

Fiz o registo fotográfico do evento sem me preocupar em anotar os nomes das pessoas que ocuparam a tribuna.

O capital:

O trabalho:

A elite:

Lideranças populares:

A energética presidenta da OAB:

A presidenta da UNE:

No detalhe o momento da leitura da carta em defesa da democracia:

De maneira geral, os discursos se limitaram a valorizar a soberania popular e a defender a Justiça Eleitoral. A vulnerabilidade de contingentes populacionais marginalizados e esquecidos pelo atual governo foi lembrada. A representante do movimento negro fez uma eloquente diatribe contra o racismo. A ecologia e a obrigação das autoridades de cumprir e fazer cumprir a Constituição Cidadã também foram temas abordados em alguns discursos. A presidenta da OAB/SP foi enfática: a entidade defenderá a democracia sem hesitar.

Ao iniciar esse texto, disse que os mendigos e miseráveis não foram convidados a falar na Faculdade de Direito da USP. Agora devo dizer algo ainda mais doloroso. Nenhum cacique foi convidado para falar em defesa da democracia. A questão indígena não foi mencionada por nenhuma das pessoas usou a tribuna. A crueldade do atual governo em relação aos índios não foi nem mesmo pela presidente da UNE que é da região amazônica.

Não creio que os organizadores do evento e os cidadãos e cidadãos que ocuparam a tribuna tenham esquecido propositalmente os índios. Esse lapso, entretanto, não poderia deixar de ser referido aqui. A democracia brasileira deve muito às lideranças indígenas, especialmente nesse momento.

Antes de encerrar esse texto me sinto obrigado a fazer Justiça aos nativos de Pindorama, indevidamente esquecidos pelo 11 de agosto. Vítimas preferenciais das agressões politicamente organizadas desde que Bolsonaro tomou posse, os índios resistem com mais vigor à nova ditadura dentro e fora do país. O isolamento diplomático do Brasil, que garantiu o fracasso econômico do bolsonarismo, foi em grande medida conquistado na Europa por caciques indígenas antes e durante a pandemia.

Ao chegar na Faculdade de Direito para o ato em defesa da democracia não consegui entrar. Eu não sabia que era necessária se cadastrar com antecedência para o evento. Determinado a participar e a fazer a cobertura do ato, fui até o local designado para atender a imprensa e disse que era advogado e blogueiro do Jornal GGN.

– Jornal GGN? – perguntou a moça responsável.

– Sim, o portal de notícias do Luís Nassif.

Ao ouvir o nome do jornalista veterano a responsável imediatamente anotou meu nome e RG e fui acompanhado até o salão nobre por uma aluna da Faculdade de Direito da USP. A facilidade com que entrei no evento é digna de nota. Ao que parece, a anormalidade autoritária que ameaça o país ainda não contaminou totalmente a sociedade brasileira.

Além do evento no salão nobre outro semelhante ocorreu no páteo interno da Faculdade. Como tinha outro compromisso me retirei antes do início do mesmo.

FÁBIO DE OLIVEIRA RIBEIRO ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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